Quando o inimigo vem de fora, até Lula vira Churchill
Com a ameaça de Trump, Lula ganhou um adversário externo, reacendeu sua base e agora tenta transformar tensão internacional em capital político pleno.

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Pode ser que Lula (PT) e Bolsonaro (PL), com sua conhecida dificuldade para o inglês, nem consigam pronunciar direito a expressão. Mas os dois podem descobrir, na prática, nos próximos dias, algo que a ciência política estuda desde os anos 1970: o “Rally ‘round the flag effect”. Na tradução, é algo como o efeito da “reunião ao redor da bandeira”.
Quem inventou o termo foi o cientista político John Mueller. Trata-se do aumento de popularidade dos governantes que conseguem apontar para um inimigo externo e unir o país, mesmo com suas diferentes perspectivas e ideologias, para defender a nação em conjunto.
A última vez em que o Brasil teve um inimigo externo foi no século 19, quando Solano López atacou e o Império Brasileiro, em resposta conjunta com Argentina e Uruguai, reduziu o Paraguai de López a uma fração do que era antes da provocação.
Depois disso, nossa experiência de povo unido contra um inimigo sempre se resumiu ao futebol, na Copa do Mundo. Até na ditadura militar o futebol foi utilizado para unir o país, sem arranjar briga séria com outros países.
O mais perto que o Brasil já esteve de criar um inimigo interno foi quando os argentinos começaram a ousar dizer que Maradona era melhor que Pelé. Nem isso pegou de verdade.
Exemplo vem de fora
Na história recente do mundo há alguns exemplos. Em 1982, na Guerra das Malvinas, Margaret Thatcher viu sua popularidade crescer a um nível sem precedentes no Reino Unido. O país se juntou em apoio ao governo como só havia acontecido, antes, com Churchill na Segunda Grande Guerra.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, George W. Bush que até então andava com a popularidade em 51% viu sua aprovação subir para 85% em uma semana e, após 15 dias chegar a 90%.
As disputas entre Rússia e Ucrânia, mais recentes, também renderam saltos de popularidade para os dois lados. Na anexação da Crimeia, Putin saiu de uma aprovação de 10% para 71%. Na invasão da Ucrânia, Zelensky saiu de uma popularidade de 30% para 90% dentro de seu país.
Efeito já começou
Lula não vai precisar entrar em guerramilitar, e ninguém espera que isso aconteça, mas a disputa comercial com Trump já rendeu frutos para todos os líderes que o confrontaram.
O presidente americano é o “valentão do colégio” que só é temido de forma generalizada até que alguém perceba que enfrentá-lo é um bom negócio. Recentemente foi bom para Zelensky, Macron (França), Carney (Canadá) e Sheinbaum (México).
Se o presidente brasileiro souber conduzir a situação, pode aproveitar essa onda também. Mas o efeito “Rally ‘round the flag” tem algumas peculiaridades que precisam ser observadas, inclusive sobre sua duração.
Curto, mas potente
O cientista político e jornalista Ricardo Rodrigues, durante participação no programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, lembrou que ainda faltam 15 meses para a eleição brasileira e, até lá, muita coisa ainda vai acontecer.
De fato, Mueller, o criador do termo que simboliza a união patriótica pelo líder personificando a nação, coloca algumas especificidades no processo: é internacional, envolve o presidente diretamente, é específico, dramático e, atenção, tem curta duração porque, com o tempo há uma tendência de cansaço da opinião pública e desgaste.
No caso do petista, será preciso saber utilizar esse impulso para construir outras bases até 2026. Ou não irá se sustentar.
Uma coisa é certa. Quem esperava algum tipo de sossego até outubro do ano que vem, pode esquecer. O ritmo será forte até o fim, com Lula tentando se fortalecer e a oposição tentando sair da situação difícil em que ficou após a carta de Trump.