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Nova promessa imobiliária do Nordeste, João Pessoa judicializa prédios na beira-mar e coloca em risco quase 200 obras

Embate entre legislação municipal e estadual está em andamento, para impedir flexibilização na altura de prédios construídos próximos ao mar

Por Lucas Moraes Publicado em 19/10/2025 às 0:00

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Em meio a um processo de franca expansão do mercado imobiliário e turístico, a cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, enfrenta uma das suas primeiras grandes dificuldades em relação à atualização de regras urbanísticas. Reconhecida nacionalmente como novo endereço do luxo imobiliário e de uma orla urbana quase que paradisíaca no litoral nordestino, a cidade cresce, ficando mais adensada e demandando novas construções. As localizadas a poucas quadras do mar são o alvo da polêmica da vez, com a delimitação de altura sendo decidida na Justiça, e colocando em rota de colisão as legislações municipal e estadual. 

Na capital paraibana, a Lei Complementar nº 166/2024 (Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS), que regulamentou o artigo 64 do novo Plano Diretor (Lei Complementar nº 164/2024) está sendo revogada. Pouco mais de um ano após após sua promulgação, num resultado que traz insegurança jurídica e pode paralisar quase 200 obras, em contraponto à cobrança de garantias ambientais previstas na Constituição Estadual. 

O Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) começou a julgar na última quarta-feira (15) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei que reformula o Plano Diretor de João Pessoa. O tribunal já formou maioria sobre a questão, com 11 votos favoráveis à inconstitucionalidade da lei, acatando pedido do Ministério público estadual. (MPPB).

De acordo com o MPPB, a LUOS flexibilizou restrições de altura em áreas de proteção ambiental, em desacordo com a Constituição Estadual. Um Relatório Técnico do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), elaborado pelo Laboratório de Topografia (LABTOP), é o cerne da questão, pois aponta que, ao comparar as novas regras de altura da LUOS/2024 com as do Decreto Municipal nº 9.718/2021, a nova lei é “menos restritiva”.

O estudo diz que, além de adotar como referência o piso do último pavimento (e não o ponto mais alto da cobertura), a nova legislação criou nove faixas de altura máxima, permitindo acréscimos de até seis metros em relação ao decreto anterior. Em algumas áreas da orla, especialmente nas oitava e nona faixas delimitadas, o limite de 35 metros seria ultrapassado cerca de 115 metros antes do final da faixa de 500 metros da praia, estabelecida pela Constituição Estadual, segundo a pesquisa.

QUASE 200 OBRAS EM RISCO

O procurador do município de João Pessoa, Sérgio Melo, defendeu que 181 processos de licenciamento de construção tramitaram sob a vigência da nova lei, ou seja, estão em risco de serem paralisados em função da decisão judicial a ser tomada. "Não é apenas do interesse do empreendedor. Isso afeta também o pai de família que comprou um imóvel e agora não sabe se ele será entregue", apelou em audiência. 

A despeito dos efeitos econômicos, na petição inicial, o MP sustenta que a flexibilização representa uma proteção ambiental insuficiente, "violando o princípio da vedação do retrocesso ambiental e dispositivos das Constituições Federal e Estadual". A alteração normativa pode gerar sombreamento excessivo, interferências na fauna e flora local, nos ciclos de aves e animais marinhos, além de afetar a ventilação natural e a estabilidade da faixa costeira, segundo o Ministério Público, que também questiona a falta de participação popular efetiva durante o processo legislativo.

O relator do processo, desembargador Carlos Martins Beltrão Filho, votou pela procedência da ação. Em seu voto, o relator considerou a norma inconstitucional tanto formal quanto materialmente, por vícios no processo legislativo e por contrariar dispositivos constitucionais de proteção ambiental. Ele também determinou que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade retroajam à data de promulgação da lei. Por enquanto, o julgamento está suspenso, por conta de um pedido de vistas, mas 11 desembargadores já acompanharam o relator e formaram maioria pela inconstitucionalidade da nova lei. Restam apenas quatro votos. 

O sindicato da construção civil da Paraíba (Sinduscon-PB) já afirmou que a possibilidade de anulação da norma "já inibe decisões, lançamentos imobiliários e afugenta novos investidores". 

A própria Procuradoria-Geral do Estado da Paraíba se opôs ao município de João Pessoa, alegando que "A Lei Complementar 166/2024 do município de João Pessoa contraria diretamente os interesses do Estado da Paraíba em matéria ambiental, cabendo, portanto, a este Procurador-Geral do Estado se abster de defendê-la, em conformidade com o entendimento jurídico consolidado". 

Para o Estado, o município de João Pessoa, embora possua competência para legislar sobre a matéria, deve respeitar o padrão já estabelecido, utilizando-o como patamar mínimo para qualquer alteração.

"O município somente estaria autorizado a atuar para além do referencial normativo mínimo já estabelecido, portanto; e o ato normativo impugnado permitiu que a altura máxima dos gabaritos de 35 metros seja alcançada antes do término dos 500 metros da faixa de proteção, o que representa uma clara ultrapassagem do padrão mínimo previamente estabelecido". 

