"Literatura é uma forma de pensar", diz curadora da Flip. Veja novidades do festival
Curadora da Festa Literária Internacional de Paraty, Ana Lima Cecílio diz que, como linguagem e invenção, a literatura reflete e organiza o mundo

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O mundo todo está vindo pra Flip, diz a curadora do evento, Ana Lima Cecílio. De 30 de julho a 3 de agosto na cidade histórica no Rio de Janeiro, a Festa Literária Internacional de Paraty chega à 23ª edição reunindo quem publica, quem escreve e quem lê, no mais badalado encontro editorial do país. O homenageado desta vez é o poeta Paulo Leminski, falecido em 1989.
Formada em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), tendo sido editora na Carambaia e do selo Biblioteca Azul, da Globo Livros, Ana Lima Cecílio celebra a diversidade presente no programa oficial, bem como a “expansão do ecossistema que parte do programa principal” da festa em Paraty, que serve há mais de duas décadas como modelo de evento literário para iniciativas em todo o Brasil.
A programação da Flip deste ano concilia mais uma vez duas visões convergentes: o que se pode ler na literatura contemporânea e o que se deve debater na atualidade. Dois horizontes bem amplos.
Ana Lima Cecílio - Talvez seja de fato um horizonte amplo, mas acho que traduz uma visão de literatura em que eu acredito muito. Se a literatura é linguagem e invenção, e isso fica muito óbvio quando a gente escolhe homenagear um poeta, ela também deve estar muito conectada com o mundo. E, mais do que isso, ela reflete o mundo e serve para organizar as coisas, ainda que seja reconhecendo sua imensa confusão. A literatura é uma forma de pensar, e nada para mim parece mais interessante do que usar esse instrumento tão rico, que é a criação literária, para oferecer ao leitor novas visões do modo como a gente organiza nossa vida, nossas relações, o planeta, a política.
O que destaca na edição deste ano? Como é a escolha de nomes e temas que traduzam essa convergência?
Ana Lima Cecílio - No programa deste ano, temos pelo menos três mesas notadamente políticas, baseadas em livros de não ficção: o Ilan Pappe sobre o conflito Israel-Palestina, a Marina Silva falando sobre sua trajetória que culmina na COP 30, que acontecerá no Brasil, e uma mesa com dois pensadores essenciais sobre o racismo, a Ynaê Lopes Santos e o Thiago Rogero. Mas a política está em mesas muito literárias como a das duas autoras que, a partir de suas ficções, falam sobre o direito ao aborto e o feminicídio na América Latina, ou das autoras amazônicas que trazem a relação das pessoas com a floresta. Literatura é sempre sobre o mundo, aí fica fácil escolher esses nomes.
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A diversidade é esperada como critério e vitrine, num evento com a tradição da Flip. A representatividade das variadas faces da produção literária, no Brasil e no mundo, hoje, no entanto, seria uma enorme tarefa para os poucos e concorridos dias da festa literária em Paraty. Como a curadoria faz a Flip refletir essas diversidades?
Ana Lima Cecílio - Eu imagino que já tenha sido mais difícil. Digo isso porque a vontade de diversidade é algo que, se parte um pouco da postura dos editores, também vem muito ao encontro do desejo dos leitores de se sentirem representados e de lerem outras representações do mundo, não necessariamente dos mesmos lugares que o seu. Isso pode ser visto na explosão de livros escritos por mulheres, sobre temas ditos “femininos” (o que talvez seja uma bobagem, porque se são femininos são humanos também), sobre a questão de gênero, ou de autores que estejam foram do escopo anglófono, que pautaram durante décadas o mercado editorial. Essa necessária e bem-vinda expansão de interesses (dos leitores e dos editores) se reflete nas vitrines das livrarias e em manifestações culturais como a Flip. Eu acho bonito demais ter no programa uma autora do Suriname, outra da Suécia, do México, da Argentina, da Costa do Marfim, de Ruanda. É o mundo todo vindo pra Flip.
A programação oficial se transformou no momento nobre de um evento que também se desdobra no lado de fora, antes e depois dos debates no palco principal. E na programação paralela nas casas ocupadas por editoras, ou mesmo nos encontros propiciados nas ruas da cidade.
Ana Lima Cecílio - Sim, hoje o que se vê acontecer na Flip é uma expansão do ecossistema que parte ali do programa principal. Nas programações da Flip, nas casas parceiras, em tudo que é pensado e construído em Paraty durante o ano todo a gente consegue enxergar um pouco esse DNA da Flip, e é muito bonito ver isso acontecer. A Flip chega agora à sua 23a edição, bastante transformada, ou expandida, mas com o mesmo cerne, que é o de promover encontros e conversas, além do incentivo à leitura e fortalecimento do mercado editorial.
Qual a sua percepção sobre o papel da Flip para a cultura do livro e o mercado editorial no Brasil, Ana?
