Para dirigentes do setor elétrico, o modelo de cobrança de energia no Brasil precisa ser revisto levando em conta o horário do consumo.
Questão do registro de preços dominou debate do Conibem como solução para equilíbrio das contas do setor elétrico para consumidores
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LISBOA – Por ocasião da abertura da Conferência Ibero-Brasileira CONIBEN, o ex-ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque afirmou que o Brasil precisa mudar da transição energética para uma economia elétrica que deve passar a ser o principal vetor para seu crescimento econômico.
Albuquerque, que durante quatro anos esteve à frente da pasta do MME, no governo Bolsonaro participou da abertura da Conferência Ibero-Brasileira de Energia onde falou ao lado de várias autoridades brasileiras e do também ex-ministro de energia da Espanha, João Galamba e de outras autoridades brasileiras entre eles os senadores Fernando Dueire(MDB-PE e Laércio de Oliveira (PP-SE).
O encontro foi aberto pelo professor Reive Barros, coordenador do evento, que destacou o caráter de evento de antecipar os movimentos no setor elétrico desde sua primeira edição de 2019. O secretário de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcanti, representou a Governadora Raquel Lyra e apresentou os projetos de infraestrutura de Pernambuco, especialmente no que diz respeito ao suporte de serviços de energia.
A CONIBEN acontece nestas quinta (28) e sexta (29) nesta cidade reunindo aproximadamente 140 dirigentes do setor elétrico e empresários fornecedores de serviços e equipamentos para debater questões do segmento relacionadas a planejamento, construção, geração, distribuição e comercialização de energia no Brasil, Portugal e Espanha além de autoridades de agências e governos dos três países.
Este ano, a conferência elegeu como enfoque especial em soluções limpas e renováveis, mas um tema dominou os debates relacionado ao que os técnicos e gestores públicos chamam de “sinal de preços” de modo a introduzir na equação da conta de energia, fatores que atentem para o custo da energia mais barata nos horários (onde ela está super ofertada por fontes alternativas) e o custo mais caro cobrado nos horários de pico quando as distribuidoras precisam - entre outras coisas - comprar mais energia normalmente gerada por usinas térmicas que custam muito mais caro.
O conceito de registro de preços vem sendo defendido por executivos e empresários do setor elétrico no Brasil à luz da experiência de países como Portugal e Espanha como forma de encaminhar um melhor entendimento do custo final da energia elétrica no Brasil entregue na ponta, cujo preço é igual durante todo o dia.
Isso terá implicações no comportamento dos consumidores industriais, comerciais e residenciais que hoje não são estimulados pelo uso de energia mais barata ao longo do dia, quando as usinas eólicas e solar estão entregando energia capaz de praticamente atender o mercado, mas deixam para usá-la à noite.
Essa forma de usar a energia elétrica - como se o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não precisasse comprar energia mais cara - está tão disseminada que até mesmo novos usos com o crescimento do mercado de carro elétrico se observa que os brasileiros vêm colocando os seus veículos híbridos para recarregar as baterias entre 18 e 22 horas cuja energia é a mais cara.
O mesmo acontece com os consumidores de Geração de Distribuídas, a chamada GD que hoje entregam 48 gigawatts graças a pacote de subsídios criados em 2012 pelo Governo e que pagam apenas o custo da transmissão da energia gerada. Ainda que usem fortemente a energia gerada à noite quando suas placas solares não estão gerando. Graças aos subsídios eles pagam os mesmos preços da energia gerada durante todo o período de Sol, ainda que ela venha de térmicas.
A questão do sinal do preço, porém, não é uma solução simples nem defendida por todos os atores do setor elétrico porque, na verdade, ela esconde um quadro geral de subsídios dados à geração de fontes renováveis.
E essa questão enfrentou resistência no Congresso Nacional quando da aprovação da nova legislação (Lei n° 15.269/2025) sobre energia elétrica, quando antes de chegar ao plenário foram eliminadas as propostas de restrição aos subsídios concedidos para a GD.
