Cena Política | Análise

Fux surpreende até apoiadores otimistas de Bolsonaro e aponta brechas

Mesmo sabendo que será voto vencido, ministro entregou às defesas narrativa que reforça suspeitas de perseguição e pode reverberar politicamente

Por Igor Maciel Publicado em 10/09/2025 às 20:36 | Atualizado em 10/09/2025 às 20:36

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Antes de começar a ser proferido, o voto do ministro Luiz Fux carregava um paradoxo irônico. Ele era a única esperança bolsonarista e também caminhava para ser decisivo pela condenação do ex-presidente, já que seria o terceiro dos cinco e já havia duas escolhas pela condenação. Era mais ou menos como depositar nas mãos do seu carrasco da vez todas as orações.

Se a reza foi a responsável, é difícil dizer, mas Fux acabou largando o machado de lado e poupando os réus. Fez mais, e praticamente assumiu o papel de advogado de defesa. É como se, mesmo tendo sido escalado para carrasco, instruísse o quase executado sobre uma rota de fuga possível.

No fim, o ministro será voto vencido, é verdade, e a condenação acontecerá nesta quinta-feira (11). Mas deu um presente imenso a Bolsonaro e seus companheiros de ação penal, deu-lhes todas as brechas jurídicas possíveis para serem utilizadas assim que o ambiente permitir.

Liberdade de expressão

Fux sustentou que não se poderia confundir discordância política com crime. Insistiu na ideia de que as manifestações de Bolsonaro, ainda que duras contra as instituições, caberiam no espectro da liberdade de expressão.

Ele chegou a citar trechos de decisões anteriores do próprio Supremo que garantiram espaço para falas polêmicas de parlamentares e agentes públicos. Tentou mostrar uma linha de coerência que preservaria o debate democrático. Ao reforçar esse ponto, o ministro ofereceu uma narrativa de que o julgamento não poderia ser transformado em trincheira para punição de adversários ideológicos.

Ausência de dolo

O ministro também argumentou sobre a ausência de provas inequívocas do chamado dolo específico, isto é, da intenção direta de abolir o Estado Democrático de Direito. Para Fux, a acusação teria se apoiado em interpretações extensivas, o que ele classificou como perigoso para o equilíbrio institucional.

Ao adotar essa linha, lançou luz sobre o temor de que, no futuro, qualquer governo pudesse utilizar precedentes semelhantes para sufocar opositores. Foi nesse raciocínio que deixou como herança à defesa bolsonarista uma coleção de teses que, mesmo derrotadas no plenário, ganharão vida em cada recurso apresentado daqui em diante.

Absolvição surpreendente

E, depois de tudo isso, votou pela absolvição de Jair Bolsonaro. Surpreendeu mais uma vez, porque havia quem esperasse que ele fizesse uma apresentação de todas as suas discordâncias, mas que, depois, apontasse a condenação do ex-presidente devido às provas apresentadas pela acusação.

O caminho para chegar a essa absolvição foi construído com estratégia admirável durante seu discurso. Primeiro, gastou mais de uma hora caracterizando o que é o crime de "organização criminosa" para em seguida demonstrar que ele não ocorreu nos fatos apresentados pela Procuradoria Geral da República.

Depois ficou simples, porque a PGR, com poucas provas materiais objetivas, baseou a liderança de Bolsonaro na tentativa do golpe no fato de que ele era o presidente e que havia uma organização criminosa em curso. Desmontada a tese de organização, não havia a ascendência do presidente sobre o grupo, porque não havia grupo.

Fux flerta com a falácia, mas convence quem já queria ser convencido. E faz isso com louvor.

Pressão sobre colegas

O que acontece agora? Se havia cinco carrascos para cortar um pescoço e um deles deita o machado sem usar seu fio, restará mais trabalho para os outros.

Nesta quinta-feira (11) estão previstos os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A pressão para que façam votos desconstruindo os argumentos de Fux será grande. Os dois terão que tentar restituir a legitimidade do julgamento que, sim, ficou abalada depois do voto desta quarta-feira.

Expectativa sobre Zanin

Zanin, aliás, que votará por último já que preside a turma, deve ter visto passar um filme durante as mais de dez horas em que ouviu o colega de topete bem armado falar.

É que um dos argumentos utilizados por Fux diz respeito à incompetência do STF para proceder com o julgamento. Quando foi advogado de Lula, o atual ministro utilizou esse argumento em sua defesa, questionando a competência de Sergio Moro e da Vara de Curitiba.

Zanin também sabe que essa tese não pega de cara, mas basta que o vento da política mude para que seja resgatada. E já tem uma eleição em 2026. Eleições mudam os vetos da política.

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