Crédito do Trabalhador: consignado barato 'para sair do endividamento' tem juros 35,73% maiores que antes de vinculá-lo ao FGTS
Fundo virou guarda-chuva de crédito de setores sem ligação com o objetivo de ferramenta de construção e financiamento da casa própria do trabalhador.

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Lançado em março último como um “modelo de empréstimo para mudar substancialmente a relação das pessoas com o sistema financeiro”, porque os clientes poderiam “trocar suas dívidas por créditos com juros mais baixos”, o empréstimo consignado Crédito do Trabalhador aumentou as taxas cobradas pelos bancos que cresceram 35,73%. Mesmo o empregado de empresas privadas dando parte do seu FGTS como garantia em caso de demissão.
De fato, o empregado do setor privado até aderiu ao programa que aumentou por três rm relação ao volume médio tomado no último quadrimestre antes do programa. Segundo as estatísticas de crédito do Banco Central encerradas em julho, o programa emprestou, na média, de R$4,09 bilhões, se comparado ao quadrimestre anterior encerrado em março (R$1,69 bilhão) quando o antigo consignado exigia acordo dos bancos com as empresas.
Juros altos
Mas as taxas cobradas pelos bancos cresceram e chegaram a 55% ao ano - segundo a média apurada pelo BC. Anteriormente, no máximo, elas atingiram 40,9% ao ano. Mesmo o empregado de empresas privadas dando parte do seu FGTS como garantia em caso de demissão.
Nesta quarta-feira (10), um estudo da SalaryFits, uma empresa da Serasa Experian, revelou o impacto da inclusão financeira promovida pelo novo modelo de consignado privado, o Crédito do Trabalhador. Com base em mais de 6 mil contratos feitos em diferentes segmentos de empresas por todo o Brasil, o estudo revelou que 67% dos empréstimos foram feitos com instituições financeiras que não mantêm qualquer interlocução com os RHs das empresas.
Fora das empresas
O estudo também mostrou que o percentual médio de contratos assinados atingiu patamares maiores de taxa de juros, chegando, em agosto deste ano, a 6,6% ao mês, dependendo do perfil demandante. Ainda segundo as estatísticas do BC, no mês de março - quando os grandes bancos ainda não haviam entrado no mercado - a média chegou a 7,5%.
É uma situação bem diferente da promessa do presidente Lula por ocasião do lançamento do programa, afirmando que "as pessoas agora podem ter crédito barato para sair do endividamento. Sair da mão do agiota, do banco que cobra até 10%, 12%, para procurar o crédito mais barato que elas puderem encontrar”. O crédito, definitivamente, não ficou mais barato.
Desinformação
De qualquer forma, o estudo da SalaryFits mostra que para 34% dos profissionais, o crédito consignado é uma boa opção para emergências financeiras e apenas 31% se queixam dos juros altos. Entretanto, há indícios de desinformação: 16% dizem não saber onde contratar esse tipo de crédito e o mesmo percentual afirma não conhecer como ele funciona.
Apropriação indébita
O caso do consignado Crédito do Trabalhador é mais um exemplo de como o velho e bom Fundo de Garantia do Tempo de Serviço vem sendo usado por todos os governos (Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro) como um instrumento de política social como se fosse um patrimônio da União.
É uma apropriação indébita, pois o FGTS se trata de um fundo privado bancado integralmente pelo setor privado a partir das contribuições mensais que as empresas recolhem todos os meses, calculadas em 8% do salário pago aos seus empregados.
O FGTS foi criado há 53 anos para assegurar ao trabalhador privado uma indenização quando sua demissão for sem justa causa e financiar a construção de habitação para o trabalhador e obras de infraestrutura. Esse fundo se constitui com o depósito de 8% pagos pela empresa sobre o salário do empregado corrigido com taxas de 3% ao ano.
Saldo gigante
Em 2024 ele acumulava um saldo de R$770 bilhões, pagou R$67,38 bilhões aos empregados desligados das empresas e financiou 605 mil residências em vários programas, inclusive a produção.
