Pesquisa aponta aprofundamento da desigualdade social e étnico-racial na educação básica de Pernambuco
O estudo foi conduzido pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e financiado pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe)

As desigualdades étnico-raciais seguem impactando o desempenho escolar no Brasil, em especial entre estudantes em situação de vulnerabilidade social.
Nos municípios mais pobres, as escolas enfrentam desafios não apenas estruturais, mas também pedagógicos, que incidem de forma mais intensa sobre os estudantes negros (pretos e pardos).
É o que revela a pesquisa “Determinantes sociais das desigualdades étnico-raciais na Educação Básica de Pernambuco”, que analisou dados de desempenho escolar de alunos do ensino fundamental e médio das redes públicas do estado, entre 2010 e 2019.
O estudo avaliou os municípios com os melhores e piores desempenhos no Ideb: Dormentes, Carnaíba, Quixaba e Tuparetama figuram entre os mais bem colocados; já Aliança, Itaquitinga, Santa Maria da Boa Vista e Ouricuri estão entre os que apresentam os piores resultados.
Conduzida pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e financiada pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), a pesquisa concluiu que, apesar da melhora nos níveis gerais de aprendizagem, a disparidade de rendimento entre estudantes brancos e negros aumentou ao longo do período analisado.
Um dos alertas do estudo é que essa diferença tende a se acentuar conforme os alunos avançam no ensino fundamental, indicando um aprofundamento das desigualdades ao longo da trajetória escolar.
“A instituição da escola é uma estrutura que reproduz as desigualdades sociais de origem, pois legitima a partir de ações pedagógicas os valores de uma cultura 'dominante' levando à margem uma parcela de estudantes minoritários. Este tipo de 'deslegitimação” pode ser um golpe para a autoestima individual, desmotivando o interesse da criança pela escola, afetando a qualidade do seu aprendizado”, disse a pesquisadora Isabel Raposo, uma das autoras da pesquisa.
Metodologia
A investigação foi coordenada pelo pesquisador Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães, em colaboração com os pesquisadores da Fundaj: Isabel Raposo, Luís Romani Campos e Wilson Fusco. Também participaram estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O estudo adotou uma abordagem metodológica mista, combinando análises quantitativas e qualitativas.
Foram examinados microdados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica de Pernambuco (Saepe), além de uma revisão sistemática da literatura e de estudos voltados aos municípios com os melhores e piores desempenhos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Segundo Guimarães, em conversa com a coluna Enem e Educação, os dados confirmam um padrão já amplamente discutido nas ciências sociais brasileiras.
“Existe toda uma discussão já consolidada nas ciências sociais brasileiras de que o país tem uma estrutura racista - que alguns chamam de racismo estrutural - e que isso se reflete em todas as dimensões da vida. Desde o nascimento, quando a mulher negra, notadamente, recebe menos anestesia que mulheres brancas, até a morte, quando se observa que os jovens entre 14 e 29 anos que mais morrem por morte violenta são jovens negros", explicou o pesquisador.
A proposta da pesquisa é mensurar o atual estado da desigualdade étnico-racial na educação. O objetivo não é analisar isoladamente o impacto da raça, mas compreender como ela se combina com outros fatores estruturais.
“A literatura internacional e nacional aponta que o nível socioeconômico das famílias é um dos principais determinantes do desempenho dos alunos. Ora, se vivemos em um país marcado por um racismo sistêmico, no qual as famílias negras têm, em média, rendas mais baixas, isso se reflete em níveis socioeconômicos desiguais. Mesmo entre os mais pobres, as famílias brancas tendem a ter uma condição socioeconômica melhor, e isso impacta diretamente na educação”, explica o pesquisador Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães.
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Outros destaques
Dados indicam que estudantes pretos e pardos frequentemente vêm de lares com maior vulnerabilidade social, incluindo menor escolaridade dos pais e maior frequência de famílias monoparentais chefiadas por mães. Essa origem social, atrelada à questão racial, impacta diretamente as oportunidades e o desempenho educacional.
Em relação às taxas de reprovação e abandono escolar que, embora tenham diminuído no período analisado, ainda são mais altas entre alunos pretos e pardos em comparação com os brancos, o estudo identificou um possível viés de seleção.
Entre os estudantes negros que conseguem avançar para etapas mais elevadas da escolarização (como o 9º ano e o Ensino Médio), observa-se uma tendência de que pertençam a famílias com maior escolaridade. Isso sugere que apenas aqueles com maior capital educacional familiar conseguem superar as barreiras estruturais do sistema.
Os autores destacam que a superação das desigualdades raciais na educação exige uma abordagem complexa e integrada, que leve em conta as múltiplas dimensões sociais, econômicas e culturais que influenciam a trajetória dos estudantes. Ainda segundo os pesquisadores, apenas com esse olhar ampliado será possível construir um sistema educacional verdadeiramente inclusivo em Pernambuco.
"Não adianta elevarmos a média enquanto se mantém uma discrepância do ponto de vista sociorracial. Precisamos fazer com que a escola tenha uma atuação mais ativa e promova essa diminuição dos desempenhos", afirmou Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães.
Ele chama a atenção para mecanismos como o VAAR (Valor Aluno/Ano Resultado), que integra o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). O objetivo é incentivar estados e municípios a adotarem políticas que promovam a aprendizagem de estudantes em situação de maior vulnerabilidade - como os mais pobres, além de pretos, pardos e indígenas.
Discussão em sala de aula
Sobre o tema, a coluna Enem e Educação conversou com a professora doutora Alyne Nunes, que destacou a ausência de uma discussão organizada e estruturada sobre as questões étnico-raciais nas escolas. Segundo ela, esse debate costuma surgir apenas por iniciativa de professores que percebem a urgência de levar o tema para dentro da sala de aula.
Ela afirma que essa é uma questão de compromisso com a luta e extremamente difícil. “É um enfrentamento, porque estamos em um ambiente hostil, que o tempo todo nos leva a pensar sobre a evasão, sobre a ideia de que esse espaço não nos pertence. São corpos que se sentem totalmente desconfortáveis nesses lugares, porque há uma padronização de corpos, de pensamentos, de opiniões e até da própria historiografia. Então, acredito que essa discussão acaba sendo muito pontual e depende de uma postura política do professor”, afirmou Alyne, em conversa com a coluna Enem e Educação.
A docente reforça a importância de revisitar o espaço escolar, de modo que ele se torne mais atrativo e atenda, de fato, às necessidades de cada estudante.
Ela observa que são muitas as possibilidades do que precisa ser feito, mas que é fundamental começar pela formação dos professores, onde há uma defasagem clara. “Muitas vezes, a discussão é pontual, com um viés folclórico, em que datas são tratadas de forma celebrativa, e não como oportunidades de debate crítico. É preciso compreender como nos formamos enquanto povo brasileiro e devolver à escola a memória do que ela é e qual proposta deve ter diante dessas circunstâncias”, declarou.