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"Uma Bienal é um oásis"

Em texto lido na Academia Pernambucana de Letras, a escritora Clarice Freire narra sua emoção com o evento que começa nesta sexta-feira

Por Fábio Lucas Publicado em 01/10/2025 às 20:42

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Autora do romance "Para não acabar tão cedo", publicado pela Record, Clarice Freire esteve presente no encontro de apresentação da XV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que terá início nesta sexta, 3, no Centro de Convenções. O encontro foi na Academia Pernambucana de Letras (APL), com a participação de organizadores, curadores, editores e escritores, que falaram sobre os 30 anos da Bienal pernambucana, e da expectativa para a nova edição, que se estende até o próximo dia 12. 

A escritora e professora de escrita criativa será uma das atrações do primeiro dia do evento, em debate sobre "Os leitores e as redes sociais", na sexta, a partir das 4 da tarde no Círculo das Ideias. Ao lado dela, a também escritora Karou Dias. 

A pedido da coluna Literária, Clarice Freire transformou o texto declamado no encontro da APL em uma versão especial para o Jornal do Commercio. Para ser lido, relido e escutado, verdadeira declaração de amor aos livros, à leitura e aos eventos literários.

A partir da próxima linha, poesia e esperança em caligrafia bem pernambucana.

JAILTON JR./JC IMAGEM
Clarice Freire, escritora - JAILTON JR./JC IMAGEM

Uma Bienal é um oásis

Por Clarice Freire

A primeira vez que estive em uma Bienal não me esqueço. Galpão infinito, auditórios lotados, uma multidão, parecia mentira, uma utopia, coisa de delírio-coletivo-maravilha. Vi malas, daquelas de rodinhas, como se estivéssemos em aeroporto, rodoviária. Perguntei a razão, soube que estavam cheias de livros. A viagem era maior.

Filas e filas e filas. Pessoas sentadas no chão, segurando pequenas pilhas de livros, em êxtase falatório ou já devorando suas letras bem alheias à muvuca do entorno.

Lugares disputados à tapa. Vi escritor brasileiro andando com uns seguranças, no meio do povo choroso, de todas as idades, porque queriam arrancar um pedacinho da infância que tiveram com ele. Adolescentes gritando. Não eram os boys ou as girls das boybands ou girlbands, mas autores, autoras,

alguém que

escreve.

Adultos sérios, figuras intelectuais que se submetiam a chegar horas antes, para pegar seus lugares diante de quem, para eles, merecia o esforço. Aquele silêncio expectante era a modalidade crescida dos gritinhos.
O importante é que o grito ou o silêncio eram para gente que escreve só, sozinha, solitária, única, isolada, quieta e entre paredes. Bendita dicotomia.

Uma Bienal é um oásis diante dos retratos da leitura no Brasil e seus números estranhos, doloridos, preocupantes, pós-tanta coisa. Uma Bienal, em tempos de conexões frias, distopias e inteligências cada vez mais artificiais, vem feito um grito de esperança.

Me perdoem a esperança, sou dela, serei dela, como sou da poesia, não sei se há uma sem a outra. Quem escreve espera nem que seja pela tampa rompida do afogamento. Rompo a tampa, engulo o ar: ah, um poemoxigênio.

Uma Bienal tem que existir assim grande, mesmo. Imensa, metida. E a de Pernambuco não se acha, ela tem que se ter certeza. O frênesi, a paixão,
o livro como uma coisa grande, porque é isso que
ele é.

Minha mesa vai tocar o leitor nas redes sociais. Tema que, coincidência ou não, é minha pesquisa de doutorado sob outra ótica. A autoria do leitor, com as ferramentas atuais, tem sido uma coisa impossível de se ignorar, que bom poder falar sobre eles aqui, na Academia Pernambucana de Letras, no jornal, no lugar da tradição que precisa ser tradicional e criativa, senão não há literatura. O leitor protagonista. O leitor que faz, cria, torna o autor leitor de sua própria obra reelabora, contra-assina a assinatura do escritor porque escreve outro livro na hora da leitura, com diz a teoria de Jaques Derrida. Essa leitura transborda bem nas bienais.

Uma Bienal é tudo que é por causa do leitor. Eu quero o mundo leitor. Eu quero a criança leitora. Quero o menino, a menina, o velho, o moço, a capital, o interior, as brenhas. Eu quero a periferia leitora, os morros, os confins. Eu quero a literatura na moda, a literatura bombando, a literatura na boca do povo, na mesa do bar, na sala de casa, nos grupos das tias do zap, no bookgram, no bookTok, no bookTube. Eu quero Pernambuco sendo literatura nacional, internacional, quero quinze vezes, quero quinze anos, quero esse respiro bom de alegria.

Há quem lê! Temos esperança.

Lá se vai o sol por entre duas colinas de cana de açúcar. Amanhã o dia vai ser doce.

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