A cadência das obras e o preço da antecipação eleitoral
A antecipação eleitoral não afeta apenas calendários. Afeta o cotidiano, o trânsito, o tempo de quem trabalha e a relação da cidade consigo mesma.
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Acontece com frequência de os discursos acabarem se transformando bastante nos períodos mais próximos às eleições. Isso não é novidade. O problema é quando você antecipa todas as eleições do mundo e o inteiro teor de uma gestão passa a responder segundo necessidades eleitorais diariamente.
Obras começam a se arrastar e suas entregas são arranjadas de acordo com o calendário eleitoral. Discursos passam a ser medidos segundo a opinião pública dos eleitores mais fiéis e não pelas necessidades reais da população. O que está acontecendo no Recife é um exemplo disso. Está comprometendo a rotina dos cidadãos. Antecipação eleitoral, da forma como está acontecendo por aqui, é prejudicial à população.
Obras cadenciadas
A obra da ponte giratória, cuja interdição foi tratada em reportagem de Roberta Soares neste Jornal do Commercio, se arrasta desde 2022. Prejudica todo o fluxo de veículos que se desloca da zona sul da cidade em direção ao centro. Por mais complexa que seja a intervenção, o ritmo de execução foi cadenciado de uma maneira que arrastou a indefinição até aqui. Culminou com uma nova data para a entrega, na última semana de março de 2026.
As obras na orla de Boa Viagem, que também foram cadenciadas e pararam e reiniciaram ao longo dos últimos meses como se estivessem sendo adequadas a uma marcha própria, também já ultrapassaram o prazo inicial. O prazo seria em 2025. Agora, é o primeiro semestre de 2026. Boa parte dos equipamentos previstos para serem entregues está programada, coincidentemente, para os últimos dias de março.
Outra obra, a ponte Júlia Santiago, que vai ligar os bairros de Areias e Imbiribeira, está com o ritmo controlado nos últimos meses. A entrega está prevista para 2026. Há quem diga que pode ser em março.
Até empreendimentos privados com impacto público no Recife têm recebido "sugestões" para fazer alguma entrega até o fim de março de 2026.
Março decisivo
Mas o que há no mês de março de 2026 que tem feito obras atrasarem ou acelerarem e criado transtornos na cidade? Pode ser coincidência. Mas se João Campos (PSB) for candidato a governador, ele precisa deixar a prefeitura até 4 de abril.
O fim de março, portanto, será a última oportunidade para entregar obras prometidas em campanhas anteriores e que se arrastam até hoje. Algumas já poderiam estar prontas se tivessem mantido o ritmo. Poderiam já ter reduzido transtornos no trânsito, por exemplo.
Artifício antigo
Esse ritmo vacilante de obras, que tenta encaixar sua execução para encerrar exatamente nos prazos que possam ser melhor aproveitados eleitoralmente, não foi inventado pelo PSB e nem por João Campos. Todo mundo sempre fez isso. A lógica aposta no impacto eleitoral de curto prazo.
A questão é que esse artifício, que já denota desrespeito ao princípio da eficiência na gestão pública, tem um prejuízo ampliado pela antecipação eleitoral que é feita em Pernambuco. O cidadão fica esperando e sofrendo, aguardando o momento eleitoral certo para quem está no poder.
Antecipação precoce
Normalmente, as obras são ritmadas nos últimos meses antes da eleição para encaixarem com o calendário do TSE. No caso do Recife, isso foi sendo feito com dois anos de antecedência. João Campos já era apontado como candidato a governador antes até de ser candidato à própria reeleição na capital.
Para completar, o fato de ter que deixar o cargo de prefeito com seis meses de antecedência piorou tudo. A execução arrastada de obras começou mais cedo. Atrapalhou por mais tempo o recifense. Vai se intensificar muito antes do normal. Tudo isso quando a maioria ainda nem está preocupada com a eleição.
Consequências
A antecipação eleitoral em Pernambuco tem criado problemas para a população. Basta andar um pouco pela cidade para perceber isso.
Será mais fácil notar tudo o que está sendo questionado neste texto quando, por milagre, todas as obras do Recife começarem a ficar prontas e forem entregues de uma só vez no primeiro semestre de 2026. E pode apostar que isso vai acontecer.
É como se todos os empreiteiros em atividade na cidade fossem regidos pelo mesmo metrônomo. Mas a base desse marcador de ritmo não é a rapidez e a qualidade do serviço à população. O que importa é a imagem política de quem assina seus contratos.