DOENÇA RARA | Notícia

SUS aplica pela primeira vez medicamento de R$ 7 milhões para tratar bebês com AME; criança de 6 meses em Pernambuco é beneficiada

Primeira beneficiada com medicação em Pernambuco tem 6 meses. Ela mora em São Caetano, no Agreste. A outra bebê que recebeu a infusão é de Brasília

Por Cinthya Leite Publicado em 15/05/2025 às 18:37 | Atualizado em 15/05/2025 às 18:52

Pela primeira vez, o Brasil realizou infusões de Zolgensma no Sistema Único de Saúde (SUS), um dos medicamentos mais caros do mundo (custo médio de R$ 7 milhões; dose única) e indicado para o tratamento de crianças com atrofia muscular espinhal (AME).

O atendimento, de duas bebês com menos de 6 meses, foi realizado simultaneamente no Hospital da Criança José Alencar, em Brasília, e no Hospital Maria Lucinda, no Recife, na quarta-feira (14).

O Zolgensma é a primeira terapia gênica incorporada ao SUS. A oferta dele na rede pública de saúde foi viabilizada por meio de Acordo de Compartilhamento de Risco firmado entre o Ministério da Saúde e a fabricante.

O modelo, inédito no País, condiciona o pagamento ao resultado da terapia no paciente. As negociações levaram ao menor preço lista do mundo. 

A expectativa do Ministério da Saúde é atender 137 pacientes ao longo de dois anos. Atualmente, 15 pedidos foram protocolados para acesso ao medicamento no SUS e estão sendo encaminhados, a começar pelos dois atendimentos já realizados. 

As duas primeiras bebês que receberam o medicamento foram priorizadas, segundo o Ministério da Saúde, por estarem próximas de atingir o limite de idade para a infusão e por atenderem a todos os critérios clínicos indicados pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Atrofia Muscular Espinhal (AME) 5q tipos 1 e 2.

A administração do medicamento é indicada para pacientes de até seis meses que não estejam em ventilação mecânica invasiva acima de 16 horas por dia.

HOSPITAL MARIA LUCINDA/DIVULGAÇÃO
Zolgensma é um dos medicamentos mais caros do mundo, com custo médio de R$ 7 milhões (dose única) - HOSPITAL MARIA LUCINDA/DIVULGAÇÃO

Beneficiada em Pernambuco é bebê de 6 meses

O Zolgensma é uma terapia gênica inovadora, considerada a mais avançada no tratamento da AME tipo 1, a forma mais grave da patologia. Administrado em dose única, o medicamento tem potencial de modificar o curso da doença, ao promover ganhos importantes no desenvolvimento motor e respiratório de crianças diagnosticadas precocemente.

A primeira beneficiada com a medicação em Pernambuco é uma menina de 6 meses, que mora no município de São Caetano, localizado no Agreste do Estado.

Aos 3 meses, a criança foi diagnosticada com a doença no Serviço de Referência em Doenças Raras (Rarus) do Hospital Maria Lucinda. Desde então, a paciente é acompanhada pela equipe multidisciplinar da unidade.

Aline da Silva Santos, mãe da bebê, expressa profunda gratidão à equipe do Rarus pelo acolhimento e cuidado desde o início. Ela relata que receber o diagnóstico foi emocionalmente muito difícil, mas que, com fé e perseverança, tem enfrentado cada etapa do tratamento para acompanhar a evolução da filha.

"Minha esperança é ver o que faz toma mãe sonhar: minha filha andando, correndo, brincando, falando, comendo pela boca, respirando normalmente - coisas que a doença impede. Esse é o meu desejo. Minha filha já é um milagre, e eu creio que ela vai conseguir tudo isso. E digo para outras mães: não deixem de ter força e fé", conta Aline, emocionada.

A secretária Estadual de Saúde, Zilda Cavalcanti, destaca a importância dessa aplicação para a saúde pública. "Esse tratamento significa um avanço na oferta de terapias de alta complexidade por meio do SUS, que, de forma inédita, garante o acesso gratuito a um medicamento com um custo tão elevado e baseado em bons resultados. Essa conquista representa esperança para outras famílias que enfrentam o mesmo diagnóstico", frisa a secretária.

O superintendente do Hospital Maria Lucinda, Luiz Alberto Araújo, destaca que é um momento histórico para a saúde pública do Estado. "Realizar essa aplicação no Maria Lucinda simboliza ainda o reconhecimento de nossa capacidade técnica e estrutural para liderar iniciativas inovadoras e de grande impacto social dentro do SUS."

O processo de infusão foi acompanhado por uma equipe multiprofissional do hospital, com o envolvimento de médicas especialistas do Rarus, que acompanham de perto a evolução da paciente.

