Cena Política | Análise

Igor Maciel: O problema do uso do clima como justificativa para não ter cometido crime

No julgamento, Bolsonaro disse não ter ido em frente com "outras medidas" por não haver clima. Heleno disse não ter usado Abin por não haver clima.

Por Igor Maciel Publicado em 10/06/2025 às 20:00 | Atualizado em 11/06/2025 às 7:18

No dia anterior ao depoimento de Jair Bolsonaro, quando ouvia Mauro Cid, o ministro Alexandre de Moraes demonstrou saber diferenciar bem o que é uma “conversa de mesa de bar” e uma reunião séria. Em certo momento, quando relatava um encontro regado a refrigerante e salgadinhos em que impropérios foram dirigidos ao STF e ao próprio ministro, Cid procurou contemporizar dizendo que não era nada sério, mas apenas algo com clima de “conversa de bar”. Moraes rebateu, com salgadinho e refrigerante não é “conversa de bar”. Todos riram.

Mas a palavra “clima” é o que chama atenção até agora nos depoimentos dos réus. Quase todos, inclusive Bolsonaro, a usaram e acabaram se complicando pelo uso indevido dela. O delator, primeiro com a história da mesa de bar. Depois foi Augusto Heleno.

Clima 1

O general Augusto Heleno protagonizou um momento muito esquisito com o próprio advogado. O defensor, que já havia se tornado piada no dia anterior quando reclamou que estava com fome, começou logo avisando que o cliente não iria responder perguntas de Moraes ou de Gonet. Com tudo ensaiado antes, o próprio advogado faria perguntas e ele responderia apenas com “sim” ou “não”.

Deu tudo errado. Questionado se era correto afirmar que não incentivou qualquer ação de golpe, o general soltou um “não havia oportunidade”. O advogado arregalou os olhos e reforçou com o cliente a orientação para responder apenas sim ou não. “Não!”, finalmente respondeu Heleno.

Outra pergunta do advogado foi sobre ter usado a Abin para produzir informações falsas sobre as urnas eleitorais. Aí o general complicou tudo outra vez: “Não havia clima para isso”. O advogado se exaltou: “General é para responder apenas sim ou não”. Heleno, finalmente, disse que “não”. Mas era tarde.

Moraes ainda caçoou: "Não fui eu, general Heleno. Que fique nos anais do Supremo. Foi o seu advogado". E até o próprio Heleno deu uma risada.

Clima 2

Quando parecia que tudo sobre o tal do “clima” ia ficar apenas em Cid e Augusto Heleno, veio Bolsonaro. O ex-presidente admitiu que viu a chamada “minuta do golpe” e que chegou a discutir com sua equipe as opções, segundo ele sempre dentro da Constituição, para resistir ao resultado da eleição. Buscava uma alternativa, sim, mas não foi em frente com nenhuma ideia. Questionado sobre o motivo de ter descartado, disse que “não havia clima”.

Depois, Bolsonaro foi reforçando com sinônimos ou expressões próximas, tentando explicar. “Não houve oportunidade” e “não havia uma base minimamente sólida” foram algumas delas. Mas o “clima” que teria “impedido qualquer medida” estava lá novamente.

Não deu praia

O problema de usar o clima como justificativa para qualquer coisa no mundo é que ele impede a execução de algo, mas não impede a intenção de executar, nem o planejamento. Isso é crime? Nesse caso, uma das acusações é “Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Não abolição, mas tentativa. Para isso, alegar que o clima impediu não resolve.

Uma ideia prática sobre o caso: imagine que você vai dormir no sábado querendo ir à praia no domingo. Você abastece o carro, liga para seus amigos, combina com sua família, deixa as cadeiras e o guarda-sol no porta-malas, separa a roupa para o dia seguinte. Mas, ao acordar, está uma chuva torrencial, com alagamentos e alerta de furacão. Você busca meios de seguir com o planejado, mas o clima não permite e o jeito é ficar assistindo TV em casa.

Agora, seguindo nesse exercício de imaginação, considere que onde você vive é proibido não apenas ir à praia, mas somente tentar ir à praia já é passível de prisão. Você tentou, o clima não deixou, mas já estaria em situação complicada. Sorte é que, por enquanto, tentar ir à praia não representa risco à democracia.

Assina aqui

A lei que fala sobre tentativa de abolição do Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado, crimes pelos quais os réus estão respondendo, é a 14.197/2021. Se você quiser acrescentar um tanto de ironia ao caso, pode percorrer todo o texto da norma, ir às assinaturas, e perceber que ela foi feita, publicada e assinada no governo de Jair Bolsonaro.

E mais, dos cinco que a subscrevem, Jair Bolsonaro, Anderson Torres, Braga Netto, Damares Alves e Augusto Heleno, apenas a senadora ficou longe de problemas com a legislação que assinou. Todos os outros estão no chamado “núcleo crucial da tentativa de golpe” e a situação política deles é tão ruim que já aguardam a condenação desde antes do processo iniciar.

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