OPINIÃO | Notícia

O outro lado do dia dos pais: famílias monoparentais e exclusão

A ausência do pai no registro não é apenas um ato de omissão burocrática; é uma manifestação de desprezo e descompromisso com a vida ....

Por PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO Publicado em 12/08/2024 às 0:00 | Atualizado em 12/08/2024 às 8:35

Os números divulgados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entre janeiro e julho de 2024, revelam uma realidade preocupante e, infelizmente, persistente no Brasil: de um total de 1.456.527 nascimentos nesse período de 7 meses, 99.171 crianças foram registradas apenas no nome da mãe, refletindo a ausência paterna em 6,8% dos casos. A situação é ainda mais comum nas regiões Norte e Nordeste, onde os percentuais de pais ausentes são expressivos.

Na região Norte, o cenário é particularmente crítico. Com 161.872 registros de nascimento, 15.098 crianças não tiveram o nome do pai incluído no registro, o que representa 9,32% dos casos. O Nordeste, embora apresente números absolutos mais elevados, com 389.707 registros e 30.034 pais ausentes (7,7%), segue a mesma tendência. Em Pernambuco, a realidade não é diferente: 4.324 crianças (6,67%) foram registradas sem a presença do pai.

Esses dados não são apenas números em um relatório, mas refletem um problema estrutural profundo, que afeta diretamente a vida das mães solteiras e de suas crianças, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão social. A ausência paterna, especialmente em regiões onde as condições socioeconômicas já são desafiadoras, tem implicações que vão além do âmbito familiar, impactando o desenvolvimento econômico e social dessas áreas.

O custo econômico dessa ausência é significativo. Crianças criadas em famílias monoparentais, muitas vezes, têm menos acesso a recursos essenciais, como educação e saúde de qualidade, o que compromete seu desenvolvimento e limita suas oportunidades futuras. Essa limitação, por sua vez, reduz o potencial de capital humano dessas regiões, impactando negativamente a produtividade e a capacidade de crescimento econômico local.

O peso do abandono paterno recai quase exclusivamente sobre as mães, que, muitas vezes, já se encontram em situações de vulnerabilidade social e econômica. Essas mulheres, além de terem que lidar com o impacto emocional do abandono, enfrentam uma sobrecarga financeira e psicológica, uma vez que são forçadas a assumir sozinhas a responsabilidade de criar e sustentar seus filhos. Isso gera uma pressão quase insustentável, o que compromete não apenas o bem-estar das mães, mas também o futuro das crianças.

Para enfrentar essa realidade, é imperativo que o governo adote políticas públicas que não apenas reconheçam a gravidade do problema, mas atuem de forma eficaz para mitigar seus efeitos. Entre as medidas possíveis, destacam-se o fortalecimento dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Mães de Pernambuco, com um foco especial em mães solteiras. Essas mulheres precisam de apoio financeiro para garantir que suas crianças tenham acesso aos serviços básicos necessários, como acesso prioritário a creches, para quebrar o ciclo de pobreza.

Além disso, a criação de programas de capacitação profissional voltados para mulheres em situação de vulnerabilidade pode proporcionar novas oportunidades de emprego e renda, especialmente nas regiões mais afetadas, como o Norte e o Nordeste. Esses programas devem ser acompanhados de incentivos para empresas que contratam mães solteiras ou que oferecem condições de trabalho flexíveis para essa população.

Outra medida crucial é o reforço das leis de responsabilidade parental, garantindo que os pais cumpram suas obrigações, bem como a criação de redes de apoio comunitário que possam oferecer suporte emocional e prático para essas mães. Essas redes podem desempenhar um papel fundamental na redução da sobrecarga que recai exclusivamente sobre as mulheres, promovendo um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das crianças.

A ausência do pai no registro não é apenas um ato de omissão burocrática; é uma manifestação de desprezo e descompromisso com a vida de uma criança que deveria ser protegida e cuidada. O Estado tem o dever de protegê-las e garantir que todos os pais assumam suas responsabilidades. Não se trata apenas de uma questão legal, mas de justiça social. É preciso quebrar esse ciclo de abandono e construir uma sociedade em que todas as crianças tenham a chance de crescer em um ambiente seguro e acolhedor, com o suporte necessário para desenvolver seu pleno potencial.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.

 

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