Metro Quadrado | Notícia

O Recife do futuro está sendo construído agora

Atualização da legislação urbana redireciona o crescimento habitacional do Recife e projeta uma cidade integrada à demanda por moradia

Por Lucas Moraes Publicado em 18/11/2025 às 18:00

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A nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), que entrará em vigor no mês de dezembro, é uma prévia do que o Recife virá a ser. A atualização das regras urbanísticas da cidade, agregando aspectos de preservação do patrimônio histórico, do meio ambiente e do seu caráter social diverso é fundamental para garantir a redução do déficit habitacional nas mais diversas camadas, permitindo que a cidade cresça respeitando a sua vocação. Esta coluna Metro Quadrado tem acompanhado de perto o renascimento do Recife a partir do incentivo à adoção dos novos parâmetros urbanísticos e, em evento promovido na sede do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC), nesta terça-feira (18), reuniu entidades privadas e públicas, na representação do presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE), Rafael Simões, e do secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos, para debater com a sociedade civil os avanços legislativos de um Recife do futuro que busca inovação com base em assertividades do seu passado.

A LPUOS baseia-se nos conceitos de Cidade Para Todos, Cidade Melhor, Cidade Parque, Cidade Preservada e Direito à Cidade. Com as novas regras de adensamento, a expectativa é viabilizar até 50 mil novas moradias em cinco anos, priorizando habitação de interesse social e estimulando o uso misto de prédios, com comércio no térreo. Fachadas comerciais no térreo, calçadas mais largas, menos muros, áreas verdes e espaços de lazer à beira dos rios são dimensionadas na lei. O Recife também passa a vivenciar uma realidade de mais empreendimentos enquadrados no programa Minha Casa, Minha Vida, com a ampliação de terrenos aptos a atender diferentes faixas de renda.

O compromisso com o patrimônio foi assegurado com a triplicação das áreas de preservação histórica, que passam de 5 km² para 17 km², com a criação de novas Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH), agora somando 47 áreas reconhecidas, que reforçam a proteção legal a edificação e áreas que contam a história da cidade. Foram criadas ainda 16 novas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que buscam garantir o direito de permanência para famílias de baixa renda em regiões centrais, com transporte e infraestrutura.

O Centro do Recife, que busca uma reabilitação, também ganha destaque com o estímulo ao retrofit e atração de empreendimentos com bonificação para ampliação da área construída nos bairros do Pina e Boa Viagem.

"Acredito que, ao pensar no futuro da cidade, temos uma janela longa para observar, mas os efeitos, como você mencionou, já começam a ser sentidos. A demanda, a procura e os projetos já estão surgindo, e vejo esse processo com muito bons olhos. É um processo que, inclusive, em minha experiência na Ademi-PE, em discussões e participação, deixou claro que o setor produtivo deseja contribuir com a discussão urbana. Acho que isso consolida a participação do setor nessas pautas. Afinal, nosso objetivo é comum: todos querem habitação, investimento, arrecadação e emprego. E quando pensamos em quem pode oferecer habitação no volume, na qualidade, no preço e no prazo que a população necessita, a resposta é o setor produtivo", diz Rafael Simões.

JAILTON JR./JC IMAGEM
Especial Metro Quadrado. Recife do Futuro: Nova lei de uso do solo e oportunidades para o mercado imobiliário. Painrl com Lucas Moraes, Filipe Matos e Rafael Simões - JAILTON JR./JC IMAGEM

Para o presidente da Ademi-PE, a nova LPUOS sintetiza o conceito de uma cidade boa para as pessoas e, consequentemente, boa para se construir. É o setor imobiliário e de construção civil que tem capacidade de produzir novas moradias e fazer girar a roda da economia, com extrema relevância para a cadeia produtiva local, gerando emprego e renda. Ele ressalta que é fundamental ter essa sinergia entre o público e o privado.

"O setor imobiliário tem um impacto significativo. Em nossa última pesquisa da Ademi em parceria com a Brain, só na Região Metropolitana, foram lançados R$ 4,9 bilhões. Quando olhamos para todo o Estado, esse valor ultrapassa R$ 10 bilhões em lançamentos imobiliários. Estamos falando de um valor que equivale a colocar uma( fábrica da Fiat) para rodar todos os anos. Isso não é algo desprezível e merece ser estimulado, claro, dentro de um contexto que seja bom para a cidade e que, consequentemente, será bom para o setor produtivo", afirma.

