Ideologia domina e Brasil paga alto preço por diplomacia partidarizada
De Lula a Bolsonaro, incluindo Dilma, a diplomacia brasileira se afastou da neutralidade tradicional e pulou, para perder, na lógica dos confrontos.

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O Brasil atravessa um momento delicado no cenário internacional. A imagem de país conciliador, que construía pontes entre nações e ganhou relevância por manter neutralidade diplomática, está cada vez mais distante. Isso acontece por causa da necessidade de afirmação ideológica que nossos líderes assumiram desde 2003.
O resultado é um isolamento crescente que preocupa, tanto no campo político quanto econômico. Esse processo, que não nasceu ontem, tem raízes na forma como a política externa brasileira foi conduzida nas últimas duas décadas.
Neutralidade perdida
A tradição de neutralidade do Brasil, construída ao longo do século, permitiu que o país conquistasse respeito internacional e ampliasse sua influência em espaços multilaterais. Esse ativo foi sendo destruído por escolhas ideológicas sucessivas.
Desde o início deste século, governos de diferentes cores partidárias preferiram usar as relações exteriores como palanque político, comprometendo a credibilidade da diplomacia nacional. O Itamaraty, outrora referência de pragmatismo, sofreu com ingerências que minaram sua força.
Esse erro está sendo cometido desde o primeiro governo Lula (PT), continuou com Dilma (PT), manteve-se com Bolsonaro (PL) mudando apenas o lado, e voltou na gestão lulista atual.
Responsabilidade compartilhada
Não cabe aqui apontar um único culpado. Lula, em seus dois primeiros mandatos, usou a política externa para alinhar o Brasil a um bloco de esquerda latino-americana. Dilma Rousseff manteve essa linha, mas com menor habilidade diplomática.
Jair Bolsonaro, por sua vez, inverteu o pêndulo, apostando numa retórica agressiva contra a China e outros parceiros estratégicos. Já Lula, em sua terceira gestão, repete o erro, só que agora no embate com os Estados Unidos.
Em comum, todos abandonaram a posição de neutralidade que permitia ao Brasil dialogar com diferentes polos de poder sem se comprometer ideologicamente.
A única exceção parcial nesse período foi Michel Temer (MDB). O emedebista buscou resgatar a tradição do Itamaraty, mas não teve tempo para trabalhar.
Isolamento crescente
O reflexo dessa sucessão de escolhas ideológicas é o isolamento. Os Estados Unidos, sob Donald Trump, impuseram pesadas tarifas ao Brasil com motivações que ultrapassam o campo econômico e tocam o terreno político. A União Europeia, embora siga negociando o acordo com o Mercosul, não demonstra disposição em defender o Brasil de forma consistente.
No fim, o governo brasileiro recorre à China e à Rússia, países que não oferecem o tipo de exemplo democrático que se espera. Quando as coisas apertam, Lula telefona para Xi Jinping e Putin, dois ditadores.
Não é um cenário normal, não é positivo e chega a ser perigoso.
América do Sul dividida
Para piorar, o Brasil também está isolado na América do Sul. Hoje, Argentina, Paraguai, Peru, Equador e a Bolívia (que terá segundo turno eleitoral com dois candidatos da direita) compõem o bloco conservador. Do outro lado, Brasil, Colômbia, Chile, Venezuela e Uruguai formam a ala progressista, à esquerda.
Essa divisão por igual pode mudar em breve: o Chile vive um processo eleitoral em que a oposição de direita aparece como favorita, o que deve alterar a balança regional para seis países à direita contra quatro à esquerda.
Nesse cenário, o Brasil se tornará a principal voz isolada dentro do continente, inclusive no Mercosul, onde não encontrará respaldo coletivo.
Preço da ideologia
A consequência prática desse isolamento já se sente no bolso. A tarifa de 50% aplicada pelos Estados Unidos impacta setores estratégicos e obriga o governo a adotar medidas internas para evitar desemprego e falências. A tendência é aumentar os gastos que já estavam grandes demais, comprometer a saúde fiscal do país para sustentar o argumento de que consegue transformar grandes crises em marolinhas.
No fim, o a população paga a conta, como já aconteceu antes. Mais uma vez, o boleto da diplomacia ideologizada recai sobre trabalhadores e empresas.
O que se vê é um Brasil gastando recursos preciosos para corrigir distorções criadas por escolhas políticas, quando poderia estar fortalecendo sua posição internacional com pragmatismo e capacidade de mediação. E não precisava de muita coisa, bastava manter a tradição de neutralidade.