Síndrome de Takotsubo: o "coração partido" que pode ser tão grave quanto um infarto

A condição, ligada a estresse físico ou emocional intenso, desafia médicos, exige diagnóstico rápido e pode deixar sequelas, mesmo após a recuperação

Por Cinthya Leite Publicado em 08/08/2025 às 15:51 | Atualizado em 08/08/2025 às 16:45

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RIO DE JANEIRO - Imagine sentir todos os sintomas de um infarto: dor intensa no peito, falta de ar e tontura. Ainda assim, suas artérias coronárias estão normais. Essa é a realidade da síndrome de Takotsubo, também conhecida como síndrome do coração partido - uma condição que pode surgir após um forte estresse emocional ou físico e que, ao contrário do que muitos pensam, não é nada inofensiva.

Este tema foi destaque da programação do Congresso Internacional de Cardiologia Rede D’Or, no Rio de Janeiro. A aula foi ministrada, nesta sexta-feira (8), pelo cardiologista e intensivista Antonio Aurélio de Paiva Fagundes Júnior, presidente do congresso. 

Ele explicou que o nome da síndrome vem de um dispositivo japonês para captura de polvos: o takotsubo, cuja forma se assemelha ao padrão clássico observado na ventriculografia (exame médico que utiliza imagens para avaliar a função dos ventrículos do coração).

No Japão, onde os primeiros casos foram descritos, predominavam mulheres que chegavam ao hospital com quadro súbito semelhante a infarto agudo do miocárdio, antecedente de grande estresse e coronárias sem obstrução significativa. Coronárias, vale explicar, são um conjunto de artérias que fornecem sangue ao músculo cardíaco, o miocárdio. 

Uma doença ligada a estresse emocional

"A síndrome é uma cardiomiopatia (doença que afeta o músculo cardíaco, ao comprometer a capacidade de bombear sangue de forma eficaz) aguda e transitória, normalmente desencadeada por "descarga adrenérgica maciça", após vivência de fatores estressores físicos ou emocionais", disse Antonio Aurélio. 

Vamos esclarecer: num cenário de "descarga adrenérgica maciça", o corpo libera, de forma repentina e intensa, grandes quantidades de hormônios como adrenalina e noradrenalina. Essas substâncias fazem parte da resposta natural ao estresse: aceleram o coração, aumentam a pressão arterial e preparam o organismo para reagir a uma ameaça.

A questão é que, na síndrome de Takotsubo, essa liberação é tão exagerada que, em vez de proteger, acaba prejudicando o coração. O excesso de adrenalina pode provocar espasmos nas artérias, dificultar a circulação do sangue no músculo cardíaco e alterar o funcionamento das células do miocárdio, o que leva à disfunção temporária do ventrículo esquerdo (responsável por bombear o sangue rico em oxigênio para o corpo). 

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Durante a aula no Congresso Internacional de Cardiologia Rede D’Or, Antonio Aurélio de Paiva Fagundes Júnior destacou que a visão de condição benigna e transitória, associada ao "coração partido", é equivocada - CINTHYA LEITE/JC

Estudos mostram que os níveis de adrenalina e noradrenalina no sangue desses pacientes com "coração partido" são mais elevados do que em casos de síndrome coronariana aguda, o que pode levar a vasoespasmos, que são o estreitamento dos vasos sanguíneos. 

Quem é mais afetado pela síndrome do coração partido?

"A síndrome de Takotsubo responde por 2% a 3% dos casos que internam com aparentes síndromes coronarianas agudas e acomete predominantemente mulheres (5% a 6% delas) na sexta década de vida", destacou Antonio Aurélio.

A incidência está em ascensão, tanto por maior exposição a estressores quanto por melhor capacidade diagnóstica.

"Cerca de 10% dos casos ocorrem em pessoas com menos de 50 anos, em geral homens, que tendem a apresentar formas menos comuns, menos comorbidades, maior frequência de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos e mais complicações hospitalares", acrescentou. 

O que esperar após o diagnóstico da síndrome do coração partido?

Durante a aula no Congresso Internacional de Cardiologia Rede D'Or, Antonio Aurélio de Paiva Fagundes Júnior destacou que a visão de condição benigna e transitória, associada ao "coração partido", é equivocada.

A mortalidade intra-hospitalar (óbitos que ocorrem geralmente após um período de 24 horas da admissão do paciente no hospital) varia de 2% a 5%. A taxa de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares maiores atinge 9,9% dos pacientes por ano.

O risco de recorrência (volta da síndrome de Takotsubo) é de aproximadamente um em cada oito pacientes em até cinco anos e pode ser causada por condições estressantes diferentes do episódio inicial.

Mesmo após recuperação, muitos pacientes permanecem com sintomas persistentes, como dispneia, fadiga, palpitações e dor torácica intermitente.

Sinais de alerta e exames necessários

Mais de 75% dos pacientes apresentam dor torácica típica - sim, aquela que lembra a dor do infarto: sensação de aperto, peso ou pressão no peito. Cerca de metade tem dispneia, frequentemente associada a edema pulmonar.

Também são comuns tontura, síncope e antecedente recente de estresse emocional ou físico. No exame físico, os pacientes geralmente manifestam angústia respiratória, taquicardia e pressão baixa. 

O eletrocardiograma, exame que registra a atividade elétrica do coração e permitindo a avaliação de diversos problemas cardíacos, é anormal em mais de 90% dos casos, o que pode levar a acreditar que se trata de infarto. A ressonância é importante para diferenciar infarto ou miocardite.

O tratamento geralmente envolve a indicação de medicamentos para controle dos sintomas e suporte à função cardíaca. A síndrome de Takotsubo não deve ser subestimada. Ela merece atenção especial no diagnóstico, no tratamento e no acompanhamento a longo prazo.

*A jornalista acompanha os destaques da programação do congresso a convite da Rede D'Or. 

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