Literária | Notícia

Potência educativa em Paraty

Diretora de Cultura e Educação da Flip, Belita Cermelli fala sobre a integração da Festa com a cidade, e defende mais literatura nas escolas

Por Fábio Lucas Publicado em 26/07/2025 às 19:28

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Vai começar mais uma festa da literatura. A Flip – Festa Literária Internacional de Paraty – chega à 23ª edição como um modelo de evento que é, ao mesmo tempo, confraternização, debate e formação pela literatura. Em entrevista ao JC, Belita Cermelli, co-fundadora e diretora da Associação Casa Azul, organização da sociedade civil que realiza a Flip, ressalta que a cidade não é apenas uma locação: “o objetivo sempre foi conectar a população local com a festa”. Uma identidade que ela mesma carrega. Nascida em Paraty, Belita Cermelli é licenciada em Física pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP. Como Diretora de Cultura e Educação da Flip, é a responsável pela direção geral do seu Programa Educativo. “É possível levar muito do Educativo Flip para o cotidiano escolar no Brasil”, acredita. “A leitura por prazer precisa ser uma constante na escola”.
A Flip tem início na quarta, 30 de julho, e vai até o domingo, 3 de agosto. Acompanhe a programação e saiba mais sobre o evento em www.flip.org.br.


A Flip cresceu para dentro e para fora desde que foi criada, o que se vê, por exemplo, na ocupação da cidade ao redor do evento. Como se dá a relação com Paraty?
Belita Cermelli - Desde o início, a Flip foi pensada como uma manifestação cultural conectada às festas tradicionais de Paraty. Ela é realizada por Paraty e pelas pessoas que moram na cidade, em diálogo com o território. Paraty não é uma locação para a Flip, o objetivo sempre foi conectar a população local com a festa. E temos consciência de que esse território vai além do centro histórico e da zona urbana. Este ano, por exemplo, nossa programação inclui um roteiro de literatura oral feito em parceria com a Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária, que leva o público da Flip a conhecer a zona rural de Paraty e a desfrutar do conhecimento tradicional de quem vive ali.

Como o educativo participa dessa expansão?
Belita Cermelli - O Educativo Flip também participa dessa expansão com ações permanentes ao longo do ano, envolvendo escolas da zona urbana, rural e costeira. Durante todo o ano, realizamos a formação de professores e já doamos dezenas de milhares de livros para escolas públicas e bibliotecas comunitárias, entre outros espaços. Também criamos a Flipinha do Mar, que leva autores e professores às comunidades caiçaras, uma ação importante para a qual estamos buscando apoio financeiro. Paraty é muito extensa, com comunidades de difícil acesso, onde só se chega de barco ou após longas caminhadas. O Educativo se dedica, há anos, a levar atividades e informações sobre a Flip a esses lugares, além de viabilizar a vinda dos seus moradores até a cidade.

O que destaca, neste sentido, na edição de 2025?
Belita Cermelli - Este ano, firmamos uma parceria com a Secretaria de Educação de Paraty para disponibilizar ônibus escolares, mesmo durante as férias, com o objetivo de trazer gratuitamente famílias dessas comunidades até o centro urbano. Também cuidamos da distribuição da cota socioeducativa de ingressos, para a qual fizemos um chamamento público dirigido a instituições sediadas não só em Paraty, mas também em Angra dos Reis, Cunha e Ubatuba.
Outra novidade é que a oferta de programação dedicada às crianças e jovens ou à literatura feita para esse público está se expandindo por Paraty através de casas parceiras dedicadas ao tema e da programação oferecida por editoras parceiras. Além da Casa CEMBRA, montada na biblioteca da maior escola estadual de Paraty, teremos, na Flip deste ano, mais duas casas parceiras: a Consórcio de Idéias e Projetos e a casa A Taba Literatura para Crianças e Jovens. As editoras oZé e a Companhia das Letrinhas oferecerem uma belíssima programação para crianças e jovens na Praça Aberta. Tudo isso, faz com que seja possível encontrar programação para pequenos leitores em vários locais de Paraty.

Atrair crianças e adolescentes para a leitura, aliás, tem sido um dos maiores desafios contemporâneos. O que um evento como a Flip pode fazer, e tem feito, para chamar a atenção desse público para os livros, para as histórias dos livros e quem as escreve?
Belita Cermelli - Já distribuímos cerca de 90 mil livros em Paraty. A cada ano, doamos algo entre dois e três mil livros de qualidade. Mas só acesso ao livro não basta. Para que a criança se aproxime da literatura, é essencial que haja mediadores de leitura — professores, familiares ou até outras crianças — que tornem essa experiência acolhedora. A leitura precisa vir acompanhada de afeto, conforto físico e emocional. Por isso, oferecemos formações em mediação de leitura há anos. Centenas de pessoas já passaram por essas formações, voltadas para professores, estudantes do curso normal (curso do ensino médio de formação de professores) e interessados em geral. Ano passado, tivemos mediadores de leitura atuando em quase todas as escolas de Paraty.