"O essencial é o diagnóstico precoce", diz neurologista

A neurologista infantil Vanessa Van Der Linden, responsável pelo procedimento, sublinha a importância do diagnóstico precoce e do preparo da equipe para viabilizar o procedimento com segurança.

"A infusão é um procedimento rápido, tranquilo e geralmente bem tolerado pelas crianças. Mas o essencial é o diagnóstico precoce: quanto antes a AME for identificada, melhores as chances de resposta ao tratamento", explica a médica.

Ela acrescenta que, para a paciente receber a infusão, foi montada uma estrutura segura, com avaliação rigorosa, monitoramento laboratorial semanal, uso preventivo de corticoides e suporte multidisciplinar. "É um esforço conjunto entre equipe médica, família, reabilitadores e rede de apoio social."

Após a infusão do Zolgensma, a paciente fica sob supervisão clínica ainda no hospital, antes de ser liberada. "As primeiras horas após a infusão são monitoradas com atenção, principalmente em relação a possíveis reações alérgicas. Depois desse período, com tudo sob controle, a paciente poderá receber alta e continuar o acompanhamento ambulatorial com fisioterapia, fonoaudiologia, avaliação motora, respiratória e cognitiva", detalha a neurologista infantil Karina Soares, que acompanha a paciente desde o diagnóstico.

Ganhos no desenvolvimento

Com a garantia do acesso ao medicamento, as crianças com AME poderão ter ganhos motores significativos, como a capacidade de engolir e mastigar, sustentar o tronco e sentar-se sem apoio

Millena Brito, mãe da bebê que recebeu a infusão em Brasília, descobriu o diagnóstico de AME aos 13 dias de vida da filha. Para ela, o tratamento oferecido pelo SUS foi o melhor presente que poderia receber.

"É emocionante, porque a gente nunca perde a esperança como mãe. Ver minha filha, daqui pra frente, poder andar, correr, falar e me chamar de mãe vai ser excelente. Posso viver a maternidade de uma forma diferente", relata Millena, emocionada.

Em visita ao Hospital da Criança em Brasília, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, falou sobre a emoção de fazer parte desse momento histórico e reforçou a importância do fornecimento gratuito do Zolgensma pelo SUS.

"Seria impossível para as famílias arcarem com um custo tão alto. É uma terapia gênica muito importante e inovadora. Garantir esse atendimento e poder acolher essas famílias fazem disso um momento de muita emoção."

Terapias disponíveis no SUS

Embora a AME não tenha cura, as terapias disponíveis ajudam a estabilizar a progressão. Além do Zolgensma, de dose única, que bloqueia e previne a progressão da AME tipo 1, o SUS oferece nusinersena e risdiplam, de uso contínuo que atuam para evitar a progressão da doença.

Sem as terapias, essas crianças enfrentam alto risco de morte antes dos dois anos de idade. Quem tomou o Zolgensma não tem necessidade de receber outra terapia para AME.

Com a incorporação, o Brasil se torna o sexto país a disponibilizar o medicamento em sistemas públicos de saúde - após Espanha, Inglaterra, Argentina, França e Alemanha.

Famílias devem procurar serviços especializados para ter acesso ao tratamento

Para solicitar o tratamento, as famílias devem procurar um dos 36 serviços especializados em doenças raras do SUS. Um médico realizará a avaliação clínica da criança e, caso os critérios de elegibilidade sejam atendidos, dará início ao processo de solicitação da terapia.

Dos 36 serviços especializados, 31 estão aptos a realizar a infusão da terapia gênica — 22 já habilitados e 9 em fase de capacitação.

Os serviços habilitados estão disponíveis em Alagoas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e no Distrito Federal.

Nos Estados que ainda não contam com serviços habilitados para a infusão, o Acordo de Compartilhamento de Risco prevê, além do fornecimento do medicamento, o custeio de passagens e hospedagem para o paciente e um familiar responsável.

Entenda a atrofia muscular espinhal 

A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença rara e degenerativa. A patologia interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover.

A AME varia do tipo 0 (antes do nascimento) ao 4 (segunda ou terceira década de vida), a depender do grau de comprometimento dos músculos e da idade em que surgem os primeiros sintomas.

Quais os sintomas de AME? 

Os neurônios motores morrem devido à falta da proteína, e os pacientes vão, pouco a pouco, sentindo os sinais e sintomas da doença, o que pode levar à morte. Os principais sinais e sintomas da AME são:

  • Perda do controle e forças musculares;
  • Incapacidade/dificuldade de movimentos e locomoção;
  • Incapacidade/dificuldade de engolir;
  • Incapacidade/dificuldade de segurar a cabeça;
  • Incapacidade/dificuldade de respirar.

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