Cena Política | Análise

A falsa vitória brasileira em que Lula e Bolsonaro foram usados por Trump

O tarifaço caiu por necessidade política de Trump, não por habilidade diplomática; cabe ao Brasil amadurecer sua leitura internacional.

Por Igor Maciel Publicado em 22/11/2025 às 20:00

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O fim do tarifaço para grande parte dos produtos de exportação brasileiros, anunciado pelos Estados Unidos, foi recebido no Brasil como uma suposta vitória diplomática do governo Lula (PT). Não foi. O que muita gente não está entendendo é que a boa notícia tem um componente interessante, porque tanto Lula quanto Bolsonaro foram usados. Um para começar a briga e o outro para sair bem dela.

O que se viu foi uma decisão movida exclusivamente pelos interesses internos de Donald Trump, que age guiado por imagem e dinheiro, sem qualquer consideração ideológica ou afetiva por líderes estrangeiros. Quem achar que ele se preocupa de verdade com Lula ou Bolsonaro, com o movimento conservador ou com a direita, é bobo.

Essa leitura equivocada de triunfo brasileiro revela mais sobre o nosso hábito de superestimar gestos externos do que sobre a realidade do jogo internacional.

Pressões Internas

Trump não recuou por sensibilidade diplomática. Recuou porque a inflação americana pressionou o bolso do eleitor e ameaçou o clima do Dia de Ação de Graças, o feriado mais importante para os Estados Unidos.

Comida mais cara no jantar tradicional significaria desgaste político num momento crucial. Carne, café e frutas brasileiras estavam entre os itens que encareceram o consumo doméstico. Foi esse fator econômico que acelerou a decisão.

Força do Lobby

O lobby de empresários americanos e brasileiros pesou de forma decisiva. Café e carne brasileiros abastecem uma parcela significativa do mercado dos Estados Unidos e ficaram caros nos últimos tempos.

O diálogo que funcionou não foi o de Brasília com Washington, mas o de lobistas americanos com políticos americanos. Quando o setor privado sente o impacto no próprio mercado, a resposta política é imediata.

Prova Concreta

A comprovação de que o Brasil não foi protagonista está nos produtos, principalmente manufaturados e que concorrem com a indústria americana. Esses continuam tarifados.

Se a boa vontade diplomática tivesse sido determinante, esses itens também teriam sido contemplados de alguma maneira. Mas as máquinas são produzidas por lá e o lobby local pressiona para manter a proteção. E Trump obedeceu a eles. Isso mostra que o presidente americano recuou apenas onde interessava ao mercado americano.

É até bem fácil de entender. Ou ao menos deveria ser.

E o governo Lula?

Então o trabalho dos representantes brasileiros do governo não serviu de nada? Claro que serviu, mas não como se acredita. Lembrem do que foi dito no início deste texto. Ao fim do dia, Trump só se importa com dinheiro e imagem. E no momento em que o Brasil correu atrás para abrir um canal de negociação, fortaleceu a imagem de que ele (Trump) é senhor da situação e quem põe as cartas sobre a mesa. "Todos vão até ele para negociar porque precisam dele", é a imagem que fica.

A abertura do canal de negociação era importante para fortalecer a imagem de Trump como líder mundial. Lula ter pedido para ele rever o tarifaço foi importante, porque reforça sua "superioridade", mas o que Lula falou pouco importa para Trump.

Bolsonaro também, só foi importante como desculpa para iniciar as sanções contra o Brasil. Depois que a negociação estava aberta, com a procura do governo brasileiro pedindo que as taxas fossem suspensas, o ex-presidente prestes a ser preso, perdeu completamente a importância no jogo político.

Bolsonaro foi a desculpa para começar a briga e Lula foi a plataforma para que o presidente dos EUA posasse como força motriz da economia do mundo. Todo o resto é bobagem.

Para aprender

Esse episódio reforça a necessidade de o Brasil abandonar personalismos e disputas internas quando lida com potências globais.

Lula precisa agir como chefe de Estado em qualquer circunstância, evitando gestos partidários como os que marcaram momentos anteriores da relação com os Estados Unidos. Política externa exige pragmatismo, continuidade e estabilidade, não impulsos ideológicos.

O mesmo é preciso dizer sobre a atitude bizarra e criminosa de bolsonaristas buscando ajuda dos EUA para tentar interferir em assuntos da política e do judiciário brasileiros. Terminaram a novela num capítulo tão vergonhoso que chega a ser cômico, de tão trágico.

O país ganha com o fim do tarifaço, mas não deve se iludir sobre o motivo real. A decisão foi americana e voltada para o interesse interno dos Estados Unidos.

Cabe ao Brasil entender o funcionamento desse tabuleiro e amadurecer suas próprias estratégias, reconhecendo que relações internacionais não são palco para agradar aliados domésticos, mas espaço onde se decide prosperidade, influência e futuro nacional.

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