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Presidente da Alepe assume ares de líder da oposição e tira protagonismo do PSB

A sabedoria popular tem um ótimo ditado para espelhar o que está acontecendo em Pernambuco. É uma frase irretocável: "dois bicudos não se beijam".

Por TEREZINHA NUNES Publicado em 18/05/2025 às 8:36 | Atualizado em 18/05/2025 às 9:33

Raquel Lyra assumiu o mandato no início de 2023 e, um mês depois, o deputado  Álvaro Porto, do seu próprio partido na época - o PSDB - foi eleito para comandar a Assembleia, num movimento de independência jamais visto no estado, logo encarado pelo Palácio das Princesas como “coisa da oposição” pelo fato de reunir com proeminência os 13 deputados estaduais do PSB, que, quem entende de politica, começou a botar as barbas de molho.

Não pelo simples fato do PSB, derrotado por Raquel ainda no primeiro turno, ter eleito a maior bancada da casa, com 13 deputados, enquanto a governadora só tinha três deles eleitos pelo seu ex-partido o PSDB, mas pelo modo de agir dos dois protagonistas dessa história: a própria governadora, que, como prefeita de Caruaru, não amansou no relacionamento com a Câmara de Vereadores, vencendo pelo cansaço e pela popularidade os amuos que chegavam aos seus ouvidos; e o novo presidente da Alepe, que assumia azeitado pelo movimento de independência e que era conhecido no meio político por “não levar desaforo para casa”.

Vagas do TCE entornaram o caldo

Os problemas de relacionamento entre os dois foi exposto logo no primeiro embate ainda no mês de janeiro de 2023 quando Raquel, recém empossada, ensaiou o lançamento da candidatura do deputado Antonio Moraes para presidente, mesmo sabendo que Álvaro contava com os votos fiéis de 30 dos 49 parlamentares, grande parte em primeiro mandato. Há quem diga que, mesmo Antonio tendo retirado seu nome da disputa, Álvaro não teria perdoado o gesto por ter participado da campanha da governadora desde os seus primórdios. E conservou a trava.

Não aceitou acordo sobre as duas vagas disponíveis no Tribunal de Contas – terreno onde todos os governadores sempre influíram muito bem – indicando, com o apoio da maioria da Alepe, o advogado Eduardo Porto, seu sobrinho e filho do conselheiro que se aposentou no início daquele ano, Carlos Porto, e o deputado Rodrigo Novaes, do PSB, e seu braço direito no movimento de independência legislativa.

De lá para cá, o presidente e a governadora se reuniram algumas vezes mas nunca demonstraram contentamento diante do que acontecia nas sedes dos poderes que representam. A situação só fez piorar mas, apesar disso, o que o Governo enviou para a Alepe de projeto até o ano passado conseguiu aprovação, incluindo empréstimos, fundamentais para o programa de obras que está tocando e para colocar as contas do estado em dia.

Pagamento de emendas na mira

Se houve por conta do Palácio pouca atenção ao diálogo, que é fundamental para o estado, a Assembléia tomou atitudes inusitadas quando aprovou Projetos de Emenda Constitucional que deram aos deputados estaduais, em termos de participação nas emendas orçamentárias, o mesmo privilégio conferido hoje aos deputados federais, incluindo as emendas PIX em que o dinheiro é destinado ao município, mesmo sem um projeto de aplicação previamente aprovado.

É conhecida a resistência de todos os governadores pernambucanos ao pagamento de emendas parlamentares. Para isso contaram com uma infernal burocracia que não conseguia andar mas que só costumava valer para a oposição pois os governistas sempre recebiam seus valores.

Com Raquel nem mesmo os governistas tiveram o êxito esperado, tanto que parte das emendas de 2024, ainda não pagas apesar de haver obrigação constitucional neste sentido, deixaram na mão governistas e oposicionistas. Só aqueles que adotaram as emendas PIX receberam 100% do solicitado. O Governo afirma que as emendas não pagas estão emperradas na burocracia.

Boca no trombone

Se, diante desta situação, os governistas não reclamaram – são beneficiados pelas obras que o próprio Governo toca – os oposicionistas botaram a boca no trombone e com o apoio do presidente da Alepe, começaram ocupando a presidência das comissões mais importantes da casa , antes dirigidas por deputados governistas, e passaram a barrar as iniciativas do Governo.