 

@gabrieltye
A escritora Kiusam Oliveira na Flip 2024 - @gabrieltye

 

E sobre a participação de crianças e adolescentes na Festa?
Belita Cermelli - Também estamos repensando os formatos dos eventos para torná-los cada vez mais atrativos para as crianças. Os encontros com autoras e autores convidados são dinâmicos e performáticos, com mediações mais propositivas. Outra estratégia importante são os manuais da Flipinha e da FlipZona para educadores. Eles aproximam as crianças e jovens da programação por meio de professores. O material, que está disponível para download no site da Flip, é gratuito, online e acessível a qualquer pessoa. Muitas vezes, o único contato da criança ou jovem com o livro acontece na escola e, por isso, é fundamental que os professores leiam, descubram novos livros e se entusiasmem.
Os manuais que publicamos apresentam os autores, suas obras e contêm sugestões de atividades, mas não como uma cartilha. A ideia é estimular professores a criar, experimentar, sentir prazer com os livros e transmitir isso para os estudantes.
Com os adolescentes, nossa aproximação acontece por outros canais. A FlipZona, que acontece desde 2009, foi criada para esse público, explorando redes sociais, audiovisual e produção cultural. Os jovens fazem cobertura jornalística do evento com seus próprios olhares — produzem textos, fotos, vídeos, até conteúdo para o TikTok. A alfabetização midiática também inclui discutir fake news, aprender a editar, gravar e produzir. E o mais importante: os jovens não apenas participam, mas ajudam a construir. Eles fazem a curadoria, escolhem autores, mediam as conversas e, este ano, estão também envolvidos na gestão do evento.

A interação de leitores e leitoras com quem escreve é um dos principais traços da Flip. A programação educativa também traduz essa preocupação? Como são escolhidos os convidados?
Belita Cermelli - A Flip nasceu exatamente dessa ideia de ser um encontro entre leitores e autores — mas também de leitor com leitor e de autor com autor. Esses contatos humanos são importantes, e buscamos promovê-los de várias formas, começando pela curadoria. O processo de escolha dos convidados é, em si, parte da estratégia para formar novos leitores. No Educativo Flip, atuamos em três frentes: Flipinha (para crianças), FlipZona (para jovens) e FlipEduca (voltada a adultos interessados no debate sobre educação e formação de leitores).
Na Flipinha, costumamos envolver educadores em processos participativos. Este ano, convidamos a colaborar com a curadoria autores que já estiveram em ações educativas em Paraty em anos anteriores — eles conhecem as escolas, as comunidades, e puderam sugerir nomes que tenham sinergia com o território e com o público local. Na FlipZona, os próprios jovens participaram da curadoria. Espalhamos cartazes com QR Codes nas escolas convidando-os a nos enviarem suas sugestões. Como temos contato com eles o ano todo, há um processo contínuo de escuta: que autores vocês querem? Que temas interessam? Isso não só nos ajuda a chegar a nomes de autores, mas também a entender os temas e livros que mais provocam e interessam esses jovens — e pensar a programação a partir disso. Então, há um processo de escuta permanente e importante.

A Flipinha desta edição vai trabalhar o tema Planeta Vivo. O que se busca a partir desse conceito?
Belita Cermelli - O tema foi pensado em conjunto com Mariana Benchimol, gestora executiva do Programa Educativo Flip, e com Luis Filipe Pôrto, gestor curatorial e de conteúdo do educativo. Nossa ideia foi buscar formas de inspirar as crianças a imaginar possíveis futuros para o planeta. Vivemos um tempo de transformações ambientais e sociais, e acreditamos que a literatura pode ser um espaço potente para refletir sobre as relações entre os seres humanos e a natureza, os impactos das mudanças climáticas, as formas de viver em comunidade — tudo isso está contido no tema Planeta Vivo.
Entendemos que, para o planeta ser vivo, é preciso respeitar a diversidade das formas de existir. Por isso, selecionamos livros que abordam não só questões ambientais e sociais, mas também temáticas antirracistas, feministas, entre outras pautas que reforçam a nossa brasilidade.

