STF testa limites do poder e reacende alerta de tirania em Montesquieu
A nova blindagem transforma o STF num poder quase intocável e desidratado de freios. Um cenário que Montesquieu classificaria como semente de tirania.
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Quando propôs a divisão do Estado em três poderes, Montesquieu alertou que a força entre eles deveria ser equilibrada e qualquer disfunção nesse equilíbrio empurraria o Estado à tirania. O Brasil adotou este sistema no passado. E o STF, no presente, está se arriscando a pôr um pé na tirania.
A decisão de Gilmar Mendes de restringir os pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal é um gesto político de alta voltagem que altera o equilíbrio entre os poderes e projeta consequências para além do momento presente.
O Supremo, que já vinha ampliando sua área de influência de maneira controversa, demonstra agora intenção de se proteger de um cenário eleitoral futuro no qual a correlação de forças no Senado pode mudar radicalmente.
Os ministros do STF querem se antecipar a um ambiente no qual muitos senadores da direita bolsonarista eleitos em 2026 poderão viabilizar afastamento de magistrados por vingança ou em benefício próprio.
O cenário não é irreal e é um risco futuro para a democracia, mas o remédio que Gilmar propõe é como tentar matar o paciente para tratar uma dor de dente.
Força crescente
A cautelar produzida pelo ministro cria um novo patamar de blindagem institucional. A exigência de que apenas o procurador-geral da República possa apresentar pedidos de impeachment afasta a ação popular do processo e concentra o poder de provocação nas mãos de um ator que convive diariamente com os ministros.
A alteração de maioria no Senado, que saltaria de 41 para 54 votos para abertura de um processo, transforma o impeachment de um ministro em algo próximo do irrealizável.
Pedidos que desaparecem
A repercussão prática é imediata. Existem hoje dezenas de pedidos de impeachment contra ministros como Alexandre de Moraes e o próprio Gilmar, que se tornariam automaticamente insustentáveis.
A exigência de que uma mudança de regra beneficie os réus implica que esses processos se dissolvam, criando um efeito de anistia institucional. A medida esvazia mecanismos de fiscalização e altera o sistema republicano de controle recíproco.
Parece algo técnico e simples. Mas é muito grave.
Freios ameaçados
O sistema de freios e contrapesos depende da capacidade real de cada poder fiscalizar e punir os excessos do outro. Quando um deles passa a operar sem possibilidade de responsabilização, o equilíbrio deixa de existir.
Imagine um cenário com três atiradores em que cada um têm uma arma apontada para os outros dois. Como cada um tem o poder de ameaçar os outros dois poderes, todos os três acabam condenados à harmonia. A paz institucional vem do equilíbrio causado pela ameaça de fiscalização e controle que um possui sobre o outro. O que Gilmar está fazendo é obrigando o Legislativo a esvaziar o revólver. O judiciário fica, então, livre da obrigação de ser razoável porque não precisa temer consequências.
A harmonia só ocorre quando todos têm instrumentos que podem ser acionados. Quando um instrumento é retirado do jogo, a balança pende para apenas um dos lados. Nesse caso, o judiciário ganha uma força que ultrapassa os limites clássicos da República.
Diante do comportamento recente dos ministros do STF, alguém tem dúvidas do quanto isso é perigoso?
Risco à democracia
A medida no STF, ainda que possa ser interpretada como reação a um clima político conturbado, coloca o país em direção ao desequilíbrio entre os poderes. É um movimento arriscado, que reforça a percepção de que o Supremo vem acumulando prerrogativas sem a devida contrapartida de controle institucional.
Se isso for em frente, caberá perguntar se o poder ainda emana do povo, conforme está escrito noArtigo 1º da Constituição Federal de 1988. Em caso contrário, talvez seja o caso de refazer a Constituição, porque a atual não serve mais.