Mas também destinou recursos que passam longe do objetivo inicial e acabou sendo usado para financiar simplesmente o aumento de consumo sem ao menos ajudar na compra de materiais de construção para melhoria das habitações dos empregados. No ano passado, o fundo liberou R$3,7 bilhões para os prejuízos das inundações do Rio Grande do Sul.
Pago pela empresa
Para as empresas, o FGTS acrescenta aos custos do emprego 8,87% (ele também incide sobre o 13º salário) além da multa de 50% sobre o saldo dos depósitos mensais na hora da rescisão que assegura 40% ao empregado e 10% para o fundo. O uso da multa de 40% do FGTS como garantia do consignado Crédito do Trabalhador é a mais recente mudança no uso do fundo, o que, como se viu, não garantiu uma taxa de juros menor aos empregados de empresas privadas.
Mas o saldo FGTS é visto pelo governo federal como uma espécie de pote de ouro no final do arco-íris protegida por um duende (leprechaun), segundo a lenda irlandesa. E ele vem sistematicamente atacando o saldo para os mais diversos usos. O que não significa dizer que ajudou mais em áreas estratégicas.
Infraestrutura urbana
Em 2024, o FGTS financiou apenas R$4,1 bilhões em obras de infraestrutura urbana e saneamento. Foi importante, mas também liberou R$47,4 bilhões para o Saque-Aniversário que não financiou uma só casa e se transformou num recebível pelos bancos que adiantam o saldo de até 10 anos de saques para o trabalhador.
É uma operação cara para o tomador. No mínimo 1,29% ao mês, podendo chegar a R$2,05%. A própria Caixa Econômica Federal trabalha com taxas entre 1,55% e 1,79% ao mês. O trabalhador faz o empréstimo, recebe a antecipação trazida a valor presente menos os juros. Troca a remuneração de 3% ao ano por essa dívida descontada do seu próprio dinheiro.
Financiou mais
O FGTS iniciou 2024 com patrimônio líquido de R$118,7 bilhões, valor teoricamente seria o que poderia emprestar, mas executou um total de R$131,2 bilhões devido à maior disponibilidade de caixa.
Entretanto, todo o setor da construção civil reclama que não fosse o Saque Aniversário lançado, em 2020, no Governo Bolsonaro, através da Medida Provisória nº 946, que autorizou o saque de R$1.045,00, em função da pandemia do novo coronavírus, o volume financiado para habitação poderia ter sido muito maior.
Saque ruim
Para se ter uma ideia do estrago do Saque Aniversário (29,05%) no uso do FGTS como não agente de desenvolvimento social, basta dizer que ele só é menor que o saque por rescisão do Contrato de Trabalho (R$ 67.387,66) que corresponde a 41,26%. Tanto que o financiamento de 1.762.401 moradias no exercício exigiu R$25,2 bilhões correspondentes a 15,44% das aplicações totais.
A criação do Saque Aniversário provocou a maior distorção no uso dos recursos do fundo porque o governo Bolsonaro não criou limitações e o governo Lula não teve força política para travar a modalidade. O objetivo do então ministro da Economia, Paulo Guedes era aumenar o consumo na pandemia.
Evolução gigante
Em 2020, as 2.347.834 operações sacaram do fundo R$6,11 bilhões. Ano passado, as 632.427.329 sacaram R$65,48 bilhões do caixa do fundo. O problema é que a antecipação do saque permitida pelo governo transformou o Saque Aniversário num recebível.
Em 2020, o fundo teve comprometidos R$ 9,83 bilhões com antecipações. No ano passado, esse número subiu para R$47,44 bilhões. No total, entre 2020 e 2024, os bancos asseguraram o mando de R$141,87 bilhões em antecipações. Isso depois que R$193,26 bilhões foram sacados do patrimônio do fundo. B
Até o fim de 2024, cerca de R$ 76 bilhões já haviam sido transferidos para as instituições financeiras, e aproximadamente R$ 117 bilhões já estavam reservados nas contas do FGTS dos trabalhadores
para serem transferidos nos próximos anos. É um volume maior que os R$126,54 bilhões liberados para a construção de novas habitações.