E como a literatura é apresentada?
Belita Cermelli - Apresentamos a literatura de formas variadas, com o intuito de que a criança se encante de alguma maneira — e permaneça. Que participe dos Pés de Livro, das oficinas, e que vivencie momentos mágicos na Central Flipinha em contato com os autores e com os artistas que se apresentam por lá. Tem apresentações artísticas, encontros com autoras e autores, mediações de leitura, contação de histórias e oficinas. Tudo isso acontece na Praça da Matriz, que durante a Flip se transforma na praça das crianças.

 

Sara De Santis
Paraty em festa na Flip 2024 - Sara De Santis

 

Na sua visão, Belita, o que é possível levar da experiência do educativo da Flip para o cotidiano escolar no Brasil?
Belita Cermelli - É possível levar muito do Educativo Flip para o cotidiano escolar no Brasil. Mas é importante lembrar que o Educativo não se resume aos cinco dias de Flip e o que pode ser levado para as escolas vai além da experiência vivida nesses poucos dias.
Ao longo desses 23 anos de Flip, o Educativo vem experimentando e criando metodologias de atuação que podem, sim, ser adaptadas a diferentes contextos culturais e educacionais no país. E o que mais aprendemos nesse tempo é que funciona — e faz muita diferença — aproximar as professoras e os professores da literatura. É fundamental ter livros de qualidade nas escolas, bibliotecas escolares bem estruturadas e abertas à comunidade escolar, e professores que conheçam esse acervo e se vejam como mediadores de leitura.

A presença de autores e autoras nas escolas poderia ser muito maior do que vemos atualmente?
Belita Cermelli - Levar autoras e autores até a escola é ótimo, claro. Mas isso tem muito mais impacto quando integrado a um trabalho prévio feito na escola. Quando os estudantes já leram o livro, os professores conhecem o autor ou a autora e já conversaram sobre isso com suas turmas, o encontro ganha outra dimensão. Investir no professor, na biblioteca escolar, na qualidade do acervo e no tempo destinado à leitura literária é essencial. Na educação infantil, a leitura literária ainda é valorizada como parte do aprendizado. Mas, quando a criança chega ao ensino fundamental, muitas vezes a leitura literária perde importância, porque o foco passa a ser o conteúdo. Só que a literatura abre janelas imensas. Ajuda a criança a conhecer melhor o mundo e a si mesma. Contribui até para o desempenho em outras disciplinas. Um exemplo claro é a matemática: muitos estudantes têm dificuldade não no cálculo, mas em entender o enunciado. Compreensão de texto vem da leitura literária.

Como estimular a literatura na educação?
Belita Cermelli - A leitura por prazer precisa ser uma constante na escola. Conversar sobre os textos, interpretá-los, aproveitar a experiência da leitura. Não só de forma instrumental. A literatura tem essa força: ela ultrapassa o ensino formal e acolhe identidades que muitas vezes os currículos tradicionais não contemplam. Isso gera pertencimento, reconhecimento. Muitas autoras e autores que escrevem para crianças e jovens são ou foram educadores e, sem dúvida, a relação que estabelecem com a escola é muito poderosa. As autoras e autores reconhecem o papel das professoras e professores e entendem a potência de suas obras dentro da escola. Existe um respeito mútuo muito forte. E, claro, o impacto desses encontros é enorme: estudantes, educadores e toda a comunidade escolar ficam profundamente tocados com a presença de autores nas escolas. O simples fato de o autor do livro estar ali, na frente delas, como uma pessoa real, é algo muito especial. As perguntas surgem de todos os lados. É uma experiência viva, rica, inesquecível. Autores e autoras nas escolas têm uma potência educativa, artística e de formação cidadã imensa. É muito, muito bonito de ver.

E o que falta para que essa potência educativa ganhe o país?
Belita Cermelli - Para que isso aconteça de forma contínua são necessárias políticas públicas. Não é um evento cultural ou um patrocínio pontual que vai resolver a falta de bibliotecas, de investimento nos professores e de financiamento de ações para além do currículo tradicional. As pesquisas mostram o quanto o contato com atividades artísticas e culturais na escola melhora o desempenho dos estudantes em todas as disciplinas. O resultado é visível. E é maravilhoso!

