Terezinha Nunes: Raquel Lyra e as agruras de uma Assembleia hostil
Coincidência ou não, todos os governadores (temidos) que antecederam Raquel tiveram um relacionamento menos conturbado com a Assembleia Legislativa

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-“É melhor ser temido do que amado, se não se pode ter as duas coisas” – ensinou Nicolau Maquiavel, o famoso filósofo e historiador italiano em sua obra “O Príncipe” publicada em 1532 e considerada um guia sobre como chegar e se manter no poder. Numa época em que o poder, como foi até recentemente aqui no estado, era coisa quase exclusiva dos homens, talvez até pela necessidade de serem temidos, os governadores que só tiveram a carreira interrompida quando Raquel Lyra se elegeu em 2022, eram conhecidos como “homens de cara fechada”. Após conhecer Jarbas Vasconcelos que fora visitá-lo durante o exílio, Miguel Arraes confessou a Dona Madalena : “esse é mais chato do que eu”. Ambos exibiam gargalhadas ao ouvir piadas ou contar causos políticos mas em 90% do tempo mantinham o semblante carregado.
Coincidência ou não, todos os governadores (temidos) que antecederam Raquel tiveram um relacionamento menos conturbado com a Assembleia Legislativa. Desde que se elegeu em 2022 com o apoio de apenas três deputados, a governadora tem, na linguagem corriqueira, “comido o pão que o diabo amassou”- como se fala popularmente. Na onda da independência legislativa que juntou 30 deputados antes mesmo da posse, ela já começou, ao contrário dos antecessores, sem eleger alguém de sua confiança para a presidência da Alepe. O eleito foi consagrado pelos deputados, sem qualquer vínculo com o Palácio, apesar de colega de partido da governadora. Ela ainda conseguiu fazer a presidência das três principais comissões da casa, respirando melhor nos dois primeiros anos mas, desde o início de 2025, as comissões estão entregues a uma oposição cada vez mais hostil.
Empréstimos emperrados
“Jamais poderíamos imaginar que pedidos de empréstimo de governadores gerassem problemas em Pernambuco. A Assembleia recebia os mesmos e aprovava com urgência e por unanimidade como vinham do Palácio” – recorda-se o decano da casa, deputado Antonio Moraes, fazendo uma comparação com os R$ 3.2 bi de empréstimo que a governadora enviou para a Alepe – o primeiro há mais de três meses – e ainda não foram votados.
Imaginava-se que haveria uma trégua quando o relator deputado Waldemar Borges disse que liberaria seu relatório esta semana e ele o fez mas mudando o objetivo: estabeleceu que 50% dos recursos fossem para obras municipais quando a governadora se refere a ações estruturadoras, como o Arco Metropolitano. A semana também foi marcada pela confirmação da CPI da Publicidade, criada pela Oposicão, o que acirrou ainda mais os ânimos.
Matuto: “essa mulher”
Moraes elenca muitos motivos para a situação chegar aonde chegou, inclusive a falta de diálogo entre o presidente Álvaro Porto e a governadora, hoje praticamente rompidos, mas acha que há uma questão latente por trás : “ é o fato dela ser mulher. Foi testada de todas as formas, acharam que ela se quebraria fácil mas isso não ocorreu. Ela, ao contrário, tem crescido na adversidade e vai crescer mais e está levando o desespero à oposição”. Na linha do que fala Moraes, esta semana 29 deputados assinaram uma moção de repúdio ao deputado Junior Matuto, do PSB , que, em aparte à deputada Dani Portela, usou palavras de baixo calão referindo-se à governadora e a tratou como “essa mulher”.
Na outra ponta da linha, como um dos principais líderes da Oposição, o deputado Waldemar Borges tem visão diferente sobre o que ocorreu desde que Raquel assumiu. Afirma que a governadora “nunca teve disposição para o diálogo e os problemas começaram quando ela não respeitou o tamanho das bancadas para escolher os presidentes das comissões, impondo seus nomes. Acredito que ela tem aversão ao PSB ( o partido elegeu 14 deputados e tem a maior bancada até hoje) e com isso apequenou sua gestão. Trata adversários como inimigos. Eu me dispus no início a me entender com ela mas não houve reciprocidade”.
Pontes e muros
Segundo ele, “ as cabeceiras das pontes estavam montadas mas ela preferiu erguer muros. Quando falava conosco era para se referir ao PSB de forma hostil. Podia hoje estar com a Alepe pacificada e cuidando das entregas”. Antonio Moraes lembra, a respeito disso, que “ normalmente os presidentes das Assembleias é que faziam a ponte do Palácio com a Alepe. No tempo de Eduardo Campos eu era oposição mas consegui uma audiência com o governador. Ele me mostrou um quadro no gabinete e disse: “você já conhecia esse quadro? Eu disse não e ele falou : acho que só uns oito deputados conhecem ele”. O parlamentar entendeu que é porque só oito deputados teriam ido ao gabinete: “Guilherme Uchoa resolvia tudo e só nos comunicava”- conclui.
Não é à-toa que Waldemar Borges se refere ao PSB, o partido que não deu a Raquel o direito de disputar a Prefeitura de Caruaru. Por isso, certamente, as coisas ficaram travadas entre ela e a legenda, desaguando com sua eleição em 2022. E o PSB não fez por menos na Alepe. A articulação da independência legislativa passou pela bancada do partido, a maior da casa, e que tem força até hoje. A ideia de tomada das comissões passou pelos socialistas que para isso se juntaram até com o PL de Bolsonaro. Antonio Moraes afirma que a situação de hoje é obra muito mais dos socialistas do que dos demais partidos de oposição: eles resolveram antecipar o debate eleitoral que, antes do tempo, prejudica qualquer Governo”.
Visões personalistas
A cientista política Priscila Lapa entende que, assim como ocorre no Brasil, “Pernambuco vive sob uma visão personalista da política”. Isso estaria contribuindo, entre outras coisas, segunda ela, “para a Oposição mostrar indisposição com as ações da governadora que visam o bem estar do estado, o que não é razoável e nem desejável”. Ela lamenta termos chegado a isso: “fala-se na pessoa da governadora e não no trabalho que ela está fazendo. Não se discute o estado, não se faz uma análise mais estruturante do mesmo. Discute-se mais sobre como eu ajo ou como eu reajo, sempre sob o prisma da personificação”.
Na sua visão, “há uma perda substancial na essência do debate político. Não se fala em visões de mundo, em modelos de sociedade, mas sim em questões políticas calcadas em visões menores”. No seu entender, indo por este caminho, é muito difícil haver diálogo e bom senso”. Constata ainda que “a governadora nessa situação tem dificuldade de trabalhar. A impressão que dá é que a classe política não está unida a respeito de quase nenhuma questão, ao contrário do que acontece em outros estados.