Igor Maciel: Greve no metrô do Recife contra a concessão vira vitrine para concessão
Ao tentar barrar a concessão do serviço de transporte, metroviários acabam alimentando discurso que favorece o processo e enfraquece resistência.

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A paralisação de 24 horas dos metroviários do Recife, esta semana, cronometrada com precisão para coincidir com a visita de Lula a Pernambuco, foi vendida como um ato de resistência contra a concessão do metrô. A promessa resgatada da campanha petista em 2022, de que o metrô seguiria público, foi o pano de fundo perfeito para a encenação. No entanto, o que se viu foi um espetáculo que, ironicamente, reforça o enredo contrário ao pretendido, pois revelou de forma ainda mais nítida a fragilidade da operação metroviária atual e a facilidade com que interesses sindicais podem se sobrepor ao interesse verdadeiramente coletivo.
No fim das contas, o que todo mundo acabou percebendo foi que só é possível deixar o serviço pior do que já é quando o metrô depende do setor público. Ponto para a concessão. E se a intenção era chamar a atenção de Lula, aviso aos passageiros, ele não subiu em nenhuma estação.
Chantagem operacional
Ao deixar milhares de passageiros sem transporte e provocar um verdadeiro apagão na mobilidade da Região Metropolitana, os metroviários entregaram de bandeja o argumento que mais assusta o sindicalismo: o de que a gestão privada poderia ser menos vulnerável a esse tipo de chantagem operacional. Sim, o nome certo é este: chantagem operacional.
É como se tivessem montado um outdoor ambulante anunciando: “Viu como é ruim quando paramos? Pois é, com uma empresa privada isso talvez não aconteça".
Cidadão penalizado
O desgaste não foi apenas institucional. O trabalhador comum, aquele que acorda cedo para garantir o salário no fim do mês, foi o alvo principal do prejuízo. Para ele, a greve não soou como luta por direitos coletivos, mas como mais um capítulo de um serviço que falha no básico.
O trabalhador que teve sua vida atrapalhada começa a achar que talvez o remédio da concessão, mesmo que para alguns pareça amargo, vale o risco. Para os usuários, o que importa é chegar em casa no horário.
Serviço imprevisível
E chegar em casa no horário é algo que o metrô de hoje não consegue garantir. Há muito esforço dos trabalhadores, mas o investimento é insuficiente para alcançar um patamar que permita o funcionamento dos trens fora da rotina a qual os habitantes da Região Metropolitana do Recife se habituaram, de sair de casa todos os dias sem saber se conseguirão pegar o trem e chegar em seu destino.
Tem mais: se sair de um ponto A e chegar a um ponto B já é algo que depende de esperança, fé e misericórdia Divina, imagine se alguém consegue pensar em ampliar o serviço, com mais linhas, alcançando novos pontos da cidade. Impossível.
Concessão inevitável
O BNDES já tem na prateleira um modelo. Não se trata mais de discutir se haverá concessão, mas de negociar o contrato. Qualquer sindicato que faça greve e atrapalhe o serviço tentando reverter isso está se enganando, enganando os outros ou apenas tentando aparecer. Se a intenção era conquistar o apoio popular, o resultado foi exatamente o inverso.
Até mesmo aqueles contrários à privatização começam a pensar se não seria melhor entregar a operação a quem não dependa de assembleias para manter os trens rodando. A ironia é que, ao tentar frear o processo, os metroviários podem estar pisando fundo no acelerador.
Se for desse jeito, para cada greve, as possíveis concessionárias dirão sempre "muito obrigado".