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Transporte público: Pesquisa confirma que o passageiro dos ônibus está insatisfeito com o serviço e fugindo para os aplicativos no Grande Recife

Estudo reflete a falta de investimentos no serviço público ofertado pelos ônibus e metrô. Sensação de que tudo piora também é grande e serve de alerta

Por Roberta Soares Publicado em 10/07/2025 às 12:30 | Atualizado em 11/07/2025 às 14:54

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O transporte público segue sendo usado pelas pessoas na Região Metropolitana do Recife por necessidade e falta de alternativa, não por opção. Uma pesquisa realizada com a população constatou um cenário cada vez pior para quem usa os ônibus: o passageiro nunca esteve tão insatisfeito e tem fugido cada vez mais para os aplicativos de transporte, inclusive o serviço ofertado com motocicletas, como o Uber e 99 Moto.

A superlotação dos coletivos nos horários de pico da manhã e da noite, a falta de prioridade, a insegurança urbana e as altas tarifas são os principais problemas. Quase 70% das pessoas que usam o transporte público no Grande Recife estão insatisfeitas com o serviço prestado. E o que é mais alarmante: quase a metade dos passageiros (43%) acham que ele tem piorado nos últimos anos - um reflexo direto da falta de investimentos no setor.

A constatação é de uma pesquisa do Núcleo de Inteligência de Mercado do Centro Universitário Frassinetti do Recife (UniFafire) realizada entre os meses de maio e junho deste ano, e que entrevistou 851 pessoas em diversos espaços públicos do Recife, localizados nos bairros da Boa Vista (Centro), Boa Viagem e Pina (Zona Sul), Várzea e Cidade Universitária (Zona Oeste), Campo Grande e Encruzilhada (Zona Norte), e Ibura (Zona Sul), além de Piedade, bairro de Jaboatão dos Guararapes, na RMR.

PROBLEMAS ESTRUTURAIS AGRAVAM A INSATISFAÇÃO DIÁRIA

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Imagem de ônibus da empresa Borborema - Guga Matos/JC Imagem
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Quando não deixa o transporte público para usar os apps de moto, como Uber e 99 Moto, o passageiro invade o sistema. No Recife, flagrante são diários. É a desmoralização do setor - Guga Matos/JC Imagem

A pesquisa detalha as múltiplas deficiências que culminam na profunda insatisfação dos passageiros. A superlotação é um problema crítico e estrutural, com 71,59% dos usuários classificando-a como "ruim" ou "muito ruim". E nessa avaliação pesa, sem dúvida, a falta de prioridade viária no trânsito - faixas e corredores exclusivos para os ônibus.

A segurança é outro ponto de grave crise, sendo avaliada negativamente por 75% dos usuários nos veículos e 74,89% nos terminais e paradas. O conforto dos veículos é considerado "muito ruim" ou "ruim" por 70,31% dos passageiros, evidenciando um problema estrutural na qualidade do serviço.

Outras áreas com alta reprovação incluem a pontualidade, com 50,47% das avaliações negativas, e o longo tempo de espera, criticado por 66,08% dos entrevistados - aqui, mais uma vez, dois dos efeitos mais negativos da falta de prioridade viária para o transporte público.

A limpeza dos veículos também teve destaque ruim, sendo insatisfatória para 54,23% dos usuários. O custo da tarifa é percebido como elevado ou inadequado por 60,8% dos usuários, sendo um dos principais pontos de insatisfação. Além disso, a acessibilidade para idosos e pessoas com deficiência (PcD) é avaliada negativamente por 57,42% dos usuários.

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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife revela que o ônibus ainda domina, mas está perdendo espaço - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução

Esse quadro de deficiências se reflete na percepção de estagnação do serviço: 43,78% dos entrevistados acreditam que a situação do transporte público permaneceu a mesma nos últimos dois anos, enquanto 33,69% afirmam que piorou, e apenas 12,09% enxergam melhorias.

