Cena Política | Análise

Igor Maciel: Tarifa de Trump revela força de Alckmin e fraqueza do Itamaraty

A crise com os EUA mostrou que o Brasil perdeu interlocução diplomática e teve que recorrer à articulação política de seu vice-presidente

Por Igor Maciel Publicado em 31/07/2025 às 20:00 | Atualizado em 01/08/2025 às 6:36

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Nem o peso histórico do Itamaraty, nem os discursos de soberania de Lula foram capazes de impedir que o Brasil sofresse um abalo comercial com a imposição de uma tarifa de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. Mas uma vitória parcial foi alcançada com a concessão de 694 exceções. E algo precisa ser observado, foi resultado direto da atuação política do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), não da diplomacia brasileira.

A situação acabou sendo menos grave do que parecia inicialmente, e o país ainda ganhou mais tempo para negociar até 5 de agosto. Na prática, as tarifas de 50% vão atingir apenas 35% dos produtos exportados pelo Brasil. Cerca de 45% ficaram de fora porque os EUA consideram que são essenciais, como suco de laranja e aviões. Outros 20% dos itens exportados para lá já tinham uma tarifa de 25% e vão continuar assim. Há o que comemorar. O responsável pela parte positiva do resultado? Alckmin.

O vice-presidente, que também é ministro da Indústria e Comércio, teve várias rodadas de conversas com o Secretário de Comércio americano, Howard Lutnick. Foi a partir desta ponte que a negociação avançou, não pela diplomacia.

Diplomacia ausente

Aliás, a impressão que ficou é a de que os diplomatas brasileiros, quando cobrados para acionar suas fontes em Washington, não sabiam se pegavam um avião para a América do Norte ou um ônibus para o interior de São Paulo, onde existe uma cidade chamada "Casa Branca", com cerca de 30 mil habitantes. Ficaram perdidos como se não soubessem o que fazer.

O sentimento de quem acompanhou a atuação do Itamaraty nesse episódio foi de que os diplomatas brasileiros não conhecem ninguém nos EUA, nem no governo, nem no Congresso. Nem mesmo com os lobistas americanos (profissão regulamentada por lá) a equipe internacional do governo brasileiro parece ter interlocução.

O tarifaço veio como um soco em câmara lenta. O governo brasileiro sabia que Trump vinha sinalizando medidas protecionistas desde que se lançou como candidato. Ainda assim, não construiu pontes nem com setores democratas, muito menos com o entorno do novo presidente republicano.

O Itamaraty parecia operar como um anexo desatualizado da Esplanada, completamente fora da articulação com Washington.

Falta de conexão

Enquanto o Ministério da Fazenda (sim, Haddad também contribuiu bastante) tentava mobilizar seus canais com empresários americanos, e o vice-presidente Alckmin se expunha como figura de articulação internacional, o Itamaraty ficava reduzido a notas protocolares.

No meio de tudo, o chanceler, Mauro Vieira, viajou para Nova York esperando que alguém na Casa Branca (a dos EUA, 370 km de distância de Manhattan) topasse recebê-lo. Havia um vácuo claro de presença diplomática em um momento de crise, como se o Brasil estivesse improvisando sua política externa diante do maior parceiro comercial do continente e o segundo maior parceiro no planeta.

Omissão estratégica?

Os Estados Unidos são um país em que a diplomacia funciona em camadas. Mesmo sem ocupação formal de cargos, ex-funcionários, think tanks, lobbies e universidades funcionam como extensão do poder. O Brasil ignorou tudo isso. Não houve mobilização de ex-embaixadores, não houve presença intelectual, não houve sinalização política. A ausência do Itamaraty nas conversas com atores relevantes em Washington escancarou um ministério acanhado, isolado e inoperante.

Papel reduzido

O episódio com os EUA reforça a preocupação de muitos setores da política e das relações internacionais com o direcionamento ideologizado do Ministério das Relações Exteriores. É algo que não começou agora e já teve seus rompantes desde o primeiro governo Lula (PT), mas seguiu forte com Jair Bolsonaro (PL). Enquanto um puxa as articulações para países com governos de esquerda, outro puxa para a direita. Os reais e pragmáticos interesses comerciais do país ficam em segundo plano.

Agora, mais uma vez, a crise de inércia diplomática parece ter essa origem ideológica, começando pelo fato de que Lula declarou apoio à adversária de Trump (uma temeridade diplomática), passando pela ascensão de Celso Amorim como assessor internacional da presidência, figura mais forte do que o próprio ministro, e culminando nos discursos (sem pé na realidade) de Lula em favor dos Brics (cheio de ditaduras e autocracias).

Num ambiente desses, os diplomatas devem ter pensado: "Fazer pontes com os EUA para quê?". Aí vieram as tarifas.

Uma crise reveladora

O Brasil tem um dos quadros diplomáticos mais respeitados do planeta, mas esse capital humano está sendo subutilizado. Deixar que crises como essa sejam enfrentadas sem a inteligência histórica da nossa diplomacia é desperdiçar um ativo precioso.

Neste caso atual, custou caro. E só não foi pior porque Alckmin conseguiu fazer sozinho o papel de todo o corpo diplomático da atual gestão. Isso precisava ser dito. E é preciso que seja exemplo do que não pode mais acontecer.

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