Cena Política | Análise

Como a rejeição virou guia central da política brasileira

Pesquisas de rejeição transformaram-se no norte de muitas campanhas brasileiras, nivelando a política por baixo e reduzindo o debate nacional.

Por Igor Maciel Publicado em 27/08/2025 às 20:00

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A política brasileira está mergulhada na mediocridade de tentar ser o menos ruim a cada eleição. Não se trata de um fenômeno recente, nem exclusivo da rivalidade entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Desde os tempos de PT contra PSDB, ou mesmo das disputas entre Fernando Collor e Lula, a lógica do “menos pior” vem moldando o cenário político.

Você vota em fulano porque tem medo ou não gosta de beltrano. Não porque o seu candidato tem um plano melhor para o país. O curioso é que, depois das campanhas inflamadas, adversários históricos acabam se tornando aliados. Isso reforça a sensação de que a briga não é sobre projetos, mas sobre conveniências. O problema é que essa acomodação de apenas tentar parecer menos rejeitado do que o outro virou estratégia central de poder no Brasil.

Pesquisas e rejeição

Essa lógica ganhou força com o peso que as pesquisas de rejeição passaram a ter. Quando o entrevistador pergunta em quem o eleitor "não votaria de jeito nenhum", o que aparece ali é usado como guia de campanha. Os marqueteiros transformaram esse índice em um termômetro fundamental e, muitas vezes, único.

Assim, um candidato que tem 40% de rejeição pode se considerar em vantagem se o adversário tem 42%. É a vitória de quem consegue chatear menos, não de quem tem as melhores ideias. O país passa a nivelar por baixo e os líderes deixam de se preocupar em convencer, propor e construir. Em vez disso, se dedicam apenas a diminuir danos de imagem.

Competição estética

Nesse ambiente, a política deixa de ser disputa de ideias e vira competição estética. O que conta é a simpatia, a imagem construída em propagandas caras, o marketing que molda narrativas convenientes.

Um candidato pode ter as melhores propostas, mas, se for visto como antipático, tende a ser descartado. Já outro, com menos conteúdo e mais simpatia, sobrevive ao filtro da rejeição. Isso gera um círculo vicioso em que o Brasil estaciona: não se busca quem é mais competente, mas quem consegue se vender como menos desagradável.

Polarização e cálculo

O efeito mais perverso é que, com a política girando em torno da rejeição, o país não consegue romper com as polarizações. Afinal, é dentro desse jogo de extremos que o “menos ruim” se fortalece. Foi assim no passado e continua agora.

O episódio recente mostra bem isso. Em uma reunião ministerial, esta semana, Lula tentou definir Tarcísio de Freitas (Republicanos) como seu adversário em 2026. Não foi um gesto casual. Foi insistente, com o presidente apontando aos auxiliares e fazendo questão de que a informação fosse tornada pública: o adversário dele "será o governador de São Paulo".

A escolha de rivais sempre fez parte da estratégia lulista: já foi o PSDB, já foi Bolsonaro e, agora, Lula aposta em Tarcísio.

O alvo de Lula

Por que Tarcísio? Entre nomes como Romeu Zema (Novo), Ratinho Júnior (PSD), Ronaldo Caiado (União Brasil) ou Eduardo Leite (PSDB), o governador de São Paulo é o único que não consegue se desvencilhar de Jair Bolsonaro.

Zema e Ratinho nunca foram ministros ou amigos, Caiado fez críticas pesadas e Leite sempre manteve distância. Tarcísio, não. Ex-ministro de Bolsonaro, ele carrega a marca do bolsonarismo e não consegue se libertar dessa sombra.

Lula sabe que, ao enfrentar Tarcísio, poderá jogar a rejeição de Bolsonaro no colo dele e repetir a mesma estratégia de sempre: não é preciso ser amado, basta que o adversário seja mais odiado. Já é possível imaginar os cards nas redes sociais: "Tarcísio é Bolsonaro e Bolsonaro é Tarcísio".

Estagnação política

Essa estratégia é esperada e até normal que seja utilizada pelo petista. Mas revela o quanto nossa política continua presa à mediocridade. Em vez de projetos de país, o jogo é de marketing e de cálculo sobre rejeição.

Lula já entendeu isso e se beneficia. Mas a consequência é sempre devastadora. O Brasil continua lento, incapaz de avançar em reformas, de enfrentar desigualdades estruturais ou de projetar futuro.

Na acomodação de ser o menos rejeitado, o país parou de se desenvolver. E todo mundo acaba pagando a conta. Inclusive você, que exige do seu candidato apenas que ele seja menos ruim que o adversário, ao invés de exigir que ele tenha propostas dentro da realidade brasileira.

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