Anistia defendida por Tarcísio e deputados é retórica por voto bolsonarista
Parlamentares e governador de SP tentam transferir a culpa à Justiça, mas corte já sinalizou que não permitirá perdão em crimes contra a democracia.

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A proposta de uma emenda constitucional que garanta "anistia" a todos os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, incluindo Bolsonaro (PL), não se sustenta juridicamente, ao menos no formato que está sendo discutido, principalmente pela inclusão do ex-presidente. Trata-se de uma impossibilidade usar uma ferramenta da democracia como ferramenta para salvar quem atentou contra a democracia.
Se condenado, o líder da direita brasileira cumprirá pena, por exemplo, pela Tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado. Tanto a anistia, no formato de uma PEC, quanto o indulto presidencial, que também já foi discutido, são elementos democráticos.
Seria como jogar uma bomba na loja de ferramentas e, ao precisar bater um prego, exigir que o dono da loja lhe conceda um martelo.
Limites legais
Nem a anistia e nem o perdão presidencial encontram espaço no ordenamento jurídico quando há atentados antidemocráticos em pauta. O STF já sinalizou de forma reiterada que tais medidas não se aplicam a crimes ligados a atentados contra a democracia. O precedente mais emblemático é o de Daniel Silveira, beneficiado por um indulto concedido por Bolsonaro em 2022 e posteriormente devolvido à prisão em 2023 por decisão do ministro Luiz Fux.
O argumento na época foi direto: quem atenta contra a democracia não pode se valer de seus mecanismos para escapar da punição.
Ainda assim, essas ideias vêm sendo defendidas por deputados e senadores como forma de manter a proximidade com o eleitorado bolsonarista. Da mesma maneira, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirma que concederia indulto a Bolsonaro caso chegasse à Presidência.
Não é coincidência que todos dependam do apoio de uma base de eleitores fiéis ao ex-presidente. Estão de olho nisso.
Retórica calculada
Parlamentares e Tarcísio seguem insistindo na pauta porque serão candidatos em 2026 e a base bolsonarista não irá perdoar aqueles que não lutarem por Bolsonaro. Os filhos do ex-presidente foram os que mais pressionaram Tarcísio, por exemplo.
Abraçando essas ideias ele pode se prejudicar como candidato a presidente, por causa da rejeição. Mas se não abraçá-las, a guerra com os filhos do capitão pode inviabilizar até sua reeleição no governo de São Paulo.
Ao defender a anistia ou o indulto, Tarcísio mantêm a simpatia da base bolsonarista e transfere ao STF a responsabilidade pela negativa. No discurso político, fica a mensagem de que tentaram salvar Bolsonaro, mas foram impedidos pelo Judiciário.
É uma forma de reforçar a narrativa de perseguição e manter o capital político junto ao eleitorado radicalizado.
O julgamento
A própria estratégia da defesa de Bolsonaro chamou a atenção. Eles sabem que a anistia e o indulto só serão possíveis se o ex-presidente conseguir escapar dos dois crimes contra a democracia pelos quais está sendo julgado. No processo atual, Bolsonaro responde a cinco crimes, mas a defesa concentrou esforços em apenas nesses dois.
A escolha revela que são os pontos mais críticos, justamente aqueles que inviabilizam qualquer tentativa futura de perdão.
A condenação nesses crimes é considerada praticamente certa pelos ministros, o que reforça o entendimento de que a saída política defendida pelos aliados não terá eficácia.
Perspectiva
O movimento em torno da anistia e do indulto é, portanto, menos uma solução jurídica e mais uma peça de estratégia eleitoral. O STF caminha para condenar Bolsonaro e rejeitar qualquer tentativa de blindagem. Mas, na narrativa política, deputados, senadores e Tarcísio seguirão dizendo que tentaram até o fim, empurrando a responsabilidade para a Justiça.
É a repetição de um roteiro já conhecido, que aposta no desgaste das instituições julgadoras para garantir sobrevida a um projeto político. Já vimos esse filme antes, com Lula (PT).E você pode até dizer que com o petista deu certo, porque ele é o presidente novamente. Mas é um equivoco.
O que salvou Lula não foi a estratégia que o PT usou, atacando a credibilidade do judiciário. O que salvou Lula e o fez presidente novamente foi o próprio Jair Bolsonaro, que conduziu sua gestão como se fosse um ônibus desgovernado, com mais motoristas do que passageiros, sem freio, com o para-brisa trincado e descendo a ladeira da pandemia de lado, equilibrado em duas rodas.
Se tivesse tentado ser minimamente normal e não tivesse se aconselhado com a nata da bizarrice ideológica e política brasileira, ao invés de estar no banco dos réus Bolsonaro poderia ainda ser o presidente.