Há mais de 45 dias – contra tudo o que o regimento da Alepe diz e a Constituição estadual também - estão presos nas comissões de Justiça, Finanças e Administração um projeto de empréstimo de R$ 1,5 bi para obras de infraestrutura e a sabatina do novo administrador da ilha de Fernando de Noronha, um paraíso do estado e do país, cuja administração está vacante.

Para complicar, o próprio Álvaro, que antes só criticava o Governo nos bastidores, assumiu a tribuna na semana passada, para regozijo dos deputados do PSB, e comandou ataques fortes à política de segurança, acusou o Governo de estar manipulando dados do número de homicídios e declarou que se arrependeu de ter votado em Raquel.

Foi muito aparteado e elogiado pelos demais oposicionistas. Para completar, o presidente, no dia seguinte, comandou uma blitz ao Hospital da Polícia Militar na qual denunciou falta de medicamentos e assistência precária.
- “Quem diz que só agora eu sou oposição não deve estar acompanhando meu trabalho” – comentou com riso irônico à respeito de publicações na imprensa registrando o fato de que ele finalmente assumiu o posto.

PSB a reboque

O PSB ficou, neste caso, a reboque do presidente, embora ele próprio já tenha declarado apoio ao prefeito do Recife, João Campos, adversário de Raquel e também candidato a governador em 2026.

“O PSB está na moita, esperando o circo pegar fogo pois lá só tem raposas”- afirmou a este blog um deputado federal de linha independente sobre o imbróglio criado entre a Alepe e o Palácio e que chegou ao ponto de levar a bancada governista a trancar a pauta da casa, atitude que prejudica mais o próprio Governo do que a Alepe.

Na verdade, o PSB chegou ao ponto de aceitar entregar a presidência das comissões de Justiça e Finanças aos deputados Alberto Feitosa, do PL e Antonio Coelho, do União Brasil, cada vez mais oposicionistas, porque, fiel a máxima de que “vão-se os anéis mas ficam os dedos”, sabia que não ganharia as duas comissões mas teria maioria para derrotar o Governo.

Instinto de sobrevivência

JAILTON JR/ JC IMAGEM
Deputado Coronel Alberto Feitosa (PL) - JAILTON JR/ JC IMAGEM

O deputado Alberto Feitosa, considerado hoje o mais próximo do presidente, acha que Álvaro está com sua forma de agir, “se defendendo pois o Governo tem procurado atingir as duas bases no interior”.

A cientista politica Priscila Lapa entende que desde o início do seu mandato o presidente da Alepe “vem mostrando desprendimento da solenidade do cargo, com uma atuação política mais independente e com apoio da casa”. Segundo ela “o movimento de independência do legislativo que começou na Câmara Federal é um caminho sem volta e o presidente tem se beneficiado dele”.

Ela acha ,no entanto, que “quando o rito institucional não é respeitado tem consequências, incluindo a não liberação de emendas. Houve momentos – afirma - em que isso chegou ao ponto da misoginia e violência politica quando o deputado usou palavras inadequadas se referindo à governadora e o microfone estava aberto, causando enorme constrangimento”.

Risco de isolamento político

Para ela, no entanto, “a relação de atrito não interessa ao Executivo nem ao Legislativo”. E chama atenção para a possibilidade do presidente da Alepe “enfrentar o isolamento político. A postura de oposição precisa estar embasada em uma estrutura politica que que garanta mais ganhos do que perdas. Continuando assim, como o estado tem seu orçamento e suas politicas centralizadas, ele pode vir a experimentar um esvaziamento do grupo político que se proponha a estruturar”.

Enxergando isso já há, entre amigos e correligionários do deputado Álvaro Porto, um movimento para tentar acalmar os ânimos de forma a permitir que seu relacionamento com o Palácio não azede cada vez mais, podendo, em certo momento, diante da postura de oposição que ele tem adotado, criar dificuldades institucionais.

“Já pensou o que significa presidente do poder legislativo que representa toda a casa diante do Executivo só vir a representar uma parte dos deputados e não o seu todo?” – indaga, com preocupação, um deputado governista, imaginando o que possa estar por vir.
E, pelo visto, pode não ser boa coisa.

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