O Brasil entre o incompetente motivado e o preguiçoso interessado
A operação desastrada no Rio de Janeiro mostra que a falta de política pública custa vidas, enquanto Brasília calcula dividendos eleitorais.
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O Rio de Janeiro se apresenta para o país como o retrato de um Brasil que está perdendo a capacidade de agir politicamente, porque se acostumou a reagir eleitoralmente.
A operação desastrada que deixou mais de uma centena de mortos na última terça-feira (28) não é apenas um erro de planejamento na operação policial. É a síntese de um modelo de poder que mistura a pressa de quem quer mostrar serviço com a omissão de quem espera que o caos se torne oportunidade.
É o encontro do incompetente motivado com o preguiçoso interessado. Isso é o que gera tragédia.
Incompetência motivada
O governador Cláudio Castro (PL) representa o primeiro lado dessa combinação explosiva. É o exemplo do gestor que acorda todos os dias acreditando que fará história, mas não percebe que não tem preparo técnico, político ou estratégico para enfrentar o problema que tenta resolver.
O resultado é um governo que confunde improviso com ação organizada e mede sucesso pela quantidade de confrontos, não pela redução da violência. Quando uma operação deixa mais de 130 mortos, não há como chamar de vitória. Isso é fracasso. É o retrato de uma estrutura que ainda acredita que segurança pública se resolve com espetáculo e não com inteligência.
A incompetência motivada faz tanto estrago porque vem disfarçada de boa intenção. É o tipo de ação que tenta mostrar força e convence todo tipo de estulto por aí, mas revela fraqueza.
Preguiça interessada
Do outro lado da equação está Brasília. O governo federal e o Congresso atuam como o preguiçoso interessado, aquele que sabe o que vai acontecer, mas prefere esperar para lucrar politicamente com o desastre. É difícil acreditar que o Palácio do Planalto não sabia da operação. Mas ninguém se mexeu para ajudar e evitar o pior. Esperaram o mar pegar fogo para aparecer como bombeiros de ocasião. A omissão deliberada é tática eleitoral.
No Congresso, a mesma lógica se repete. Deputados e senadores aguardam o momento mais conveniente para negociar projetos que já deveriam ter sido votados, como a PEC da segurança pública, relatada por Mendonça Filho (União).
O texto é importante, mas ninguém parece ter pressa. A paralisia é sempre lucrativa para quem prefere transformar tragédias em moeda de troca. Enquanto isso, as armas continuam atravessando fronteiras, alimentando as facções que o Estado diz combater. E é a União que tem o dever de impedir isso.
Falta de ação política
O país vive um vazio de ação estratégica de longo prazo. Não há coordenação, não há estratégia, não há propósito além da sobrevivência eleitoral. Os governos estaduais buscam visibilidade. O governo federal busca conveniência. E o Congresso busca vantagem. Todos jogam o mesmo jogo, cada um apostando no fracasso do outro para parecer solução. É o cálculo de redes sociais, a narrativa de curtíssimo prazo, a disputa pela manchete do dia. E o povo que espere.
A diferença entre ação política e ação eleitoral é simples, mas quase ninguém parece disposto a aplicá-la. A ação eleitoral é imediata, busca aplausos rápidos, rende votos e desaparece com o tempo. A ação política é estrutural, enfrenta resistências, custa caro e cobra coragem. No Brasil, só a primeira tem espaço. A segunda exige compromisso, algo cada vez mais raro em meio a governadores candidatos e ministros em campanha disfarçada para 2026.
O Rio de Janeiro é apenas o cenário visível de um país que se acostumou a viver entre o erro e a omissão. Enquanto houver incompetentes motivados querendo se consagrar e preguiçosos interessados esperando para se beneficiar, o Brasil não avança.