Adolescência: especialista faz alerta sobre como algoritmos impactam os jovens e o papel dos pais na vigilância digital
Especialista alerta: pais se preocupam com onde os filhos vão fisicamente, mas ignoram os riscos do mundo digital — onde há maior vulnerabilidade

A minissérie britânica Adolescência, produzida pela Netflix, trouxe à tona questões como a cultura incel e reacendeu discussões sobre o impacto de grupos extremistas na formação de adolescentes e jovens, principalmente meninos.
Para Jaime Ribeiro, CEO da Educa Saúde Emocional, escritor e pesquisador das relações humanas na era digital, o fenômeno está longe de ser novo — e precisa ser olhado com atenção por famílias e educadores.
"A cultura incel ficou popularizada agora por conta da série, mas são grupos que se formam em toda parte — e não necessariamente na internet. São pessoas que dizem viver o celibato de forma involuntária, ou seja, que não têm parceiro ou parceira mesmo querendo. E eles acreditam que isso acontece porque 80% das mulheres se interessam apenas por 20% dos homens. É o que eles chamam de regra do 80/20. Ou seja, esse celibato involuntário não seria uma questão de não atratividade, mas uma escolha das mulheres."
Segundo Jaime, em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta sexta-feira (25), essa visão alimenta uma lógica perigosa dentro desses grupos, que acabam reforçando a misoginia e a cultura da violência contra a mulher.
"A partir daí, esses grupos, que se formam majoritariamente na internet, começam a pregar a culpabilização das mulheres por esse celibato involuntário, o que leva à disseminação de discursos violentos e de ódio", afirmou.
Composta por quatro episódios, a minissérie Adolescência conta a história de Jamie Miller, um jovem de 13 anos, classificado como um "incel", que é preso sob a acusação de matar uma colega de escola.
Ponto sensível
O especialista chama atenção para um ponto sensível, que muitas vezes passa despercebido por pais e mães. A preocupação sobre o "onde estão os filhos" dificilmente inclui o mundo digital — e é aí que mora o risco.
"Todos nós que somos pais e educadores temos muito cuidado com nossos filhos. Não existe um pai ou uma mãe que, quando o filho vai pra rua, não pergunte pra onde ele vai. E, curiosamente, essa mesma sociedade — feita de pais e mães preocupados — não costuma perguntar pra onde eles estão indo quando vão pro quarto."
Segundo Jaime, dentro dos quartos, por meio da internet, os jovens podem ser impactados por conteúdos que sequer estavam procurando.
"Eles entram no online, nos mundos, janelas e submundos da internet, e podem se associar a grupos que nem estavam buscando. Porque veja: as redes sociais acabaram. Aquele imaginário que a gente tinha de redes sociais como espaço de conexão entre pessoas, isso não existe mais. O que existem hoje são redes de recomendação. E lá dentro, as crianças são impactadas por conteúdos, por grupos, por propagandas que não necessariamente têm interesse", destacou o CEO da Educa Saúde Emocional.
Privacidade na jornada digital
Ainda durante a entrevista, Jaime Ribeiro reforçou que o conceito de privacidade, no universo online, precisa ser repensado pelas famílias. Para ele, muitos pais deixam de acompanhar o que crianças e adolescentes estão fazendo no ambiente online em nome da privacidade — mas isso pode ter consequências sérias.
“Não existe 100% de privacidade na jornada digital dos filhos. Muitos pais deixam de acompanhar o que crianças e adolescentes estão fazendo no ambiente online em nome da privacidade. Mas o risco é alto. Para cada pai que respeita a privacidade, tem um criminoso que enxerga uma grande oportunidade”, alertou Jaime, durante entrevista.
Segundo o especialista, o problema vai além da navegação em si. É preciso entender que os conteúdos consumidos pelas crianças e adolescentes são moldados por algoritmos — e que o impacto é diferente para meninos e meninas.
“O que acontece é que a forma como o conteúdo digital impacta homens e mulheres é diferente. E isso não necessariamente é uma escolha do usuário, mas uma consequência da atuação dos algoritmos. Nós, como pais e educadores, estamos muito confortáveis com a exposição à nudez digital, como se fosse algo proposital. Mas nem sempre é o usuário, ou a criança, que se expõe porque quer — e nem sempre é vontade de algum criminoso. Os próprios algoritmos impulsionam conteúdos de nudez com mais facilidade.”
Esse estímulo tem provocado efeitos especialmente preocupantes entre as meninas. “Com as meninas, o que acontece é a comparação. Sempre nos comparamos com pessoas do nosso convívio, como colegas da escola, pessoas mais populares do bairro. Mas hoje, essa comparação acontece em larga escala. As meninas percebem que as garotas mais populares são as que mais se expõem. Os pais acham que isso é uma escolha geracional, algo inocente, mas na verdade elas estão sendo compelidas a agir assim porque o algoritmo entrega mais esse tipo de conteúdo.”
Além disso, Ribeiro faz um alerta direto sobre o tipo de material promovido pelas plataformas digitais: “As big techs entregam muito mais conteúdos de garotos sem camisa e garotas de biquíni do que qualquer outro tipo. Isso gera mais engajamento e os criminosos não levam nem um minuto para descobrirem o perfil de uma criança.”
"O grande cerne disso tudo é que crianças não deveriam ter redes sociais, e adolescentes deveriam ter uma vida social digital extremamente observada pelos pais. Os estudos apontam que, desde 2013, quando as redes sociais mudaram a forma como funcionam — colocando, por exemplo, o botão de curtir no Facebook e o retweet no Twitter — tudo mudou. As redes, que antes eram apenas de compartilhamento, passaram a ser de recomendação. E aí, as pessoas começaram a se viciar nas validações sociais", afirmou o CEO da Educa Saúde Emocional
"E são essas validações que fizeram aumentar a automutilação, as crises de ansiedade e até um mal que está virando algo global, que é o suicídio infantojuvenil", completou.