O QUE DIZ A NOVA LEI E O QUE PODE MUDAR

A Lei do Gabarito, cuja manutenção é defendida pelo Ministério Público, estabelece um escalonamento de altura que varia de 12,90 metros na primeira faixa até 35 metros no limite dos 500 metros de proteção da orla. A nova legislação municipal, aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito Cícero Lucena (sem partido), estabelece nove faixas progressivas de altura para construções na orla, indo de 12,9 metros até 35 metros, dentro da zona de 500 metros. O grande problema é que, sobretudo para as últimas faixas de distância, as alturas das edificações deverão ser medidas a partir da cota do meio-fio até a cota de piso do último pavimento, exceto nos primeiros 30 m a partir da testada da primeira quadra (largura da frente do terreno que faz divisa com a rua), quando deverão ser medidas a partir do nível do meio fio até a laje de cobertura do último pavimento da edificação.

ESTÁ NA LEI:

  • Na Orla Marítima, deve ser respeitada a faixa de 500m (quinhentos metros) como área de restrição de altura, em cumprimento ao que determina o Art. 65 da Lei do Plano Diretor Municipal.
  • Art. 62. A altura máxima das edificações dentro da área de restrição dos 500m (quinhentos metros), demarcada a partir da linha de testada da primeira quadra, fica disciplinada pela demarcação de 9 (nove) faixas, conforme apresentado no Mapa do Anexo III desta Lei e pelas alturas máximas indicadas abaixo:
  • I - na 1º (primeira) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 12,90m (doze metros e noventa centímetros);
  • II - na 2º (segunda) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 16,50m (dezesseis metros e cinquenta centímetros);
  • III - na 3º (terceira) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 19,50m (dezenove metros e cinquenta centímetros);
  • IV - na 4º (quarta) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 22,50m (vinte e dois metros e cinquenta centímetros);
  • V - na 5º (quinta) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 25,50m (vinte e cinco metros e cinquenta centímetros);
  • VI - na 6º (sexta) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 28,50m (vinte e oito metros e cinquenta centímetros);
  • VII - na 7º (sétima) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 31,50m (trinta e um metros e cinquenta centímetros);
  • VIII - na 8º (oitava) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 34,00m (trinta e quatro metros);
  • IX - na 9º (nona) faixa as edificações deverão ter altura máxima de 35,00m (trinta e cinco metros).

RECIFE ATUALIZOU LEGISLAÇÃO COM MAIS TRANQUILIDADE

Após atualizar seu Plano Diretor, em 2020, o Recife conseguiu sancionar, sem grandes problemas, a sua Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), que normatiza as regras para construções na cidade. Diferente de João Pessoa, o gabarito (altura dos prédios) na orla não foi o alvo de debates, mas sim os ajustes propostos à região que se estende ao longo do Rio Capibaribe, que corta a Zona Norte e área central, além de incorporação e flexibilização das regras que norteavam a chamada Lei dos 12 bairros, que limitava, entre outros pontos, a altura de prédios nas regiões mencionadas.

A proposta da Prefeitura do Recife substitui as leis urbanísticas de 1996 e 1997, justamente para se adequar ao objetivo de implementar as diretrizes do Plano Diretor. A proposta reorganiza o território em duas macrozonas — Ambiente Construído (MAC) e Ambiente Natural e Cultural (MANC) —, que se desdobram em zonas urbanísticas e setores específicos, permitindo a aplicação de novos parâmetros urbanísticos.

O texto também introduz instrumentos de qualificação ambiental, como a Taxa de Solo Natural (TSN), a Taxa de Contribuição Ambiental (TCA), e exigências para reservatórios de reuso e retardo de águas pluviais. Estímulos à melhoria do espaço urbano incluem parâmetros para fachada ativa, térreo visitável e fruição pública.

O projeto trata as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS 1 - áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda - e ZEIS 2 - áreas de Programas Habitacionais de Interesse Social propostos pelo Poder Público) como áreas prioritárias para regularização fundiária e provisão de infraestrutura.

As Zonas de Centralidade (ZEC - com concentração de atividades econômicas) permanecem reconhecidas por sua função estratégica no tecido urbano, enquanto as Zonas de Preservação (ZEPH) recebem diretrizes específicas para salvaguarda da memória cultural.

A proposta também prevê o aproveitamento de imóveis ociosos com fins habitacionais e patrimoniais, por meio das figuras dos Imóveis Especiais de Interesse Social (IEIS) e dos Imóveis Especiais de Preservação (IEP). O texto também prevê a ampliação da área construída privativa quando se trata de habitação de interesse social, com a pretensão de atrair projetos de imóveis econômicos para a capital, atendendo famílias de menor renda.

Outra medida é que, a cada metro quadrado reformado nos bairros da Boa Vista, Santo Antônio, São José e Bairro do Recife com destinação a uso habitacional (retrofit) o construtor recebe um metro quadrado para obras em Boa Viagem. No caso de habitação social nos bairros citados do Centro do Recife, o crédito passa de 1 metro quadrado para 2 metros quadrados. A medida busca estimular o uso de imóveis ocioso no Centro, com uma bonificação para construções em áreas já consagradas da cidade, como o bairro da Boa Viagem.

No caso do Recife, o Plano Diretor da capital pernambucana já determina o gabarito de altura de 42 m (quarenta e dois metros) para os lotes lindeiros à Avenida Boa Viagem, na orla da capital pernambucana. 

 
 

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