Em escola estadual, matemática é usada como ferramenta para discutir justiça socioambiental, inteligência artificial e territorialidade
Alunos aprendem matemática por meio de saberes tradicionais, inteligência artificial e temas ligados ao desenvolvimento sustentável

Na Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Professor Fernando Mota, localizada no bairro de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, os alunos têm uma abordagem diferenciada para o aprendizado da matemática.
Números, formas geométricas, equações e outros cálculos são ensinados por meio do conhecimento sobre as comunidades tradicionais, a aplicação da inteligência artificial e os desafios do desenvolvimento sustentável.
Esses temas estarão presentes na Feira de Matemática, que terá como foco principal o "Bem-Estar para a Justiça Socioambiental" e será realizada entre os dias 6 e 8 de maio, das 9h às 11h30 e das 13h30 às 15h30. O evento é organizado pelos professores Djalma Alves, Silvana Melo, Valfrido Costa e Mario Correia.
Os alunos do 1º ano vão trabalhar com o tema "A Matemática e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável", no dia 6 de maio. No dia seguinte, será a vez do 2º ano, cujas pesquisas estarão voltadas para "A Matemática Dialogando com as Comunidades Tradicionais: Passado, Presente e Futuro". Por fim, no dia 8 de maio, os estudantes do 3º ano irão abordar o tema "A Matemática Aplicada à Inteligência Artificial: Uso e Potenciais".
Matemática mais próxima
Para o professor Valfrido Costa, é possível observar que existe "uma matemática dentro da matemática". Ou seja, há diferentes formas de aplicar seus conceitos. O problema é que a maioria dos alunos não vê a matemática como algo acessível.
Por isso, é fundamental que as escolas desenvolvam uma base sólida para a disciplina, começando no ensino fundamental, passando pelo ensino médio e chegando ao ensino superior. Uma das maneiras de fazer isso é tirar a matemática da "caixa pedagógica" e explorar outras possibilidades de aprendizagem.
"A matemática está em tudo. Por exemplo, dentro do tema 'Brinquedos e Brincadeiras Culturais', realizamos uma oficina com o Mestre Sauba, sobre o brinquedo Mané Gostoso. Os alunos perceberam que há diversos conteúdos matemáticos nesse brinquedo, como ângulos, simetria e geometria. Na brincadeira de roda, a matemática é observada a partir do cumprimento da circunferência, da área do círculo e dos cálculos envolvendo o diâmetro e o raio. O que estamos buscando é mostrar a matemática na prática."
Também foi realizada uma oficina sobre o Maracatu de Baque Virado, com a presença do Mestre Biu e da Nação Maracatu Sol Brilhante do Recife, e uma oficina sobre Quilombolas, com Professora Dany. "O que existe de matemática dentro do Maracatu? A simetria da gola da roupa do Rei do Maracatu, as escalas musicais. No caso dos povos originários, por exemplo, vemos a geometria fractal e plana, percebidas no artesanato e nas casas", explicou o docente.
Desempenho dos alunos
Para a aluna do 2º ano Sarah Neri, de 17 anos, a matemática nunca foi uma de suas disciplinas preferidas. Ela confessou que tinha uma relação limitada com a matéria, pois acreditava que muitos cálculos e fórmulas não teriam utilidade além do que é exigido na escola.
"Mas, se nós olharmos ao nosso redor, usamos a matemática no nosso dia a dia constantemente. Então, o nosso principal objetivo com a feira é tirar essas limitações que a maioria das pessoas tem sobre a matemática e mostrar que ela não é esse bicho de sete cabeças que todos pensam. Na brincadeira da amarelinha, por exemplo, usamos as áreas dos quadrados e retângulos, semicircunferências... então tudo é matemática — inclusive nas nossas brincadeiras e cultura", afirmou Sarah, em entrevista à coluna Enem e Educação.
Ver a inserção da matemática em tantos temas diversos sempre causa surpresa no início das atividades. Foi assim com a aluna Luana França, de 16 anos, que também estuda na EREM Professor Fernando Mota.
"Ver a matemática dentro da cultura indígena foi um pouco surpreendente pra mim, porque a gente sempre pensa na cultura, na história — e não diretamente na matemática. Mas eles utilizam na construção das casas, na produção dos artesanatos, também para saber o tempo de colher e de caçar, porque isso é tudo questão de sequência, contagem, etc.", afirmou a jovem.
Trazer a matemática sob uma nova abordagem não é novidade na EREM Professor Fernando Mota. No ano passado, também no mês de maio, alunos e professores realizaram a MatÁfrica, com o tema “A Matemática e o Continente Africano: Um Passeio pela África”, tendo como enfoque o enfrentamento ao racismo.
A repercussão dessa atividade foi positiva não apenas no cotidiano dos estudantes em sala de aula. Vale destacar que o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, o que foi muito celebrado pelos alunos que tinham se engajado nas atividades da Feira de Matemática.