Da realidade à imagem escrita
Filme com Mel Lisboa e Thiago Fragoso, direção de Caco Souza e roteiro de Enrico Peccin, "Atena" se inspira na literatura, mas fala da vida real

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A violência contra as mulheres no Brasil é parte de uma cultura machista e misógina, que vem de longe. Mas sua atualidade infame continua desafiando as instituições incumbidas de proteger as mulheres de homens cujo comportamento agressivo parece insano, deslocado de uma época a qual se esperava que essa ira masculina não fosse mais comum. Mas é. Insolitamente banal, no significado que se dá a algo rotineiro, trivial, onde homens tratam mulheres com brutalidade, e querem fazer do ato brutal, insignificância.
Os casos que chegam ao noticiário, quase diariamente, como a tentativa de feminicídio por murros num elevador, são apenas a ponta do cotidiano aviltante. Em “Atena”, filme de Caco Souza com Mel Lisboa e Thiago Fragoso que acaba de entrar em cartaz nos cinemas de todo o país, uma mulher abusada pelo pai, na infância, forma um grupo para combater a violência contra as mulheres. “O filme está sendo lançado justamente com a cena absolutamente inaceitável que aconteceu no Rio Grande do Norte, que apenas mostra o quanto esse assunto precisa ser discutido, retratado”, diz Mel Lisboa ao JC. “Interpretar uma personagem assim é uma responsabilidade grande. Um desafio também, porque ela vem endurecida pelo trauma. Uma personagem que trabalha nesse campo contraditório: ao mesmo tempo é forte, determinada, fragilizada e vulnerabilizada”.
Para Mel, o filme a fez entrar em contato com a violência de outra forma. “Saber que não é só uma obra de ficção, coisa inventada. Isso acontece. Triste, revoltante, mas é um assunto necessário de ser falado. A maior reflexão que o filme causa é essa sensação de impunidade”, diz, lembrando o caso dos murros filmados dentro do elevador. “Esse caso foi filmado, esse homem foi preso. Mas a quantidade de casos dentro das casas, com familiares, com maridos, é enorme, e muitos não chegam a conhecimento, não são denunciados. Enquanto essas vozes forem silenciadas, mais à vontade os homens vão estar, e se sentir no direito de que podem fazer o que quiser com os corpos das mulheres”.
Suspense real
O diretor do filme, Caco Souza, também conversou com a coluna. “Atena é um filme que mexeu comigo de um jeito diferente. Eu já tinha passado por vários gêneros, mas esse veio com uma carga emocional muito forte. Não foi só dirigir uma história — foi mergulhar num tema que ainda dói, que ainda é tabu. Me fez olhar muita coisa de outro jeito”. Na combinação entre o entretenimento com a denúncia, ao abordar a violência contra a mulher no Brasil, o equilíbrio foi encontrado, de acordo com o diretor. “A ideia sempre foi fazer um filme que envolvesse, que prendesse, mas que também tocasse num ponto sério. A gente usou a estrutura do suspense, que é um gênero que conversa com o público, para falar de um assunto pesado — e real. O desafio foi esse: não deixar virar só uma denúncia nem só um entretenimento. Encontrar esse meio-termo foi o grande trabalho. E acho que conseguimos criar uma história que faz pensar, mas que também emociona, envolve, provoca”.
“O filme daria um ótimo livro”
O roteirista Enrico Peccin conta que a história foi escrita em 2016, com base em relatos verídicos no Rio Grande do Sul. A intenção de mostrar “uma mulher lutando contra as injustiças diárias brasileiras” teve referências em outros filmes, e também em livros. Abaixo, uma breve entrevista com o escritor:
A violência cotidiana de homens contra mulheres faz parte da realidade brasileira. Como foi a sua pesquisa e que fontes utilizou para o roteiro?
Enrico Peccin - Escrevi o roteiro de Atena em 2016. Inicialmente a história era baseada em casos que escutávamos em conversas entre amigos no Rio Grande do Sul. O roteiro evoluiu muito e a versão filmada foi o tratamento 23. Ou seja, passou por várias revisões e releituras. Durante essas revisões, circulamos o roteiro por várias ativistas e intelectuais feministas para aprovação e comentários sobre os temas. Apesar do roteiro ter sido escrito por um homem, ele foi chancelado por várias mulheres até ter sido filmado.
Na criação dos personagens, há referências e inspirações em outras histórias, de filmes ou da literatura? Quais poderia citar?
Enrico Peccin - O filme foi inspirado por clássicos do estilo "Vigilante Films", como Taxi Driver, Dirty Harry e Death Wish. Todos filmes em que homens lutam contra o sistema judiciário. No caso de Atena, a ideia for ter uma mulher lutando contra as injustiças diárias brasileiras. As cores do filme, da linda direção de fotografia de Juliano Dutra, foram todas inspiradas no amarelo e vermelho de Taxi Driver de Martin Scorsese. Também cabe como inspiração o livro “The Girl With a Dragon Tattoo”, do sueco Stieg Larsson.
Muitas vezes se diz que um livro daria um bom filme. No caso de Atena, o filme daria um bom livro? O que acha que seria subtraído ou acrescentado ao roteiro?
Enrico Peccin - O filme daria um ótimo livro. Na versão original do roteiro, a personagem principal (Atena) só revela sua identidade no final, o que se provou muito difícil de produzir na tela. Em eventual versão literária, se voltaria a essa ideia, o que tornaria a história diferente para quem não assistiu ao filme.
O espectador pode identificar referências e inspirações em outras histórias, de filmes ou da literatura? Quais poderia citar?
