Pernambuco avança na alfabetização, mas não alcança meta de 2024; no Recife, só 54% das crianças do 2º ano sabem ler e escrever

Indicador do MEC usa avaliações feitas pelos próprios estados com alunos do 2º ano do Fundamental em escolas públicas para calcular os percentuais

Por Mirella Araújo Publicado em 21/07/2025 às 17:16 | Atualizado em 21/07/2025 às 18:18

Clique aqui e escute a matéria

Apesar dos avanços em Pernambuco, a capital do Estado apresentou uma queda na alfabetização em 2024. Apenas 54,36% das crianças do 2º ano do Ensino Fundamental em Recife foram consideradas alfabetizadas, segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) no dia 11 de julho.

O índice está abaixo da meta estabelecida para 2024, que era de 65,29%, e também representa uma queda em relação ao desempenho do ano anterior, quando o percentual foi de 62,4%.

A situação da capital reflete um desafio mais amplo enfrentado em todo o estado. Pernambuco, embora tenha superado a média nacional (59,2%), não atingiu o objetivo previsto no Indicador Criança Alfabetizada: alcançou 60,79%, diante da meta de 62,4%.

O levantamento se baseia em avaliações aplicadas pelos próprios estados com alunos do 2º ano do Ensino Fundamental das redes públicas.

As habilidades esperadas de uma criança alfabetizada nessa etapa incluem ler e compreender textos simples do cotidiano, escrever bilhetes, reconhecer sílabas e relacionar sons e letras da Língua Portuguesa — competências que ainda não estão plenamente consolidadas para uma parcela significativa dos estudantes.

No recorte por capitais, o Recife aparece na 12ª colocação, com 54,36% — abaixo da meta de 65,29% estabelecida para 2024. Fica atrás de João Pessoa (PB), com 55,9%, e Rio Branco (AC), com 55,6%. O ranking é liderado por Fortaleza (CE), com 74,8% das crianças alfabetizadas na idade certa, seguida por Vitória (ES), com 73,2%, e Goiânia (GO), com 69,5% das crianças do 2º ano alfabetizadas como o esperado.

Alfabetização exige escola estruturada e família presente

A alfabetização não é um processo simples, nem depende apenas da presença do professor e do material didático em sala de aula. Aprender a ler e escrever com qualidade exige uma série de elementos que contribuam para o desenvolvimento pleno da criança — entre eles, o envolvimento das famílias.

A professora da rede municipal do Recife, Monique Câmara, atualmente atuando na Educação Infantil, lecionou no 2º ano do Ensino Fundamental no ano passado.

Na turma em que trabalhou, apenas cinco dos 19 alunos sabiam ler e escrever com fluência. Em entrevista à coluna Enem e Educação, ela relatou que o desafio foi grande, já que, teoricamente, as crianças dessa etapa já deveriam estar alfabetizadas — o que, na prática, nem sempre se confirma.

"Não percebo que o problema seja exclusivamente da rede. Recebemos formação e temos acesso a materiais para trabalhar com os alunos. Mas há uma dificuldade importante quanto à participação das famílias. As crianças não recebem estímulos em casa. As tarefas não são feitas e, quando chamamos os pais à escola, muitos não comparecem", afirmou Monique.

É claro que o contexto de vulnerabilidades socioeconômicas que atinge muitas famílias precisa ser considerado na perspectiva da participação. Mas também cabe ao Poder Público voltar o olhar para essa realidade e adotar medidas que garantam às crianças poder contar com essa rede apoio em sua aprendizagem. 

Na rede municipal, a metodologia adotada segue as abordagens construtivista e interacionista. A aprendizagem respeita o tempo da criança, com o ensino estruturado em ciclos, dentro da lógica da progressão continuada. No entanto, segundo a professora, para que a proposta produza melhores resultados, é fundamental que os estudantes sejam também estimulados para além da sala de aula.

O processo de alfabetização também exige infraestrutura adequada — escolas com condições de acolher os alunos e oferecer atividades que vão além do conteúdo no quadro —, além da valorização do trabalho docente. São frequentes os relatos de professores e pais — além de denúncias formais do sindicato da categoria — sobre problemas como ar-condicionado quebrado, vazamentos nas tubulações, espaços improvisados para ministrar aulas e revezamento de turmas devido a reformas que ainda não foram concluídas como previsto, entre outros pontos.

Monique Câmara relatou que, na unidade onde trabalhou anteriormente, ela e as crianças enfrentavam uma sala quente, com o ar-condicionado quebrado. “Tínhamos que trabalhar com a porta aberta, e aí vem o barulho externo, que atrapalha tudo”, pontuou. Mesmo com a gestão relatando o problema e cobrando providências, há uma morosidade no retorno.

Concursados cobram reforço no quadro da rede

Outra demanda levantada por professores é o reforço no quadro da rede municipal de ensino do Recife. Na última sexta-feira (18), professores e professoras aprovados no Cadastro de Reserva (CR) realizaram um protesto cobrando da Prefeitura do Recife e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) um posicionamento sobre as próximas convocações.

Segundo levantamento feito pela comissão dos aprovados no CR, com o apoio do Sindicato Municipal dos Profissionais de Ensino da Rede Oficial do Recife (Simpere), há 887 professores I e 246 professores II ocupando cadeiras vagas — ou seja, que deveriam ser ocupadas por efetivos, e não por contratos temporários —, enquanto 274 professores I e 128 professores II aguardam convocação. Os docentes afirmam que é urgente reforçar o quadro da rede municipal do Recife.

Resposta da Prefeitura do Recife

A coluna Enem e Educação entrou em contato com a Secretaria de Educação do Recife desde a última sexta-feira (18), solicitando um porta-voz para comentar a queda no índice, apontar as causas da redução no número de crianças alfabetizadas no 2º ano e explicar quais ações estão sendo adotadas para reverter esse cenário e garantir avanços.

Nesta segunda-feira (21), a pasta respondeu apenas por meio de nota, destacando que o Recife é reconhecido com o Selo Ouro do Programa Criança Alfabetizada, sendo uma das poucas cidades brasileiras a alcançar a pontuação máxima (100 pontos) na avaliação da política de alfabetização — o que, segundo a gestão, consolida o município como referência nacional em qualidade da aprendizagem.

“O reconhecimento é resultado direto do trabalho desenvolvido pelo Primeiras Letras, maior programa de alfabetização da história da cidade, que atualmente beneficia cerca de 35 mil crianças”, informou a nota.

Sem mencionar diretamente os dados trazidos pelo indicador em questão, a secretaria afirmou que tem investido em políticas que garantam o acesso, a permanência e a aprendizagem dos estudantes, com destaque para a expansão da educação infantil.

“Nos últimos dois anos, foram criadas cerca de 3.500 novas vagas em creches — número que representa 40,5% do total de novas vagas abertas em todas as capitais do país no mesmo período”, afirmou o órgão.

A Prefeitura do Recife finalizou a nota reafirmando o compromisso com a educação como um dos pilares da gestão. Segundo o texto, a administração municipal honra “a história da rede de ensino da cidade, fundada por Paulo Freire”.

Saiba como assistir aos Videocasts do JC

Compartilhe

Tags