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Alienação Parental: lei completa 15 anos com desafio de dar voz à criança e não impor afetos

Legislação prevê medidas como advertência, multa e até mudança de guarda, mas especialistas ressaltam a importância do apoio psicológico

Por Cristiane Ribeiro Publicado em 26/08/2025 às 13:28 | Atualizado em 26/08/2025 às 13:29

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A alienação parental, definida pela Lei nº 12.318/2010, ocorre quando um dos responsáveis dificulta ou impede a convivência da criança com o outro genitor. Aproveitar-se da vulnerabilidade do menor para inserir falsas memórias, desqualificar o pai ou a mãe e restringir o contato sem motivo são algumas práticas listadas pela legislação, que completa 15 anos nesta terça-feira (26).

Embora não seja crime, a prática é passível de punições civis e administrativas, como advertência, alteração da guarda e acompanhamento psicológico. A dúvida que persiste, no entanto, é se a lei consegue, de fato, reparar os danos à formação da criança e à relação familiar.

O que diz a Lei de Alienação Parental?

A legislação tem como objetivo proteger crianças e adolescentes de situações de conflito familiar, assegurando que os vínculos familiares sejam saudáveis com ambos os genitores.

Dessa forma, é definido como alienação parental qualquer ato que interfira na formação psicológica do menor e prejudique o relacionamento com um dos pais, tais como:

  • Criar obstáculos para o contato ou visitas do filho com o pai ou a mãe;
  • Desqualificar de forma contínua a conduta do genitor no exercício da maternidade ou paternidade;
  • Omitir informações relevantes sobre a vida da criança ou adolescente;
  • Mudar de residência sem justificativa, dificultando a convivência;
  • Fazer acusações falsas para prejudicar a relação entre filho e genitor.

Esses mecanismos são usados para fazer a criança "acreditar numa circunstância que não foi vivida de fato, sepultando as memórias positivas e reais compartilhadas com o genitor alienado", explica a advogada Gisele Martorelli.

Houve alienação parental. E agora?

Segundo dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são registradas, em média, 4,5 mil ações de alienação parental por ano, número que chegou a 5.152 processos apenas até outubro de 2023, em meio a divórcios litigiosos e disputas de guarda.

Embora haja debates em torno do uso indevido da lei, "mensagens, áudios, vídeos e testemunhos podem ser fundamentais para comprovar o caso", explica o advogado e mestre em Direito Civil Luís Henrique Azevedo.

O genitor responsável pela alienação, além de ser advertido e multado, pode sofrer "suspensão do direito de convivência, modificação do direito de guarda, restrição ou ampliação do direito de convivência", continua.

Uma vez constatada a alienação, "a lei não diz nada especificamente sobre os próximos passos, mas a gente pode analisar a questão de acordo com os princípios do Direito da Família, que é o da solidariedade familiar, da busca pela felicidade e do exercício das responsabilidades parentais", explica o advogado.

Isso significa que, em um mundo ideal, a criança teria o acompanhamento psicológico determinado pela justiça e a relação entre os genitores passaria a ser harmônica. Todavia, esse não é o mundo real.

Ainda é possível reestabelecer laços?

Especialista em Psicologia Clínica, Cognitiva e Jurídica, Sonia Carneiro Proto explica que, quando uma criança vítima de alienação parental chega ao atendimento psicoterápico, ela "chega robotizada. Ela não pensa, tudo ela justifica. E tem uma prontidão para as respostas". E aí que mora o desafio de estimular a criança a pensar e falar por si mesma.

Para a psicóloga, a principal ferramenta para isso é o brincar. "Conversamos com a criança por meio do brincar. E não conversamos sobre família, conversamos sobre ela, que é o que interessa". Por que, na realidade, "a alienação parental é colocar a criança no lugar de um objeto".

Ela aproveita para reforçar que o tratamento não objetiva reestabelecer os vínculos perdidos, muito menos dizer que ela foi enganada por um genitor. "O objetivo é ela [a criança] se dar conta dos afetos dela, e não criar um afeto direcionado", lógica que se igualaria à própria alienação parental.

Mas de nada adianta se não houver a participação positiva da família. Sonia faz questão de enfatizar que, "quando falamos de alienação parental, temos que trabalhar o parental". O tratamento inclui a presença de irmãos, avós e pessoas do cotidiano, criando um ambiente que estimule a construção de percepções próprias da criança.

Os vínculos abalados ou perdidos em decorrência da alienação parental são, na perspectiva de Sonia, possíveis de serem recuperados. Mas a terapia não vai impor isso à criança, e sim abrir os caminhos para que ela entenda o que aconteceu e crie os seus próprios afetos.

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