Cena Política | Análise

Em dois meses, tarifaço de Trump expôs a direita brasileira e ajudou Lula

O tarifaço de Trump, pensado pelos bolsonaristas como ataque ao governo, virou oportunidade política para Lula e desastre estratégico para a direita.

Por Igor Maciel Publicado em 06/10/2025 às 20:00

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Quando o ex-presidente Donald Trump anunciou um aumento de 50% nas tarifas sobre produtos brasileiros, o gesto foi recebido com euforia entre os aliados de Jair Bolsonaro (PL). Eduardo Bolsonaro chegou a se gabar por ter contribuído com a pressão, imaginando que as sanções enfraqueceriam o governo Lula (PT).

O cálculo era simples, com a ideia de que se a economia brasileira sofresse o governo também sofreria. Mas o que veio depois não trouxe o resultado esperado. O tarifaço que pretendia colocar o Brasil de joelhos acabou fortalecendo o petista politicamente e desmoralizando a estratégia bolsonarista.

Efeito rebote

As sanções, que deveriam fragilizar o governo, deram ao presidente a oportunidade de vestir o verde e amarelo e se apresentar como "defensor da soberania nacional". Enquanto bolsonaristas exibiam bonés vermelhos (cores do Partido Republicano nos EUA) com o nome de Trump, Lula falava em patriotismo e independência.

O discurso nacionalista, antes dominado pela direita, foi apropriado pela esquerda governista. A retórica de que os patriotas verdadeiros defendem o Brasil e não interesses estrangeiros encontrou eco entre pessoas que já apoiavam Lula mas estavam afastados e até entre eleitores do centro, preocupados com as atitudes da família Bolsonaro, cada vez mais preocupada em salvar a própria pele independente das consequências.

Foi um movimento simbólico que virou o jogo e deixou os adversários expostos. O erro de estratégia ficou evidente.

Impacto limitado

A questão é que os efeitos econômicos, esperados como indutores de uma crise de popularidade para o governo brasileiro, foram muito menores do que se esperava. Apenas 44% da pauta exportadora brasileira foi atingida pela alíquota máxima de 50%. Outros 17% sofreram sobretaxas de 10% e cerca de um quarto dos produtos continuou isento.

O total exportado para os Estados Unidos chegou a US$ 42 bilhões, sendo US$ 31 bilhões sob algum tipo de tarifa.

As mercadorias mais afetadas foram commodities como café, carne e açúcar. E exatamente por isso o impacto foi contido. São produtos com mercado global, facilmente redirecionados a outros destinos.

O Brasil compensou as perdas com exportações maiores para a Europa, a Ásia e o Oriente Médio. Com isso, o discurso de que "o governo estava quebrando o Brasil por perseguir Bolsonaro" ficou vazio.

A carne em alta

O caso da carne é o melhor exemplo do fracasso da estratégia. Ao contrário do que se imaginava as exportações brasileiras de carne bovina para os Estados Unidos cresceram 30% em agosto.

O mercado americano enfrenta escassez de gado com o menor rebanho desde a década de 1950 e o preço da carne moída chegou ao recorde de 6,32 dólares por meio quilo. O apetite dos americanos por proteínas aumentou e o Brasil aproveitou.

A JBS, gigante controlada pela família Batista, ampliou a participação no mercado americano e viu suas ações subirem em Nova York. O que seria uma punição virou oportunidade de lucro para alguns mercados.

Reposicionamento

Enquanto setores como o da madeira e do aço sentiram o golpe o agronegócio reagiu com rapidez. O governo Lula aproveitou o momento para construir um discurso de soberania e defesa dos produtores nacionais. A imagem do presidente até então em queda começou a se recuperar.

O tarifaço, pensado como arma política para enfraquecer o Planalto, acabou servindo de escudo. Lula ganhou terreno até entre empresários que antes o viam com desconfiança. O discurso do Brasil que se impõe diante de Washington ganhou peso e deixou os bolsonaristas com a marca de uma "traição".

Um tiro errado

O tarifaço de Trump não derrubou o governo brasileiro. Serviu apenas para mostrar como a tentativa de transformar a economia em arma política pode se voltar contra quem a empunha. O tiro dessa vez saiu pela culatra.

No futuro, quando se for analisar dentro das ciências políticas a recuperação do governo Lula nesse período, o foco será um erro estratégico colossal, e o cálculo político completamente equivocado, que Eduardo Bolsonaro cometeu.

Para completar o isolamento bolsonarista, tudo indica que a conversa entre Trump e Lula, na tarde desta segunda-feira (06), deu certo. Complicou ainda mais.

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