ÔNIBUS AINDA PREDOMINAM, MAS APLICATIVOS CONQUISTAM CADA VEZ MAIS TERRENO

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A superlotação é um problema crítico e estrutural, com 71,59% dos usuários classificando-a como "ruim" ou "muito ruim" - Guga Matos/JC Imagem
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A superlotação dos coletivos nos horários de pico da manhã e da noite, a falta de prioridade, a insegurança urbana e as altas tarifas são os principais problemas - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Apesar das críticas, o ônibus ainda se mantém como o meio de locomoção predominante na RMR, utilizado por 35,15% dos entrevistados. No entanto, a pesquisa destaca uma clara mudança nos padrões de deslocamento, impulsionada pela busca por maior conveniência e flexibilidade. Os serviços de transporte por aplicativo (carros e motos) somam 23,08% da preferência, superando ligeiramente o uso do carro particular (13,83%).

O crescimento do uso dos aplicativos de transporte de passageiros com motos - puxado pelo Uber e 99 Moto - se reflete na pesquisa: dos 23,08% que usam os apps, mais de 9% já estão fazendo seus deslocamentos com o serviço de motos.

O estudo revela que o uso combinado do transporte público coletivo (ônibus, metrô e vans), que atinge 42,41%, está em quase paridade com o transporte individual motorizado (carro particular, moto particular, carro por aplicativo e moto por aplicativo), que soma 42,07%.

Essa estatística reforça a demanda por flexibilidade e o crescimento dos aplicativos como uma alternativa viável e cada vez mais utilizada pela população do Grande Recife. A frequência de uso do transporte público também corrobora essa dinâmica: embora 41,08% o utilizem diariamente, uma parcela significativa (22,18%) o usa "raramente" e 7,28% "nunca" utilizam, possivelmente devido à preferência por outros meios, como os aplicativos. Os principais motivos para o uso do transporte público ainda são trabalho (37,56%) e estudo (34,51%), indicando um sistema focado em deslocamentos essenciais.

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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução
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Pesquisa da UniFafire sobre a qualidade do transporte público no Grande Recife - Reprodução

João Paulo Nogueira, coordenador da pesquisa e professor da UniFafire, destaca que os dados sugerem uma mudança nos padrões de deslocamento, possivelmente influenciada pela conveniência dos apps.
“Os números indicam oportunidades para políticas que incentivem transportes sustentáveis e ampliem a infraestrutura de mobilidade”, observa.

CARTÃO VEM E ATENDIMENTO AOS MOTORISTAS BEM AVALIADOS

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Desde janeiro, 200 coletivos foram retirados da operação. Se o comparativo for com o período antes da pandemia de covid-19, são 300 ônibus a menos - GUGA MATOS/JC IMAGEM

Em meio a um cenário de insatisfação generalizada, a pesquisa aponta alguns pontos positivos isolados que indicam um caminho para futuras melhorias. O cartão VEM, por exemplo, é amplamente utilizado por 65,96% dos passageiros. Além disso, 61,62% dos usuários acreditam que a utilização do cartão VEM melhorou o uso do transporte público, reconhecendo-o como um avanço significativo na modernização do sistema e um facilitador da mobilidade urbana.

Outro aspecto com avaliação relativamente mais favorável é o atendimento dos motoristas: 39,67% o classificam como "regular", e 34,27% o avaliam positivamente ("bom" ou "muito bom"). Este resultado sugere que ações de capacitação e humanização podem estar surtindo efeito positivo, diferenciando este aspecto de outras críticas severas ao sistema.

Os dados da UniFafire Inteligência de Mercado reforçam a urgência de intervenções integradas e políticas públicas eficazes para transformar o transporte público da RMR em um serviço de qualidade, capaz de atender às necessidades da população e promover uma mobilidade verdadeiramente inclusiva e eficiente.
A fuga para os aplicativos é um sintoma claro da falha do sistema atual em prover conforto, segurança e eficiência, sinalizando a necessidade de investimentos na frota, infraestrutura e gestão para restaurar a confiança dos passageiros e reverter o quadro de insatisfação predominante.

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