Ana Lima Cecílio - Eu, que acompanho a festa desde o comecinho, como público e como trabalhadora do mercado editorial, consigo ver com muita clareza como ela é fundamental para pautar diversos outros eventos no Brasil inteiro, como se o modelo da Flip se espalhasse por aí. Para o mercado editorial, acho que a Flip é o espaço que consagra os autores veteranos e revela jovens, nessa mistura maravilhosa “entre o óbvio e o nunca visto”, como diz o Leminski, homenageado deste ano. Além do fato de que o mercado editorial é muito carente de festas e encontros, e na Flip as pessoas do livro podem ir à forra.
Uma negra na ABL
Enfim a eleição que tantos esperavam: a escritora Ana Maria Gonçalves, autora de “Um defeito de cor”, publicado pela Record, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 128 anos da instituição, será a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na elite da literatura nacional. Sua obra de maior referência ganhou ainda mais popularidade em 2024, quando serviu de inspiração para o desfile da Portela, no Carnaval do Rio de Janeiro.
Nada existe
Para resgatar o Recife de sua infância e juventude, o multiartista Toinho Castro escreveu em prosa poética o livro “Nada existe”, publicação da Mamakoosa. “Morar longe da cidade onde cresci me mergulhou em uma nostalgia que se transformou em escrita”, conta o autor, que nasceu em Natal e vive no Rio de Janeiro. A sessão de autógrafos está marcada para o dia 1 de agosto, às 13h, na Casa Escreva, Garota, na Flip, em Paraty.
Perdida pela cidade
A Ria Livraria recebe o lançamento da escritora e artista visual Carolina Almeida Suñer nesta terça, 15, em São Paulo. “Perdida pela cidade” junta poemas e pensamentos avulsos sobre a vida cosmopolita, e se propõe a mergulhar no imaginário do livro. A sessão de autógrafos começa às 18h.
Arena da palavra
Marçal Aquino e Cristhiano Aguiar participam da programação da editora Tabla no Festival Arena da Palavra, em São Paulo. Na quinta, 17, os escritores conversam sobre “Diálogos entre as literaturas argelina e brasileira: a miséria humana”, com mediação de Paula Carvalho. Na Livraria Megafauna do Copan, a partir das 7 da noite. Saiba mais sobre o evento no site www.arenadapalavra.com.br.
Encontro feminista
Será no Espaço Terra Mater, no bairro da Glória, o Encontro Feminista Vulva Negra, na sexta, 18, no Rio de Janeiro, às 7 da noite. Na ocasião, haverá palestra da escritora Yasmin Morais, idealizadora do evento, focado no ativismo feminista a partir da vivência das mulheres negras. A escritora, que também é atriz e comunicóloga, já confirmou presença na Flip, nas casas Poéticas Negras e Urutau.
Louvores
Cynthia Becker lança o primeiro livro de poemas pela Patuá na sexta, 18, em São Paulo. Segundo a autora, “Louvores” oferece “textos que foram pensados em sua oralidade, mas explorando a alteridade, o fragmento, a experiência simbólica”. Na Livraria Patuscada, a partir das 7 da noite. A poeta também está confirmada para autografar o livro na Casa Gueto, na Flip, em Paraty.
Voz e fogo
Recital para a poesia de Ferreira Gullar, “Voz e fogo em nossa voz” será apresentado no domingo, 20, pela Cia. Subversiva de Dizedores de Versos. Antes do recital, está programada uma instalação cênica. No Museu de Arte da Bahia (MAB) em Salvador, a partir das 15h, com entrada gratuita.
Entre as letras e os sonhos
A Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, inaugurou na quinta, 10, exposição que retrata a trajetória do escritor, dramaturgo, poeta e ensaísta Cláudio Aguiar, membro da Academia Pernambucana de Letras (APL). “Entre Letras e Sonhos: 80 Anos de Cláudio” está na Galeria Waldemar Valente do Museu do Homem do Nordeste. A curadoria é de Bruna Pedrosa. Na ocasião, foi lançado o livro “Cláudio Aguiar – Vida e Obra Literária”, organizado por Rosemberg Cariry.
Nó da madeira
Luciana Lubiana publicou pela Patuá o livro de crônicas “Nó da madeira”. De acordo com a autora, que também é psicóloga, a obra junta “vínculos, memória e escuta de si, acompanhando a trajetória de uma filha em direção à reconexão com seu próprio percurso”. Na foto, a escritora no evento de lançamento, ao lado do editor Eduardo Lacerda. Saiba mais no Instagram @lulubiana.
Carne crua
A psicanalista Marta Andrade lançou o seu romance de estreia no sábado, 12, durante o Encontro dos Povos, no encerramento da Travessia sócio-eco-literária “O Caminho do Sertão - de Sagarana ao Grande Sertão: Veredas”, na Chapada Gaúcha, em Minas Gerais. “Carne crua” surgiu no mesmo contexto de escuta de Guimarães Rosa, de acordo com a autora.