A ausência de Bolsonaro atrapalha a direita. E a presença também
Bolsonaro atrapalha na ausência e na presença. A prisão, que poderia tê-lo transformado em mártir, acabou consolidando ele como um estorvo a aliados.
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Bolsonaro completou cem dias de prisão domiciliar e o silêncio das ruas nas últimas semanas foi mais eloquente do que qualquer protesto. O homem que nos últimos anos representou o eixo central da direita brasileira, parece ter se transformado em um obstáculo. A ausência de reação popular à sua prisão é o retrato mais fiel dessa mudança, seguido pela necessidade que os políticos aliados a ele têm de seguir em frente, porque tem uma eleição "logo alí".
O que se observa não é mais a devoção de antes, mas um cálculo frio, típico de quem já avalia o custo político de manter um líder que perdeu utilidade prática e direta. Bolsonaro não é mais o motor de mobilização que foi. Tornou-se um estorvo, e não para a esquerda, mas para a própria direita.
Direita dividida
A prisão do ex-presidente não gerou ondas de solidariedade. Ao contrário, acelerou uma disputa interna que já existia, mas era mantida sob controle pela força do sobrenome.
Em Santa Catarina, o caso de Carlos Bolsonaro (PL) mostra o quanto o bolsonarismo passou de ativo a incômodo. O filho do ex-presidente, que é vereador no Rio de Janeiro, foi anunciado pelo pai como candidato ao Senado para os catarinenses. Parecia um movimento natural dentro de um estado majoritariamente de direita. Mas o governador Jorginho Melo, também bolsonarista, preferiu apoiar Caroline di Toni (PL), deputada que pretende mudar de casa legislativa em 2027.
O gesto revela algo novo. Mesmo aliados históricos de Bolsonaro já começam a medir distância, receosos de que o peso da família atrapalhe mais do que ajude.
O caso Michelle
No Distrito Federal, a ex-primeira-dama vive dilema semelhante. Michelle Bolsonaro (PL) é cotada para disputar o Senado e aparece como grande favorita, mas enfrenta resistência de aliados do próprio campo.
O governador Ibaneis Rocha (MDB) também quer a vaga, e a deputada Bia Kicis, outra expoente do PL, também se movimenta e até já foi anunciada.
A questão, embora menos conflituosa do que em SC, expõe uma direita fragmentada. Onde antes havia unidade, agora existem três candidaturas concorrentes para duas vagas.
O sobrenome Bolsonaro, que já garantiu vitórias expressivas, agora provoca desconforto entre os amigos que vão precisar de votos no ano que vem.
A perda de vigor
O terceiro elemento dessa equação é o próprio Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente perdeu força política e capacidade de influência. Sem definir um sucessor, ele paralisou a reorganização da direita. Lideranças que poderiam assumir o protagonismo, como Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, preferem recuar.
A indefinição sobre quem terá o apoio do bolsonarismo bloqueia o avanço de qualquer projeto coletivo. A direita está interditada, presa a um líder que não tem mais condições de comandá-la, mas também não aceita ser substituído, embora esteja preso. O resultado é um vácuo de liderança que favorece a dispersão.
O estorvo
Bolsonaro atrapalha com a ausência e com a presença. A prisão, que poderia tê-lo transformado em mártir, acabou consolidando uma inesperada irrelevância. O bolsonarismo, sem Bolsonaro, tenta sobreviver na forma de fragmentos eleitorais, mas o próprio líder continua sendo o obstáculo central. O futuro da direita passa pela decisão incômoda e complexa de se afastar do bolsonarismo sem parecer que está abandonando o ex-presidente. Enquanto torce para que os bolsonaro não reclamem muito.