O problema é que esses consumidores também geradores foram responsáveis pela implantação de 47 GW de milhões de sistemas de geração distribuída com placas fotovoltaicas espalhados pelo país ficaram protegidos quando o presidente Lula vetou o pagamento de indenizações às empresas donas de parques eólicos que não tiveram autorização para entregar sua energia ao ONS devido a super oferta de GD.
Na verdade, o Brasil hoje convive com uma situação paradoxal onde sua capacidade de geração passou dos 220 megawatts de potência e o seu consumo não chega a 90 megawatts.
Mas como adverte o professor, Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, isso não quer dizer que esses mais de 220 GW estejam disponíveis e prontos para serem despachados quando forem necessários.
Santana avalia que o Brasil e a sociedade brasileira em algum momento terão que rever os custos da energia que o consumidor paga na ponta, porque ela continua a subir mesmo com adição diária de maior capacidade de geração. Entretanto, Santana advertiu que não será apenas criando restrições para o uso de Geração Distribuída que se vai resolver o problema.
Segundo ele a GD é um fato irreversível e global que o Brasil precisará aprender a conviver. O ex-ministro Bento Albuquerque é mais otimista. Ele avalia que o caminho será encontrar formas de aumentar o consumo como fórmula de absorver essa energia disponível. Mas esse consumo deve ser estimulado próximo da geração.
Ela falou do potencial de mercado que o Brasil debate para a implantação de Datacenters afirmando que eles devem ser estimulados a serem abrigados onde existe energia gerada e não em cidades e capitais. Até porque o uso dos dados ali processado não será na cidade onde existe o datacenter.
A questão da superoferta de energia e as consequências de sua entrada no sistema elétrico foram os temas abordados pelo diretor-executivo do ONS, Chistiano Vieira, que falou no painel sobre distribuição ao lado do diretor da REN de Portugal João Conceição.
Ele disse que o ONS está desenvolvendo tecnologias para dar segurança a entrada de energia de tanto atores no sistema elétrico nacional e que está discutindo aperfeiçoamento de mecanismo de modo a assegurar a confiabilidade do sistema e evitar eventos como o apagão de 23 de agosto de 2023 quando uma sobrecarga no sistema derrubou praticamente todo o fornecimento.
Chistiano Vieira disse que o evento serviu para que os atores do setor elétrico pudessem perceber que seriam necessários a adoção de novos procedimentos de segurança que, dois anos depois, reduziram a possibilidade de eventos semelhantes.
Mas ele insistiu que o ONS - junto aos demais órgãos do setor elétrico - precisam de mais garantias nessa operação e maiores controles de processo junto aos operadores.
O ONS é o centro de um outro debate relacionado ao fornecimento de energia relacionado à energia que não está sendo entregue, chamado de curtailment que é quando um fornecedor de energia deixa de entregar sua produção ao operador do sistema.
Os custos do curtailment estão no centro de um enorme debate no setor elétrico no Brasil onde os atores do sistema buscam formas de reduzir os prejuízos decorrentes da não entrega dessa energia em excesso durante o dia pelos parques eólicos e solares instalados especialmente no Nordeste.
Pelo que se revelaram vários painelistas esse é um tema relativamente novo no store elétrico no mundo e que se tornou necessário depois de apagões no Brasil, em Portugal e na Espanha curiosamente tendo como origem as mesmas causas de super ofertas nos sistema por usinas renováveis.
Entretanto, no caso do Brasil adquiriu contornos mais graves, seja pelo tamanho dos prejuízos seja pela forma de contornar os prejuízos.
O veto do presidente Lula à colocação dessa despesa nas contas de energia recoloca a questão do curtimento no centro dos debates no setor elétrico, especialmente porque em alguns casos o não despacho pode inviabilizar o empreendimento devido a nova geração de receita para cobrir o investimento e o financiamento.
No Nordeste apenas o Banco do Nordeste financiou R$40 bilhões para construção de parques eólicos e solares. Entretanto, a questão do sinal de preços parece ser um tema que o setor elétrico não terá como fugir nos próximos anos.