Mais renda e menos crédito: compra de imóveis segue em alta, mesmo com entrave no financiamento, e revela cenário desafiador para a construção no Brasil
Poupança, com menos recursos, tem se voltado a atender os financiamentos a longo prazo. Com construtores recorrendo a linhas mais caras

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O aumento da renda real do brasileiro, puxado pelo mercado de trabalho aquecido e pela manutenção de programas sociais, tem ajudado a manter aquecido o mercado imobiliário. A busca por comprar a casa própria segue passando do sonho para a realização. As vendas cresceram 16% no primeiro trimestre de 2025, mas parecem ser tolhidas pelas condições do mercado de crédito brasileiro - cujas mudanças para atender os financiamentos imobiliários seguem em discussões avançadas.
“O volume (de financiamentos) começa a refletir as condições (de crédito e juros) colocadas para o mercado. É importante confirmar a tendência e situação do comportamento do crédito imobiliário. Esta redução não é decorrente de novas informações, é o que aconteceu de mudanças no início do ano e começa a refletir agora no crédito imobiliário. foi algo que já vinha se ajustando a essa curva. Em 2024 tivemos um volume alto (de financiamentos) e a partir de 2025, com composição do funding e novas taxas de juros, houve acomodação no nível de produção e distribuição do crédito, que agora começa a se equilibrar”, explica o presidente da Associação das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Sandro Gamba.
Em resumo, no primeiro semestre deste ano, o mercado começou a sentir com mais força os impactos da curva de alta da taxa básica de juros que vem em ascensão desde o segundo semestre de 2024 e pressiona ainda mais o custo de uma carteira de crédito que já convive com uma restrição de recursos da sua fonte mais barata: a Caderneta de Poupança.
“Está muito claro que essa operação será absorvida por outras linhas de funding, o mercado cresce em volume de lançamentos, mas o que estará atendendo o financiamento da construção cada vez menos será a Poupança e o funding SBPE. A gente não pode falar que o funding está escasso, o que temos é outras linhas que atendem o financiamento da construção. Se avaliar apenas a Poupança, há direcionamento do volume para longo prazo, do tomador de crédito imobiliário, e operações no ciclo curto sendo atendidas por outras operações”, conta Gamba.
MENOS POUPANÇA PARA A CONSTRUÇÃO
Apesar de não querer falar em escassez, a realidade é que a Poupança não tem suportado a demanda por crédito imobiliário para construção e aquisição no País. Não faltam outras alternativas para acessar crédito no mercado, mas elas são mais caras, o que encarece o custo dos financiamentos e, sem uma calibragem, podem levar a um impasse entre o volume de concessões e a disposição dos rendimentos da população, sobretudo num momento em que haja redução do crescimento real da renda.
Nos primeiros cinco meses de 2025, foram financiadas apenas 24.115 unidades com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), uma redução de 62,9% em relação ao mesmo período de 2024. Em valores, a queda chegou a 54,1%, passando de R$ 15,5 bilhões para R$ 7,1 bilhões.
De acordo com os dados divulgados pela Abecip, o financiamento à produção , com recursos da caderneta de poupança caiu 60,83% passando de 81.858 nos primeiros seis meses de 2024 para 32.065 unidades em iguais meses de 2025, enquanto o valor financiado para construção, nessa mesma base de comparação, recuou 54,17%. Já o crédito para aquisição de imóveis cresceu 3,62% em valor e 8,18% em número de unidades.
“O custo do crédito está elevado tanto para o comprador quanto para o construtor. Os bancos têm priorizado o financiamento à aquisição, em detrimento da produção”, reforça a economista da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Ieda Vasconcelos.
Esse cenário eleva as preocupações do setor a médio prazo. A atividade econômica segue aquecida, com vendas e lançamentos subindo mais de 15% no primeiro semestre. O emprego formal na construção bateu a marca recorde de três milhões de postos pela primeira vez em mais de dez anos, mas a produção ainda se vê ameaçada em função da retração do crédito mais barato disponível.
“A poupança não terá crescimento nos próximos anos, será ou manutenção ou redução, e aumento dos saques. A Poupança, em termos de custo de funding, é o mais baixo. Agora, entre mercado e Poupança temos alguns instrumentos, LCIs, LIGs e CRIs… A cesta vai se comportar dentro disso. Nas décadas passadas, o volume de Poupança era suficiente para atender todo o mercado, que cresceu ao mesmo tempo que a Poupança reduziu. Houve necessidade de estruturação de novos fundings”, detalha o presidente da Abecip.
O QUE PODE MUDAR NOS FINANCIAMENTOS
Junto ao Banco Central e ao Governo Federal, as entidades representativas do setor têm buscado mecanismos que confiram uma nova roupagem para o financiamento imobiliário no Brasil. A ideia é fazer uma transição “menos violenta” para novas fontes de recursos que mantenham a oferta de crédito tanto para produção quanto para aquisição a um custo que não seja muito elevado. Entre as iniciativas estão sendo discutidas medidas que vão desde a liberação de depósitos compulsórios feitos pelos bancos até novas regras para aumentar a atratividade de investidores para LCIs e CRIs, por exemplo, ampliando o volume de recursos e reduzindo custos, que tendem a subir e serem repassados ao consumidor, em função dessas alternativas ofertarem crédito mais caro.
“A Poupança entrega previsibilidade para o comprador num financiamento de 30 anos. Por isso consideramos que a Poupança tem papel importante. Mas como é finita, em termos de tamanho, está sendo direcionada para pessoa física e prazos mais longos. Outros instrumentos, para ciclos mais curtos, que aceitariam volatilidade estão ganhando protagonismo. No passado tínhamos um único recurso, hoje caminhamos para diversas estruturas, Poupança, LCI, CRI, fundos imobiliários… E começamos a ter segregação de qual fonte é importante para cada uso”, diz Gamba.