Esperança em Trump une lulistas e bolsonaristas na ingenuidade
Que ninguém se engane. Discurso da boa química entre Trump e Lula é estratégia clara para negociar interesses e reforçar imagem nos Estados Unidos.
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Donald Trump voltou a ocupar espaço no debate brasileiro com uma coreografia típica de sua política externa. O encontro que ele disse ter durado 39 segundos com Lula na Assembleia Geral da ONU foi celebrado por alguns como se fosse o início de uma nova era de amizade entre Estados Unidos e Brasil. Nada é tão simples quanto estão pensando, principalmente quando se trata do instável presidente norte-americano.
Curiosamente, lulistas e bolsonaristas encontraram motivo para se iludir nesse breve aperto de mãos. Uns acreditando que Trump agora enxerga Lula como aliado estratégico, outros imaginando que a suposta simpatia abriria espaço para o retorno de Bolsonaro ao jogo, porque tudo seria uma "armadilha" para o petista. Esperanças infundadas.
Dinheiro primeiro
Trump não age por afinidade ideológica nem por simpatia pessoal. Seu guia é sempre o mesmo cálculo. O que conta é se o interlocutor pode gerar algum ganho financeiro ou uma vitória de imagem para ele exibir ao público nos Estados Unidos.
Foi assim quando anunciou investimentos milionários prometidos pelos Emirados Árabes que nunca chegaram. E também quando disse ter encerrado sete guerras obscuras que, na prática, continuam existindo. O importante para ele é a capa e não o conteúdo. E o Brasil precisa entender isso antes da reunião.
O encontro
A cena na ONU não foi casual. A equipe de Trump escolheu deliberadamente o corredor por onde Lula passaria. Cronometrados, foram 39 segundos de conversa, segundo o discurso americano, seguidos pela declaração de que a "química foi boa" e a vontade de fazer negócios era real.
Esse é o padrão. Não se trata de amizade nem de afinidade política, mas de avaliar o que o Brasil pode oferecer em troca de alguns segundos de marketing político para o público norte-americano.
E é isso que nem bolsonaristas e nem lulistas conseguem entender. Trump não tem qualquer compromisso com algo que não seja sua própria imagem enquanto presidente de seu país. Ele não tem amigos e nem inimigos, ele apanha e bate o tempo todo, ele briga e faz as pazes mas, no fim do dia, só duas coisas importam: como ele é visto pelo público e quanto faturou.
Pragmatismo puro
Por que o aceno "químico" para Lula? Bolsonaro pode admirar Trump o quanto quiser, mas não governa mais. Lula, sim. E é nele que está a chave para qualquer resultado concreto. Trump enxerga com clareza que é o presidente em exercício quem pode lhe entregar vitórias para serem vendidas em seus palanques.
Não há ideologia, apenas pragmatismo. O ex-presidente brasileiro serve para fotos nostálgicas e como desculpa para atacar, mas o atual é quem faz as pazes e é capaz de mobilizar o que importa na lógica comercial do americano.
Moedas brasileiras
O Brasil tem dois trunfos relevantes. Minerais estratégicos, sobretudo as terras raras que alimentam a indústria tecnológica dos Estados Unidos. E a regulação das big techs, que pode ser desenhada de modo a proteger interesses americanos.
Qualquer aceno nesse sentido seria celebrado por Trump como prova de liderança internacional, ainda que o mérito fosse mínimo. É esse tipo de capa que ele procura costurar, o conteúdo nem importa tanto.
Arapucas conhecidas
E pode acontecer alguma armadilha? Sim, sempre. O relacionamento com Trump é um campo minado com barreiras debaixo de uma chuva de canivetes. Mas a vantagem do governo Lula é já conhecer o percurso no qual outros caíram.
O Itamaraty sabe que Trump tem histórico de armar armadilhas para outros líderes. O caso de Zelensky, da Ucrânia, e o episódio com o líder da África do Sul estão aí como exemplos.
Por isso, a cautela brasileira não é excesso de zelo, mas medida de sobrevivência. O governo terá que controlar cada contato, cada telefonema, para evitar que Lula seja exposto a um jogo cujo tabuleiro é manipulado de forma cruel.
Trump é o "valentão" do colégio que só respeita quem lhe enfrenta. Mas também é vaidoso e populista como a maioria dos políticos brasileiros. Lula sabe como lidar com ele. É só se olhar no espelho.