Custos da transição energética justa obrigam produtores de energias renováveis a reconhecer importância do setor de petróleo e gás rumo a uma economia eletrificada
Realidade se impõe e sonho de um novo mundo movido a energia gerada apenas por fontes alternativas está mais distante e que vai custar muito caro
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LISBOA - Conversa organizada pelo EX-secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Reive Barros, a Conferência Ibero Brasileira de Energia que ele leva a Lisboa reunindo dirigentes do setor, empresários e autoridades governamentais do Brasil, Portugal e Espanha revelou que o discurso ambientalmente correto de transição energética justa, defendido pelos governos terá que se adequar à dura realidade dos custos dessa mudança rumo ao que muitos sonham como uma economia global totalmente eletrificada ancorada na produção de energia renovável.
Não vai dar. O que ficou claro depois de dois dias de conversa de mais de 40 debatedores dos três países é que o mundo ainda vai rodar por muito tempo ancorado na produção de energia de combustíveis fósseis. E que os projetos de novos combustíveis ancorados no desenvolvimento de novas tecnologias como o hidrogênio verde simplesmente não darão conta dos custos iniciais de sua produção.
Hidrogênio verde
O caso do hidrogênio verde é o mais emblemático, embora não o único. Apresentado ao mundo como substituto dos combustíveis de petróleo, vetor de uma legislação global especialmente na Europa e nos Estados Unidos (antes da Era Trump), o H2V simplesmente não tem preço competitivo como os similares à base de gás natural e de produtos do caminho da rota entre os combustíveis de origem derivados de petróleo e gás.
Para completar, o otimismo da União Europeia (antes da Guerra da Rússia contra Ucrânia) levou a construção de uma legislação tão exigente para a produção de novos combustíveis verdes que a realidade financeira revelou que precisará ser revista se, de fato, o mundo quiser produzir combustíveis sustentáveis.
Etanol impedido
Existem pontos curiosos. O etanol que o Brasil é um player global simplesmente não poder ser admitido na EU se ele não tiver certificação de Combustível Renovável de Origem não Biológica (RFNBO) e da RED III, uma diretiva da EU que define a metodologia de cálculo das emissões de carbono no processo de produção.
A exigência embute o conceito de que a transição energética justa não poderá aceitar um combustível verde - como o etanol - se ele vier de áreas desmatadas e que poderiam ser usadas na produção de alimentos.
Cana-de-açúcar
Na prática isso quer dizer que o mercado de etanol de cana-de-açúcar brasileiros não se encaixa nas exigências de produção de combustíveis verdes na UE.
O uso do etanol brasileiro de cana de açúcar é visto como uma das rotas de produção de novos combustíveis como o e-metanol e o SAF, o Combustível de Aviação Sustentável, destinado a substituir o querosene de petróleo e, até mesmo, como substituto na geração de energia elétrica a base de óleo combustível.
Visão da UE
Mas pelas regras atuais da EU, ele não poderia ser considerado porque vem de ares que algum dia forma florestas e que deveriam servir para produzir apenas alimentos. Mesmo o Brasil sendo o maior exportador global de seis das 10 maiores commodities agrícolas do mundo.
O que os ambientalistas parecem constatar é que não tem como desenvolver e produzir combustível sustentável a baixo custo.
Primeiro pela curva de aprendizado na tecnologia; segundo que não vai dar para cumprir prazos já fixados antes do evento Guerra da Ucrânia que obrigou a própria UE a voltar a adotar a produção e energia de fontes que havia cortado. E porque a legislação que visa substituir os combustíveis fósseis é exigente demais para a nova realidade global.
Energia verde
O problema é que o mundo economico entendeu de gerar energia verde à base de plantas eólicas (há 20 anos) e solar (há 10 anos) numa evolução tão drástica que fez a China construir uma capacidade de produção que não cabe no mundo.
Também entendeu de produzir componentes cada vez maiores para as usinas eólicas que, assim como os solares, não geram energia firme dependendo do vento e da luz solar.
Onde estamos?
E como isso chega no Brasil rico em jazidas de vento, luz solar, cana de açúcar e petróleo e gás já sendo um dos grandes exportadores de óleo para o mundo?
Pelo que se ouviu na quarta edição do Coniben, com grandes desafios. O primeiro é o de passar a usar de fato o seu potencial de geração de energia a gás natural reduzindo os custos que o tornam proibitivo para atualizar a indústria.
Superprodução
Depois, encontrar forma de resolver a questão da superprodução de energia (a maior parte solar e eólica) que faz o país ter um capacidade de geração de 220 GW para um consumo de 90 GW que no momento faz o país deixar de usar esse potencial pelo excesso de oferta.
E resolver a questão do pacote de subsídios que deu para estimular exatamente essa produção através de uma legislação consolidada.
Subsídio demais
Foi ele quem nos levou ao paradoxo de dar subsídio a quem produz e a quem produz na chamada geração distribuída que já instalou 48 GW que são despachados antes mesmo da energia solar e eólica produzida pelos parques gerando o fenômeno do curtmaint.
O curtailment com se viu no Coniben virou o problema de vários países sendo observado em alguns países da EU, na Coreia do Sul e na China onde a questão é quem paga para quem não produz depois dos altos investimentos?
Congresso
No Brasil, o Congresso tentou resolver espetando a conta no consumidor o que fez o presidente Lula da Silva vetar a despesa estimada em R$7 bilhões a mais sobre o que já se paga de encargos setoriais (R$50 bilhões) uma despesa cujo nome virou uma piada pronta por se chamar Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Entretanto, o desafio de um país como o Brasil rumo a uma economia eletrificada é que temos gás demais, petróleo demais, energia verde demais e agora atores demais num negócio que no passado as decisões eram tomadas numa sala no Ministério das Minas e Energia.
Novos atores
E a presença de novos atores com empresas privadas, literalmente, caçando executivos com experiência em cargos do setor, acabou empurrando para o Congresso Nacional as decisões finais para o setor que antes eram tomadas numa sala em três ou quatro reuniões.
Essa nova realidade impõe vigilância da sociedade, às vezes surpreendida com legislações que aumentam sua conta mensal objeto de pressão sobre os deputados e senadores de setores para manter privilégios (subsídios).
Mundo Real
O que fatalmente nos obrigará a conviver com uma realidade em relação ao discurso verde de uma transição energética justa que para fazer justiça ao nome terá que reconhecer que para a economia brasileira ser eletrificado o petróleo e gás terá que estar presente por muito tempo.