Cena Política | Análise

São os critérios vagos e as escolhas políticas que minam a confiança no STF

Lula não está rompendo com o sistema, apenas mostrou que a regra do jogo permite transformar o Supremo em extensão do poder presidencial. Isso é ruim.

Por Igor Maciel Publicado em 17/10/2025 às 20:00

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A escolha de Lula (PT) para o Supremo Tribunal Federal volta a gerar polêmica. As críticas se repetem, o presidente estaria indicando pessoas muito próximas, gente de sua cozinha, para o STF. O argumento é forte, a prática é um atentado à independência do Judiciário, mas o movimento não é ilegal. Lula está sendo pragmático dentro das regras, da mesma forma que outros presidentes fizeram antes dele.

Critérios vagos

A lei determina que o ministro do Supremo tenha notório saber jurídico e reputação ilibada. O problema é que isso é um conceito aberto demais. Já foi pior, no início da história republicana a exigência era apenas de “notório saber”. Por isso até médicos chegaram a ser indicados para o Supremo, há mais de um século.

A mudança para “notório saber jurídico” limitou as escolhas à área do Direito, mas o conceito continua elástico em exagero e permite a apropriação indevida das pautas de uma instituição que regula todas as outras instituições do país através da lei, por grupos políticos e partidários.

Pragmatismo presidencial

Essa amplitude dos critérios permite que qualquer presidente indique aliados próximos desde que tenham formação jurídica. Foi o que Lula fez com Cristiano Zanin, seu advogado pessoal, e com Flávio Dino, seu ex-ministro. O mesmo caminho está sendo seguido agora com Jorge Messias, atual Advogado-Geral da União.

Jair Bolsonaro (PL) também usou o mesmo expediente ao indicar André Mendonça, que também havia sido seu advogado-geral da União. O padrão se repete e todos agem dentro da mesma lógica, aproveitando o espaço que a regra permite para ganhar vantagem.

Lula chama atenção apenas porque foi presidente por três vezes, vai partir para uma quarta tentativa e pode acabar escolhendo, sozinho, mais da metade de todos os magistrados do STF.

O problema estrutural

O que realmente está em jogo é essa amplitude da regra. Ela favorece escolhas pessoais e políticas, o que fragiliza a ideia de independência entre os poderes.

Se o critério fosse mais restrito, como a implementação de uma quarentena básica da gestão que está indicando, metade dos ministros atuais talvez não estaria onde está.

Reformar esse processo é fundamental para garantir um Supremo mais autônomo e menos sujeito à vontade de quem está no Planalto.

Sabatina ineficaz

Após a indicação do presidente, o nome do candidato passa por sabatina no Senado. Mas essa etapa tem sido apenas uma formalidade. Faz mais de 130 anos que nenhum indicado é rejeitado. Mesmo quando há resistência, o Senado acaba confirmando a escolha. O mecanismo de controle existe no papel, mas perdeu a força na prática.

Independência ameaçada

A possível nomeação de Jorge Messias confirma essa tradição. Ele é mais um nome escolhido pela fidelidade e pela confiança pessoal, e não por representar uma ruptura com o modelo atual. Enquanto o sistema continuar aberto à interpretações tão largas, será difícil falar em independência do Supremo.

O problema não está na escolha de Lula, mas na regra que permite que ela se repita indefinidamente.

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