Partidos transformam STF em poder moderador e enfraquecem a democracia
Ações judiciais viram estratégia para partidos minoritários ignorarem votações do Congresso e buscarem representação que as urnas não lhes deram.

O partido Novo analisou dados do STF para identificar os colegas de outras siglas que mais acionam a Corte para reclamar de medidas do Executivo e votações no Legislativo. Chegou a um número impressionante.
Desde 1988, representantes partidários já foram mais de 1750 vezes aos magistrados para pedir que eles derrubem decisões tomadas pelos outros poderes, reforçando a construção do Judiciário como um “poder moderador” da República e, pelo desequilíbrio entre os poderes ocasionado, enfraquecendo a democracia.
A Ordem dos Advogados do Brasil, que carrega como uma de suas missões a defesa do Estado Democrático de Direito, e poderia estar o tempo todo acionando o STF contra medidas do Legislativo e do Executivo que atentam contra a Constituição, em 37 anos só reclamou no Judiciário em 350 oportunidades.
A OAB, uma entidade de objeto jurídico, acionou o Tribunal cinco vezes menos do que os partidos, que são entidades de objeto político.
A única lógica disso é a de uma cultura de esperneio sistemático que empurra a Suprema Corte a um papel moderador que está fora da Constituição desde a Carta de 1891.
Poder Moderador
O Poder Moderador era exercido pela figura do imperador e só existiu na Constituição de 1824.
Na prática, era um dispositivo que dava o poder de dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições, nomear e demitir livremente os ministros de Estado, nomear senadores, suspender magistrados em casos específicos, sancionar ou vetar projetos de lei e, atenção para esta: “resolver conflitos entre os outros poderes, atuando como árbitro supremo”.
Todas essas atribuições eram necessárias, segundo o entendimento da época, para garantir que houvesse equilíbrio e harmonia entre os poderes.
Ao longo de dois séculos essas atividades foram sendo absorvidas pelos três poderes constituídos ou apenas deixaram de existir.
Distribuição Atual
Hoje, por exemplo, ninguém pode dissolver a Câmara dos Deputados e os senadores passaram a ser eleitos em voto popular.
Quem pode convocar novas eleições é o presidente da Câmara dos Deputados, mas apenas se o chefe do Executivo e seu vice estiverem impossibilitados.
Quem nomeia os ministros de Estado é o chefe do Executivo, que também sanciona e veta projetos de lei.
No caso da suspensão de magistrados, o próprio Judiciário decidiu controlar e punir os seus, reforçando isso com a instalação do CNJ entre 2004 e 2005.
O que nunca ficou muito claro na adaptação que foi feita após o fim do Poder Moderador foi quem assumiria, e sob que parâmetros o faria, a “resolução de conflitos, atuando como árbitro supremo”.
Ninguém nunca quis assumir esse papel de alta voz porque remete a uma empáfia mergulhada em arrogância que num mundo civilizado destoa da harmonia e do equilíbrio.
Foi só quando os partidos começaram a empoderar muito o STF que tudo aconteceu.
Recordistas de Ações
Desde 1988, o PT foi a sigla que mais recorreu ao STF para tentar derrubar medidas do Executivo e do Legislativo.
Foram 275 ações dos petistas nesses 37 anos.
Em segundo lugar vem o PDT, com 272 pedidos de intervenção do Judiciário em votações e medidas executivas.
O PSOL é o terceiro da lista, com 165 ações desse tipo no STF, com um detalhe que precisa ser lembrado: o partido de Guilherme Boulos (PSOL) só existe desde 2004.
Enquanto os primeiros da lista passaram quase quatro décadas para figurar no topo dessa relação, os psolistas chegaram ao top 3 em metade desse tempo.
A lista dos que mais esperneiam segue com o PSB (158), o PCdoB (126) e a Rede (que só tem 10 anos de criação e já foi ao STF 124 vezes).
Uma curiosidade é que somente na sétima posição um partido não alinhado com a esquerda aparece entre os mais “chorões”: o PSDB, que tem 105 reclamações ao STF.
Revolta e Judicialização
Normalmente acontece como um “ato de revolta” com o resultado de votações.
O partido vai disputar algum projeto no voto, por ser minoria perde a votação e, inconformado com a derrota, atravessa a Praça dos Três Poderes para pedir ao STF que anule o resultado.
É algo que sempre aconteceu, mas que se exacerbou desde o governo Bolsonaro, principalmente quando o país foi entregue pelo Chefe do Executivo ao Centrão para não sofrer um impeachment durante a pandemia.
A oposição à esquerda, que já era minoria, ficou totalmente isolada e as excursões até o STF se tornaram mais frequentes para pedir “socorro”.
Após a eleição de 2022, mesmo com a vitória de Lula (PT), a esquerda ainda ficou em minoria no Congresso, com a eleição de deputados mais alinhados com o centro e a direita.
Os pedidos por intervenção do Judiciário seguiram.
Problema de Representatividade
O problema disso tudo é a representatividade de partidos como o PSOL, que elegeu 13 deputados na Câmara mas se apoia no Judiciário para atropelar a decisão de até 300 parlamentares, eleitos por uma imensa maioria de eleitores em relação às votações do PSOL.
Não se trata de gostar ou não do que é decidido pelo centrão.
O centrão opera em causa própria 12 de cada 10 questões colocadas na pauta do Congresso, com soluções que beiram, muitas vezes, a canalhice.
Mas a legitimidade desses deputados, escolhidos por um número muito maior de eleitores em relação aos do PSOL, por exemplo, não pode ser ignorada e nem desrespeitada com essa constância, já que é a base da democracia representativa.
Muito menos com o auxílio “moderador” de um poder externo ao Legislativo, minando a separação entre eles.