Cena Política | Análise

A difícil rotina de quem já teve muito poder e não sabe como retornar

É um "formigueiro confuso". Todo mundo fala, todo mundo grita, todo mundo ri e ninguém consegue ter qualquer razão que seja aceita pela sala inteira.

Por Igor Maciel Publicado em 13/06/2025 às 20:00 | Atualizado em 13/06/2025 às 21:57

Todo esperneio é infantil e patético e só se debate com o destino quem não tem capacidade para enxergar oportunidades nele. Os movimentos do núcleo duro bolsonarista são típicos de quem chegou ao poder sem planejamento, foi afastado e não tem a mínima ideia de como voltar. E daí vem o esperneio, a birra e até as piadas de nível escolar em meio a tensão de um julgamento federal.

É daí que vêm os atos desesperados, como o de supostamente tentar fabricar um passaporte português num consulado do Recife que terminou com a prisão do ex-ministro do Turismo Gilson Machado (PL).

Quando você não sabe como chegou ao topo e, em seguida, cai de lá, a tentativa de voltar rapidamente é tão perigosa que pode fazer você escorregar e terminar machucado.

Plano

A verdade é que o bolsonarismo não sabe como chegou ao poder. É diferente do petismo que tinha um plano e foi adaptando esse projeto durante três eleições (89, 94 e 98) até conseguir chegar ao poder em 2002. E que depois adaptou esse projeto para a reeleição de Lula em 2006, que readaptou para a eleição de Dilma em 2010 e fez isso novamente para a reeleição dela em 2014.

O PT modificou seus planos novamente com Lula preso, calibrou o discurso para 2018 e elegeu Lula outra vez em 2022.

Os petistas têm uma lista de defeitos que não cabe num daqueles cadernos de dez matérias do Ensino Médio, mas ninguém pode negar que eles sabem buscar as oportunidades no destino como poucos.

Bandeira

Pergunte a dez bolsonaristas desse núcleo duro como eles acreditam que chegaram ao poder em 2018. Nenhum deles vai dar exatamente a mesma receita.

Um vai dizer que foi por causa do sentimento anticorrupção, outros vão dizer que era o antipetismo, outros vão dizer que foi a retórica de Bolsonaro, vai haver quem diga que foi a facada, também haverá menções à força das redes sociais e terá alguém que dirá ter sido o apoio das Forças Armadas.

Haverá ainda alguém dizendo que foi a proposta de economia liberal de Paulo Guedes. Outros mais dirão que foi o apoio dos eleitores evangélicos. Nenhum deles estará totalmente errado e nenhum deles estará completamente correto. Todas essas questões contribuíram para a eleição em 2018.

Mas grupos políticos são, antes de tudo, agremiações simbólicas de unidade e precisam ter uma bandeira. Qual a do bolsonarismo que chegou ao poder?

Perdido

Lula virou presidente em 2002 por uma série de motivos, também. A crise econômica internacional, a baixa popularidade de Fernando Henrique Cardoso, uma briga interna no PSDB que enfraqueceu a candidatura de José Serra e um apagão energético em 2001 que colocou dúvidas na capacidade dos tucanos de gerenciar o país e manter o básico.

Tudo isso foi utilizado pelo PT na eleição, inclusive a Carta aos Brasileiros garantindo que a gestão não iria atentar contra a economia e a democracia, sem a qual o petista nunca teria conseguido se eleger, mas o discurso que ficou foi o do governo que luta pelos pobres e contra a desigualdade.

O PT tem uma bandeira, acreditemos nela ou não. Seja ela real ou apenas demagogia barata. Mesmo que o objetivo seja Lula, há o disfarce do discurso e da história narrade desde 2002.

O bolsonarismo não tem a mínima ideia do que apresentar além do próprio Bolsonaro.

Patetices

Quando a situação aperta e Bolsonaro está para ser preso, sem ter um argumento ou bandeira para sustentar o grupo que não seja a mera existência do líder, os integrantes começam a se comportar como se o norte estivesse em dezenas de direções diferentes.

Em Portugal há uma expressão usada para evidenciar algo assim. É um "formigueiro confuso". Todo mundo fala, todo mundo grita, todo mundo ri e ninguém consegue ter qualquer razão que seja aceita pela sala inteira. E, o que é o maior problema, todos têm ideias.

É nas ideias sem gestão que nascem as patetices, desde correr atrás de alguém com uma pistola no meio da rua, jogar bombas na polícia, até tentar viabilizar passaporte estrangeiro para embarcar delator do STF.

São tantos os exemplos de inconsequência, falta de lógica, bisonhice e atabalhoamento que é até difícil imaginar como esse grupo poderia ter tentado dar um golpe no país.

Direita

A direita não vai perder tanto com isso porque já demonstra querer se descolar dos bolsonaristas ao máximo e, para ser honesto, candidatos desse campo são favoritos contra Lula neste momento, projetando 2026.

O sucesso deles vai depender de o governo petista continuar perdido como está e de conseguir atrair o eleitor simpático a Bolsonaro sem estar tão vinculado à rejeição dele. Equação difícil, mas possível.

Quanto ao bolsonarismo raiz, enquanto não souber do que é feito e seguir dependendo de atos desconexos de seus integrantes, seguirá esperando pela sorte para voltar ao poder um dia.

 

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