O cultivo da censura e o silêncio como medida cautelar
Veículos de comunicação ficarem impedidos de realizar entrevista porque o entrevistado, que ainda nem foi condenado, pode ser preso, é censura prévia.

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Lula (PT) foi preso em abril de 2018. Em 19 de novembro de 2017, no meio de seu processo judicial, deu entrevista ao jornal francês Le Monde. Cinco dias depois, concedeu outra entrevista, à Agência EFE, que foi reproduzida pelo portal UOL no Brasil. Em dezembro concedeu uma entrevista a outro portal “Brasil de Fato”, entre outros veículos.
Em todas as falas que fez à imprensa naquele período, pouco antes de ser preso, fez discurso de estadista, reclamou dos magistrados que o julgavam e reclamou do governo em curso na época, de Michel Temer (MDB). Depois, já às vésperas da prisão em 2018, deu novas entrevistas e gravou vídeos para a internet. Em 1º de março, falou para a France Press e a entrevista foi divulgada por vários portais brasileiros, inclusive o UOL.
Discurso e denúncia
Na ocasião dessas entrevistas, Lula disse que havia uma “armação” para condená-lo. “Os meus adversários e uma grande parte da elite econômica brasileira não querem que eu seja candidato à Presidência da República, e a única forma que eles encontraram para evitar que eu seja candidato foi uma quantidade de mentiras, uma quantidade de inverdades, ou seja, quase que um crime contra nossa própria Constituição. Eu tenho desafiado a Polícia Federal, o Ministério Público, o juiz a provar um crime que eu tenha cometido”, declarava Lula aos jornalistas.
Liberdade garantida
Essas entrevistas eram fruto de algo caro à Constituição e à Democracia que é a liberdade de expressão, natural a um brasileiro que, naquele momento, mesmo já estando condenado, aguardava julgamento sobre um recurso e ainda estava em posse de todos os seus direitos.
Não haveria motivo para essas entrevistas serem lembradas hoje, não fosse a proibição que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda nem condenado, recebeu de fazer o mesmo. Para o ministro do STF Alexandre de Moraes, Bolsonaro não pode dar entrevistas. É preocupante, porque não se trata de um condenado, sob a batuta da Lei de Execuções Penais.
Risco à justiça
Mesmo que 10 entre 10 analistas políticos e especialistas no Judiciário digam que Bolsonaro já tem condenação certa, nenhum juiz pode tratá-lo dessa maneira. Muito menos o juiz que será responsável pela sua condenação futura, porque esse tipo de atitude prejudica a credibilidade do resultado final.
Para completar a tragédia, a proibição de Alexandre de Moraes impedindo que Bolsonaro dê entrevistas parece apontar para o “risco futuro” de que ele comprometa a ordem social e econômica brasileira com suas palavras. E aí o problema é imenso.
Censura velada
Porque no Brasil livre, democrático, republicano, mesmo alguém que comumente fale aquilo que cavalos despejam ao chão não pode ser impedido de fazê-lo neste país, por mais abjeto que pareça, desde que assuma suas consequências e pague pela sujeira depois.
Porque se não for assim estaremos sob a atividade de uma censura prévia, que é coisa de ditadura. E à ditadura, sim, deve-se nojo.
O silêncio
Veículos de comunicação formalmente estabelecidos ficarem impedidos de realizar entrevista porque o entrevistado, que ainda nem foi condenado, pode ser preso caso fale, pode ser considerado um meio de censura prévia.
Estar num documento judicial, assinado por um magistrado, não transforma um erro em um acerto. E isso é muito grave pelo risco de, não havendo forte crítica da opinião pública, tornar-se semente de algo pior.
A tirania sempre estreia de capa e espada, disfarçada de coragem e heroísmo. Antes que ela surja, é necessário ter atenção.