 

Divulgação
Ernani Ssó venceu na categoria infantil - Divulgação


Prêmio CEPE

A Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) anunciou os vencedores do 8º Prêmio Cepe Nacional de Literatura e do 5º Prêmio Cepe Nacional de Literatura Infantil e Infantojuvenil. O mineiro Roberto Marcos assina o melhor romance, “Os escritos de Blanca Mares”. Na categoria conto, quem levou foi o paulista Daniel Keichi, com “Atemoia”. Em poesia, o gaúcho Felipe Julius faturou o prêmio com “Cicatrizes na paisagem”. O melhor infantil ficou para “A morte e o estagiário da Morte”, do gaúcho Ernani Ssó, e o infantojuvenil, “A menina que não queria ver Deus”, da mineira Lisa Alves. Todos os livros serão publicados pela Cepe.

 

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António Jorge Gonçalves e Ondjaki lançam pela Pallas - Divulgação


O tempo do cão

Em ano de cinquentenário, a Pallas lança “O tempo do cão”, que retoma a parceria do escritor angolano Ondjaki com o ilustrador português António Jorge Gonçalves. A obra é inspirada em uma viagem de Che Guevara ao Congo, em 1965, e conta a história de um cão que sonha com um guerrilheiro. A noite de autógrafos será na terça, 29, a partir das 7 da noite, no Cinema José Wilker em parceria com a Casa 11, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro.


Guimarães Rosa na APL

Nesta terça, 29, a Academia Pernambucana de Letras (APL) recebe o projeto Lendo Guimarães Rosa. A obra a ser comentada e debatida será “Corpo de Baile”, com a recomendação de leitura de “Buriti”. O acadêmico Perón Rios faz palestra na ocasião sobre “Sensorialidade e mito em Buriti”. A partir das 3 da tarde, na sede da APL, no Recife, com entrada gratuita.


Bruna Vieira no Recife

A Livraria do Jardim recebe na capital pernambucana a escritora Bruna Vieira, para o lançamento do último volume da trilogia “Meu primeiro blog”, sob o título “De volta pra mim”, publicado pela Gutenberg. A livraria avisa que serão distribuídas apenas 200 pulseiras para acompanhar o evento. A distribuição será feita para quem apresentar o novo livro, a partir das 5 da tarde desta terça, 29. O encontro com a escritora está marcado para começar às 7 da noite.


Dilemas das escritas de si

Será na Casa Record na Flip, em Paraty, o lançamento de “Eu escreve: Dilemas das escritas de si”, organizado por Natalia Timerman e Gabriela Aguerre. O livro reúne 23 textos de autores e críticos contemporâneos a respeito das narrativas em primeira pessoa. Antes dos autógrafos, haverá debate com parte dos autores. Na quinta, 31, com início às 4 da tarde.


Biblioteca do Paraná na Flip

Pela primeira vez, a Biblioteca Pública do Paraná terá um estande na Praça Aberta de Paraty, durante a Flip, de quarta, 30 de julho, a domingo, 3 de agosto. Na programação do espaço, debates, lançamentos, distribuição gratuita de obras de autores paranaenses, do jornal Nicolau e da revista Joaquim. Entre os participantes, Luci Collin, Julia Raiz, Estrela Leminski e Ivan Justen Santana.


O valor do evento

Um evento literário como a Flip, em sua 23ª edição, integra a cultura brasileira, não apenas para o mercado editorial, mas também para a gestão pública. Na ótica de Luciana Casagrande Pereira, secretária da Cultura do Paraná, “é uma grande alegria ver a Biblioteca Pública do Paraná ocupando um espaço de protagonismo em um evento tão relevante para o país, justamente no ano em que celebramos Leminski, um dos maiores nomes da nossa literatura, e no centenário de Dalton Trevisan”. Para o diretor da Biblioteca, Luiz Felipe Leprevost, “a Flip é uma grande vitrine e essa presença reforça o papel da Biblioteca como agente ativo da política cultural do Estado”.

 

Livronews
Silvio Neves Baptista, da APL - Livronews


Dano e responsabilidade

Silvio Neves Baptista, da Academia Pernambucana de Letras (APL), lança “Dano e responsabilidade: O estado de necessidade no Direito Civil” na quinta, 14 de agosto, no Recife. O lançamento é promovido pela Escola Judicial de Pernambuco (ESMAPE) em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE). A sessão de autógrafos será na sede da ESMAPE, a partir das 5 e meia da tarde.


Congresso de literatura de cordel

Está aberto até 31 de agosto o prazo de inscrição de trabalhos acadêmicos para o I Congresso Internacional de Literatura de Cordel e o II Congresso Brasileiro de Literatura de Cordel, que acontecem nos dias 24 e 25 de novembro na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. O evento tem apoio da Embaixada da Espanha no Brasil e do Instituto Cervantes. Outras informações no Instagram @casaruibarbosa.

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