Cena Política | Análise

Lula entre soberania e pragmatismo: até onde irá na química com Trump

Após aceno de Trump, Lula decidirá se mantém o discurso de soberania que lhe deu ganhos políticos. Interesse do Brasil é maior que o eleitoral.

Por Igor Maciel Publicado em 23/09/2025 às 20:00

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A química de Trump é com tudo que lhe puder dar vantagem numa negociação. Essa foi a lição que ficou do discurso do ex-presidente americano na Assembleia Geral da ONU, quando ele surpreendeu ao falar diretamente sobre o Brasil e, mais ainda, ao elogiar Lula (PT). Sim, ele elogiou o presidente brasileiro e disse que "tiveram química".

Até o discurso de Lula, o clima era de confronto. O histórico de taxações pesadas contra o Brasil e as sanções, inclusive envolvendo o ministro Alexandre de Moraes, davam a impressão de que o embate seria inevitável.

Mas Trump prefere sempre transformar tensão em ativo, desde que isso lhe assegure ganhos pessoais ou políticos. Por isso abriu aproximação com o brasileiro, mas deixou claro que "quer fazer negócios".

O cálculo político de Lula

Lula fez um discurso duro de olho nos benefícios que a tensão com os EUA tem lhe trazido. A aproximação do bolsonarismo como referência ao ataques que o Brasil sofreu a sua soberania melhoraram os números do petista nas pesquisas e travaram os candidatos ligados a Bolsonaro (PL). Criticou o bilateralismo, defendeu o multilateralismo e classificou como autocratas líderes que perseguem a imprensa e opositores. Era uma referência clara a Trump.

O ponto de atenção é que a química que Trump diz ter encontrado pode transformar essa relação em um jogo de interesses imediatos. A frase repetida por ele, de que "a química bateu" com Lula, não deve ser interpretada como amizade, mas como oportunidade. Resta saber se o brasileiro está disposto.

Visões de mundo

O choque de visões esteve no centro da Assembleia. Trump voltou a atacar a ONU, chamando-a de ineficiente e custosa, ao mesmo tempo em que defendeu negociações diretas entre países. Para ele, quanto menos vozes opinando, mais rápido se chega a acordos.

Lula, por outro lado, insistiu que a construção de consensos multilaterais é o caminho para equilibrar as relações internacionais. Essa divergência ficou marcada, mas não impediu o aceno final do ex-presidente americano.

A surpresa no final

No encerramento, Trump surpreendeu ao contar sobre um encontro rápido com Lula nos corredores da ONU. Em tom bastante pessoal, afirmou que gostou do presidente brasileiro e que os dois tiveram uma "boa química".

Foi uma guinada em relação ao clima beligerante das últimas semanas, quando até se falava em tensões militares estimuladas por declarações da família Bolsonaro.

Trump não mencionou Jair nem Eduardo Bolsonaro. Preferiu abrir espaço para o diálogo direto com o governo atual.

A oportunidade e os riscos

O desafio agora é saber como Lula vai lidar com essa abertura. A química de Trump é com tudo que lhe puder dar vantagem numa negociação.

Se Lula não souber separar o interesse do Brasil de sua própria vantagem política, corre o risco de ser engolido pelo pragmatismo americano.

O presidente brasileiro cresceu nas pesquisas ao defender soberania e criticar a interferência dos Estados Unidos. Mas esse crescimento não pode ser usado apenas como cálculo eleitoral. É preciso transformar o momento em resultados concretos para o país. Caso contrário, ele será cobrado.

O que esperar

Lula tem a responsabilidade de aproveitar a abertura para negociar em nome do país, sem se perder em cálculos de curto prazo.

O que se espera é que ele defenda interesses nacionais, e não apenas sua imagem. O presidente brasileiro já foi bastante criticado por não dar nem um telefonema para o colega americano durante a crise. A justificativa é que não havia receptividade e você só pode telefonar para alguém que quer conversar com você.

Essa desculpa já não existe mais.

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