Saldo positivo
De qualquer forma, a arrecadação líquida do FGTS em 2024 foi positiva, no valor de R$ 28,7 bilhões, indicando que o fundo ainda é robusto. Mas o ataque é permanente. Uma das condicionantes para quem faz o Saque Aniversário é não poder sacar o saldo da conta se fizer o saque por dois anos. Mas o Congresso Nacional quer mudar a lei e liberar o uso do FGTS de quem foi demitido e não conseguiu acessar o dinheiro na rescisão por ter usado o saque-aniversário.
Ao menos uma dezena de projetos nas duas casas legislativas propõem que o FGTS seja depositado diretamente na conta do trabalhador de modo que ele possa aplicá-lo como achar melhor. O problema é que isso impediria que os recursos para pagar os saques por rescisão do Contrato de Trabalho não estivessem mais disponíveis.
Quem é o dono
Talvez porque haja uma certa confusão sobre a quem pertence o FGTS. O trabalhador acha que é dele. O governo que é seu porque é quem gerencia o fundo. Estados e municípios que avaliam que o fundo existe para financiar infraestrutura e saneamento nos habitacionais do Minha Casa Minha Vida e as construtoras que veem o fundo como veículo de financiamento do setor habitacional. O único setor que não reclama é o privado, que é quem faz os depósitos mensais.
No ano passado ele conseguiu atender 605.569 famílias, sendo 586.825 da área de Habitação Popular, que adquiriram ou construíram a casa própria com recursos do Fundo. Desse número 331.713 famílias compraram sua habitação com a Carta de Crédito Individual (CCI).
Saques inadequado
Talvez a ação mais importante do FGTS, depois dos saques inadequados, seja o programa Apoio à Produção de Habitações. O FGTS, além de financiar a aquisição de unidades habitacionais para pessoas físicas (PF), também financia a produção de empreendimentos por pessoas jurídicas (PJ) do ramo da construção civil. Em 2024, dos R$70 bilhões executados no programa, 61% foram contratados por pessoas físicas e 39% por empresas construtoras.
O problema é que todos os presidentes, ao verem o saldo do FGTS, o enxergam como uma ferramenta de benefícios sociais de sua administração. No governo Bolsonaro, todos os recursos da União para habitações populares (Faixa 1) foram retirados. O FGTS passou a bancar todos os subsídios também no financiamento.
Transporte urbano
Ano passado, o governo Lula começou a trabalhar numa outra linha de uso do dinheiro do FGTS para mobilidade com o discurso de que, como entrega de residências, isso exige transporte urbano.
Com dinheiro do FGTS, o governo quer financiar a aquisição de ônibus ao Setor Privado, transporte coletivo urbano de passageiros sobre trilhos, retomar e concluir empreendimentos paralisados; a renovação da frota inclui a aquisição de veículos mais sustentáveis em municípios. Já foram contratados 27 empreendimentos no valor de empréstimo de R$509 milhões.
Sustentabilidade
Ano passado, o governo Lula pegou R$15,99 bilhões do FGTS para financiar Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário, Drenagem Urbana e Resíduos Sólidos Urbanos e incluiu no Novo PAC – Desenvolvimento e Sustentabilidade. Ou seja, pegou o dinheiro do FGTS para dizer que é um programa seu.
Ao menos no governo Lula, os créditos para habitação popular voltaram ainda que em menor volume. Mas o FGTS hoje é quem banca todos os benefícios do Minha Casa Minha Vida. Tecnicamente, o FGTS financia o Apoio à Produção, a Carta de Crédito Individual (CCI) e a Carta de Crédito Associativo (CCA). Não é o ideal, mas o FGTS ao menos assegura a construção de moradia digna.