Enrico Peccin - Sim. Além dos filmes e livro citados, vale mencionar “How to Kill Men and Get Away With It”, de Katy Brent. Mas o fato que mais choca é que no Brasil atual, histórias como a de Atena são tão comuns que todos conhecemos casos semelhantes em nossas cidades. Mulheres e crianças que são abusadas por cidadãos e pelo sistema, e que não conseguem justiça. A ideia principal do filme, além de atrair o público para uma história de ação e suspense, é mostrar como ainda temos muito a melhorar no Brasil nas questões de direitos iguais a todos, uma justiça eficiente e segurança pública de confiança. O roteiro é uma trama que me provoca um paradoxo pessoal. Sou formado em Direito e trabalho na área. Sou contra "justiça com as próprias mãos", mas entendo que o tema é não apenas contraditório como envolvente e emocionante.
As cinzas do poeta
A família e amigos do poeta Miró irão realizar a dispersão das cinzas dele, a partir das 16h01 (referência ao poema "Quatro horas e um minuto") na próxima quarta, 6, data de seu aniversário. Haverá cortejo saindo do Muafro (Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro, no Recife) em direção à estátua de Miró, e de lá ao local de dispersão das cinzas. “Será uma cerimônia singela de homenagem. O Muafro colaborou com a guarda provisória das cinzas e agora chegou o momento de libertar o poeta de volta no mundo”, diz Wellington de Melo, escritor e amigo de Miró.
Homenagens a Miró
No sábado, 9, o poeta será homenageado no Muafro, a partir das 3 da tarde, com aposição da placa na Sala Miró da Muribeca e conversa com o escritor Marcelino Freire. A partir das 18h, no Hotel Central, haverá o Sarau do 902, tocado por amigas dos anos 1980 que conviveram na república do 902, citada no poema "Confesso que também vivi meio século". E a partir das 8 da noite, tem filmes sobre Miró no bar Super8, no centro da capital pernambucana.
Gianni em Frankfurt
Editora-assistente na Cepe, Gianni Gianni é um dos cinco jovens talentos selecionados pela Publishnews e pela Feira do Livro de Frankfurt para ir. O ingresso para o evento, de 15 a 19 de outubro, já está garantido. “Seu profissionalismo, somado a excelentes habilidades interpessoais, faz dela uma referência promissora no cenário editorial, especialmente entre os jovens profissionais da área”, disse Leonardo Tonus, professor catedrático na Universidade Sorbonne Nouvelle (Paris), um dos 22 profissionais que escreveram cartas de recomendação para sua seleção.
Encontro no FIG
A jornalista e escritora Jaqueline Fraga participou do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), onde encontrou Toni Garrido, cantor do Cidade Negra. E aproveitou para presenteá-lo com seus livros, como o livro-reportagem “Negra sou – A ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”.
Carne crua
A psicanalista e escritora Marta Andrade esteve na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde lançou, no sábado, seu romance “Carne crua”, publicado pela Patuá. Na obra, a autora “expõe as violências cotidianas e seculares que atormentam as mulheres quilombolas e de comunidades tradicionais”. O lançamento foi na Casa Gueto.
Feminismos decoloniais
As escritoras Mariana Vilela, Hilza Ferri e Elizandra Souza, e a psicanalista Denise Lira Bertoche, conversam sobre “Psicanálise, literatura e feminismos decoloniais” neste domingo, a partir das 3 da tarde. No Casarão Cultural Viva Arouche, na República, em São Paulo.
Cafu na Flip
O ex-jogador da seleção brasileira Cafu participa neste domingo, dia de encerramento, da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). O craque é a estrela da mesa “A saga Cafu: futebol e literatura em campo” na Casa Sesc, a partir das 2 da tarde. A mediação será de Mariah Morais.
Mercado literário
Será na terça, 5, a aula online gratuita “Por trás das páginas: bastidores do mercado literário”, com Clarice Freire, Helô Daou e Eugênia Ribas-Vieira. O encontro é promovido pelo curso de Especialização em Escrita Criativa da Cesar School e começa às 7 da noite. Inscrições pelo link no Instagram @cesarschool.
Beleza em Kant
No livro “O sentido da vida”, publicado pela Planeta, o psicanalista Contardo Calligaris elogia a formulação do filósofo Kant sobre a beleza como “a mais perfeita forma de pensamento ocidental sobre o julgamento estético”. Nela, segundo Calligaris, “quando julgamos uma obra de arte, o que julgamos é uma finalidade sem fim, ou seja, uma coisa que não tem outra finalidade fora dela mesma”.
O sentido da vida
Para o italiano que viveu no Brasil e faleceu em 2021, a definição de Kant sobre a obra de arte pode ser transposta para a vida: “A vida é a obra de arte de cada um, a mais importante, a mais valiosa e também talvez a única. A experiência da vida é uma experiência criativa de uma obra de arte. A vida de cada um de nós é a sua obra de arte”, disse Contardo Calligaris, para quem a eterna busca pela felicidade importava menos do que uma vida interessante – sem fugas nem distrações à experiência da vida, cujo sentido não estaria fora, mas em si mesma.
A tradução da beleza
A percepção do belo, na arte ou na vida, pode trazer um sentido igualmente restrito ao que se percebe como tal. A diferença que sobressai quase por encanto. Em “Caçando carneiros”, Haruki Murakami descreve assim o encontro que deixa um personagem extasiado: “Sua beleza era agora quase irreal. Beleza que eu nunca vira, de um tipo que jamais imaginara que pudesse existir. Expandida, abrangente como o universo, e ao mesmo tempo condensada como uma geleira. Arrogantemente superlativa, e ao mesmo tempo toda despojada. Aquela beleza ultrapassava qualquer conceito que eu conhecesse”. A tradução do japonês para o português é de Leiko Gotoda, na publicação da Alfaguara.