Lula e o ensaio para ser um antissistema depois de três mandatos
Fracasso da MP do IOF e desgaste da PEC da Blindagem viraram combustível para pintar Lula como o homem que luta contra o sistema e contra o centrão.

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Luiz Inácio Lula da Silva tenta se reinventar para ser algo que deveria ser impossível para ele: uma novidade. A estratégia é transformar o presidente em um personagem que "enfrenta o sistema". O argumento central é que o sistema é mau, mas o Lula legal.
Nessa narrativa, ele seria o homem que luta contra os interesses dos poderosos, contra o centrão e contra os fisiológicos da política. A imagem que se busca construir é de um Lula combativo, quase um outsider que enfrenta tudo e todos para defender o povo.
Isso deveria ser algo impossível até de se cogitar, porque estamos falando de um sujeito que vai tentar seu quarto mandato e foi durante o seu governo que o maior programa de corrupção envolvendo a relação entre Executivo e Legislativo operou: o Mensalão.
E não é apenas isso. A verdade é que o sistema nunca foi tão beneficiado ao longo do último quarto de século quanto nos governos de Lula.
Se der certo, será um case de marketing político para escrever livro.
Estratégia em teste
O discurso não surgiu ao acaso. Ele faz parte de uma estratégia. Primeiro, a equipe cria uma narrativa com potencial de identificação popular. Depois, o presidente testa o tema em discursos e entrevistas. A reação das pessoas é medida em pesquisas qualitativas.
Se a narrativa cola, ela vira bandeira de campanha. Assim foi com a defesa da soberania nacional diante dos Estados Unidos. Assim também com o velho discurso dos ricos contra os pobres. Agora, o teste da vez é o "Lula contra o centrão".
Mandato em desacerto
No terceiro mandato, Lula está há quase três anos fingindo que o tempo não passou. Tentou controlar o Congresso por meio das emendas parlamentares, como fazia vinte anos atrás. Descobriu que os deputados não precisam mais do governo para liberar recursos. Perdeu força, perdeu poder de barganha e ficou sem instrumentos de negociação. Apostou na distribuição de cargos, mas nem isso garantiu apoio. Partidos com ministérios, como o União Brasil, o PSD, o PP e o Republicanos, seguiram votando contra o Planalto.
Se não é possível tê-los como aliados, o petista resolveu usá-los como degrau. Mas isso não foi ao acaso. O teste desta tese que está na rua, do "Lula outsider", foi facilitado por conta dos últimos acontecimentos envolvendo o Congresso, principalmente os erros.
O estopim do conflito
A queda da medida provisória do IOF foi o ponto de virada. O texto previa reforço no caixa do governo em 2026. Era dinheiro novo para gastar no ano eleitoral. O centrão, mesmo com cargos e espaço, derrubou a proposta.
Lula reagiu demitindo aliados indicados por esses partidos e transformou a crise em discurso.
O presidente estaria lutando contra o sistema. O sistema, nesse caso, é o centrão que "quer cargos e poder".
A narrativa foi montada para que Lula aparecesse como vítima do fisiologismo e defensor da moralidade das relações políticas.
Oportunidade política
O momento escolhido para essa virada não é acidental, como foi dito acima. O centrão vinha desgastado pela PEC da Blindagem. A proposta, que tentava proteger deputados e senadores de investigações, provocou repulsa popular. As ruas reagiram e o Congresso virou alvo da rejeição.
Lula aproveitou o clima e se colocou ao lado da população. Disse que também estava contra o sistema. Começou a demitir indicados e a cobrar fidelidade. O discurso de confronto ganhou tom moral. O presidente se colocou como o homem simples enfrentando os poderosos.
E a equipe de comunicação vai à rua fazer pesquisa e entender o que o eleitor está achando. Se der certo, vira argumento de campanha.
Contradições evidentes
O risco de dar errado existe, porque a narrativa carrega um paradoxo colossal. Lula é um dos principais construtores do sistema político que hoje diz combater. Foi durante seu governo que o mensalão expôs o fisiologismo mais escancarado da história recente. No primeiro e no segundo mandatos, os bancos tiveram lucros recordes.
Parte da própria esquerda o acusa de ter sido brando com o mercado e generoso com o capital. O discurso de agora tenta apagar essa memória e reconstruir uma figura rebelde. Mas é difícil vender a imagem de quem desafia o sistema quando se é o próprio sistema.