A Prefeitura do Recife, por sua vez, busca retomar o protagonismo histórico-social e econômico da cidade. O Recife perdeu 3,5% da sua população, segundo o Censo de 2022, e estima-se que parte dessa população poderia morar na capital. As pessoas que ascenderam socialmente migraram para empreendimentos residenciais econômicos, dentro do MCMV, em municípios da RMR, mas continuaram trabalhando, em sua maioria, no Recife. Os problemas de mobilidade e infraestrutura urbana da capital foram espraiados ao longo do tecido urbano da região metropolitana, sem o necessário cuidado que a LPUOS agora incentiva às construções no Recife.

"Foi curioso porque, em uma das escutas que fizemos, um cidadão levantou a mão e disse: - "Olha, eu sou ciclista, estudo na Boa Vista e moro no bairro de Areias. O lugar em que me sinto mais inseguro nesta minha pedalada diária é Boa Viagem. E o bairro em que me sinto mais seguro é o Coque" -. É uma perspectiva um tanto inesperada. Perguntamos: - "Mas como assim?"-, e ele explicou: - "É porque quando eu passo no Coque às dez da noite, tem muita gente na rua, o comércio está aberto, as pessoas estão tomando cerveja na calçada, as crianças brincam na rua. Quando passo em Boa Viagem, é um paredão. Tanto é que," dizia ele, "eu já fui assaltado em Boa Viagem e nunca fui assaltado no Coque, passando de bicicleta"-. É um pouco disso, então: queremos gente na rua, gente consumindo nas calçadas, crianças brincando na rua, onde for possível. Claro, não adianta sermos idealistas a esse ponto, mas a ideia é que as pessoas voltem a viver a área pública. Isso está muito em linha com grande parte dos programas que a prefeitura tem adotado de recuperação de praças e abertura de parques, tentando trazer o cidadão de volta para o espaço público", contextualiza Felipe Matos. 

 

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Especial Metro Quadrado. Recife do Futuro: Nova lei de uso do solo e oportunidades para o mercado imobiliário. Painrl com Lucas Moraes, Filipe Matos e Rafael Simões - JAILTON JR./JC IMAGEM

No cenário regional, a cidade também perdia. O Recife viabilizou 9.700 unidades do MCMV entre 2009 e 2024, cidades como Fortaleza e João Pessoa produziram o mesmo número de unidades anualmente. Para viabilizar a construção de empreendimentos mais econômicos, a lei traz mecanismos como a criação do Índice de Área Comum, que permite ao construtor do MCMV ter a liberdade de definir o que que é a área privativa e o que é a área comum, bem como reforça a desobrigação das vagas de garagem em consonância com o número de apartamentos construídos, reduzindo custos e ampliando as áreas destinadas às moradias, sobretudo em regiões com corredores de transporte público. 

"Devemos buscar o adensamento inteligente, que consiste em uma melhoria na relação entre o espaço privado e o espaço público, para que consigamos garantir uma maior uniformização do adensamento.Não está certo que áreas de morro atinjam um adensamento de 300 habitantes por hectare. Tampouco está certo que existam áreas com toda a infraestrutura — muitos investimentos, parques e pontes — mas com um adensamento baixíssimo de 60 a 80 habitantes por hectare. Portanto, precisamos buscar esse meio-termo no planejamento urbano", reforça Matos.

O arcabouço legal tem o poder de virar o jogo e garantir ao Recife o protagonismo que o seu dinâmico mercado imobiliário almeja. Novas construções ou reformas estruturantes são a continuidade de um processo de desenvolvimento urbano que sempre irá existir. "A nossa expectativa é que, nos próximos 10 anos, a gente consiga reverter a situação, seja pelas novas construções de Minha Casa, Minha Vida, seja pelo retrofit em áreas históricas", vislumbra Matos.

A cidade do futuro está sendo construída agora e continuará evoluindo, com adaptações e evoluções necessárias, que fomentam discussões e colidem pontos de vista diferentes, num processo pertencente apenas a uma cidade viva, plural e que vislumbra uma nova era a caminho de completar os 500 anos de fundação.

 
 
 
 

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