Cena Política | Análise

No julgamento de Bolsonaro, Zanin pode enfrentar seu próprio discurso

Ex-advogado de Lula (PT), ele mesmo difundiu as teses de lawfare que alguns usam como argumentos de defesa no processo contra Jair Bolsonaro (PL).

Por Igor Maciel Publicado em 01/09/2025 às 20:00

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Era agosto de 2019 quando o então advogado de Lula (PT), Cristiano Zanin, entrava no estúdio da Rádio Jornal, no Recife, para uma entrevista ao Programa Passando a Limpo.

Na conversa, o tema preferido dele era "Lawfare". O termo era relativamente novo no debate jurídico brasileiro. Tanto que ele estava lançando um livro na ocasião, que deixava essa novidade evidente.

"Lawfare: uma introdução" foi apresentado naquele ano e demonstrava o uso da Justiça como arma de guerra política. O próprio termo é uma junção das palavras Law (Lei) e Warfare (Guerra).

Nesta semana, quando o termo volta a ser utilizado com frequência por causa do processo de Jair Bolsonaro (PL), uma curiosidade não tem como passar despercebida. Zanin, atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal, é o presidente da Primeira Turma, que conduz o julgamento e abre a sessão desta terça-feira (2).

Origem do conceito

O termo lawfare surgiu em documentos do Exército norte-americano em 2001. A ideia era descrever o uso da lei como arma de guerra em disputas internacionais.

Ou seja, tribunais, sanções jurídicas e regras de comércio poderiam ser utilizados como instrumentos de enfraquecimento de inimigos. E isso sem que fosse disparado um único tiro.

Esse raciocínio foi ampliado em diversos episódios, como as sanções impostas à Rússia em razão da guerra na Ucrânia.

Expansão política

Ao longo dos anos 2000, o conceito saiu da esfera militar e ganhou relevância nos debates políticos. Em 2010, já estava popularizado para classificar processos contra figuras públicas expostas.

Sempre que um político era alvo de ações judiciais, surgiam acusações de que se tratava de lawfare. Era uma tentativa de inviabilizar carreiras usando a própria lei.

Um exemplo frequentemente citado é o do ex-presidente Rafael Correa, no Equador. Ele denunciou ter sido vítima de lawfare em processos judiciais posteriores ao seu governo. Esse episódio também foi descrito no livro de Cristiano Zanin e em análises internacionais.

Correa fugiu para a Bélgica antes de ser preso, onde vive até hoje com a família. Seu vice da época passou cinco anos preso.

O caso brasileiro

No Brasil, o termo se consolidou e chamou a atenção durante a Lava-Jato. Advogados e setores políticos passaram a acusar que houve lawfare contra Lula (PT), com base em seletividade, exposição midiática e motivações políticas.

O resultado desse processo de guerra jurídica contra a reputação, baseado em provas frágeis, teria sido a prisão do ex-presidente. A consequência foi a inviabilização de sua candidatura em 2018.

Essa interpretação foi defendida por seus aliados como exemplo de uso estratégico da Justiça para fins eleitorais.

Zanin e o livro

Cristiano Zanin, que hoje preside a turma responsável por analisar Bolsonaro, foi advogado de Lula nesse período. Em 2019, lançou com outros autores o livro "Lawfare: uma introdução".

Nele, sistematizava a teoria e a aplicava ao contexto brasileiro. O argumento era claro: Lula teria sido vítima dessa prática, alvo de processos frágeis, mas com alta repercussão política e midiática. Esta sempre foi a base da defesa jurídica e política do petista, sustentada até hoje.

No livro, Zanin chega a relacionar o interesse dos EUA no pré-sal brasileiro como fomento para o uso de lawfare. Ele sugeria interferência americana para que Lula não voltasse à presidência em 2018. É algo que nunca ficou devidamente provado.

Julgamento de Bolsonaro

Mas o processo de Jair Bolsonaro resgata a discussão. Redes sociais e apoiadores do ex-presidente levantam a tese de que o STF estaria praticando lawfare ao tentar inviabilizar sua candidatura em 2026.

A situação é muito parecida com a de Lula em 2018. O paralelo é imediato e cria um ambiente em que os papéis parecem invertidos.

Para os críticos, o Judiciário, ao se tornar protagonista nesse embate, corre o risco de aprofundar a percepção de que age mais como ator político do que como instituição garantidora da Justiça.

Há muita curiosidade pelo conteúdo do voto de Cristiano Zanin. Por ser o presidente, ele é o último a julgar Bolsonaro.

Imagina-se que, condenando o ex-presidente, ele dará explicações sobre o motivo de este julgamento ser diferente do que aconteceu com Lula em relação ao uso político da Justiça.

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