Cena Política | Análise

Telefone sem fio diplomático expõe interesses divergentes e isolamento brasileiro

Trocas diplomáticas revelam um país sem interlocução forte e isolado no cenário geopolítico atual. Ninguém defende realmente o Brasil, nem o BRICS.

Por Igor Maciel Publicado em 12/08/2025 às 20:00

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A "Geração Z" pode achar esquisito, mas numa época em que os telefones eram ligados por um fio à parede, havia uma brincadeira bem popular entre as crianças que era o "Telefone sem Fio". Basicamente, consistia em formar uma roda, com todos sentados, em que um sorteado ia contando no ouvido alguma história para a pessoa que estivesse ao lado, que contava para a pessoa adiante, até que o último da fila era obrigado a falar em voz alta a informação que recebeu.

Era divertido, porque dava para perceber como as informações iam sofrendo cortes ou engordas ao longo do processo. Você passava adiante a informação que mais lhe interessava ou apenas aquilo que tinha interesse em transmitir, mesmo que não fosse o inteiro teor da comunicação. Uma conversa que começava em "freio de caminhão" terminava em "Frei Damião" e todo mundo se divertia.

O presidente Lula (PT) passou a mão no telefone e saiu ligando para todos os principais colegas do BRICS nos últimos dias. Falou com Modi, da Índia. Em seguida foi a vez de Putin, da Rússia. Por último, ligou para Xi Jinping, da China. No final, ficou parecendo uma brincadeira de "Telefone sem Fio". E isso chamou a atenção.

Diferenças nos comunicados

No caso de Narendra Modi, o comunicado brasileiro destacou comércio e integração tecnológica, enquanto o indiano ressaltou cooperação ampla e diálogo sobre temas globais. Foram os comunicados que mais se aproximaram, porque ambos compartilham a mesma situação com EUA. A Índia está para ser sancionada em 50% de taxas, igual ao Brasil.

Já na conversa com Putin, o comunicado do governo brasileiro enfatizou energia, comércio e defesa, enquanto o Kremlin destacou alinhamento político e críticas a sanções ocidentais. Com Xi Jinping, o Brasil frisou que "trocaram impressões sobre a atual conjuntura internacional e os recentes esforços pela paz entre Rússia e Ucrânia’’, mas a China deu mais ênfase ao "alinhamento comercial estratégico e à coordenação em fóruns multilaterais". Cada versão projeta interesses distintos na relação bilateral.

Na diplomacia isso acontece igual ao telefone sem fio. Cada um passa adiante apenas aquilo que lhe interessa.

Bastidores e omissões

Alguém vai acreditar que Lula não reclamou dos EUA e não demonstrou indignação por estar sendo ameaçado de sanções por comprar diesel e fertilizante russo nas três ligações? Mas ele suprimiu isso para não provocar mais confusão e nem atiçar ainda mais a ira de Trump. Putin foi quem o entregou quando disse que a conversa passou pelas "sanções ocidentais".

Alguém acredita que Lula não pediu ajuda ao colega chinês para compensar exportações que o Brasil não conseguirá fazer para os americanos? Mas ele não falou isso diretamente para não parecer ainda mais dependente da China. Foi Xi quem enfatizou que o diálogo passou pela ampliação do comércio bilateral em seu comunicado interno.

Cada um fala para o seu público aquilo que acredita ser mais importante para sua imagem interna e externa. Os problemas de superfície do Brasil não são os mesmos que os da Rússia e da China.

Reflexos diplomáticos

Duas coisas chamam atenção nesse quadro de ligações entre chefes de estado.

A primeira é que nos momentos difíceis a gente sempre costuma recorrer, por reflexo, aos interlocutores com os quais nos sentimos mais à vontade. E Lula não esconde de ninguém, nesse caso, que se sente muito mais à vontade para tratar sobre seus problemas com duas ditaduras (China e Rússia) do que com integrantes da União Europeia, por exemplo.

O segundo ponto de atenção é o tanto que não se fala de jeito nenhum em outros países da América do Sul sobre a polêmica com os EUA.

O único país que demonstrou algum tipo de solidariedade ao Brasil no continente foi o Chile, do enfraquecido presidente Boric que caminha para não fazer sua sucessora, segundo pesquisas atuais.

Isolamento internacional

O Brasil não consegue ser líder em seu próprio continente, não consegue ter interlocução adequada com a Europa e se afastou dos EUA ao ponto de ser protagonista dos ataques do presidente americano.

Para completar, nem mesmo o adorado BRICS quis entrar na conversa de uma moeda própria que excluísse o dólar, deixando o Brasil isolado nisso também.

A diplomacia brasileira, nos últimos anos, deve ter trabalhado bastante para cultivar laços diplomáticos com a população de Marte.

O fato é que, se eles estavam atuando neste globo terrestre em que vivemos, está difícil de encontrar algum resultado palpável. Saudações marcianas aos aliados do Brasil.

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