É uma encenação o vídeo em que agentes de saúde tentam obrigar mãe a vacinar filho contra covid
Prefeitura de Piraquara esclareceu que as visitas realizadas no município não têm caráter coercitivo; perfil omite diversas informações

Agentes oficiais de saúde e de assistência social de Piraquara (PR) não tentaram obrigar uma mãe a vacinar seu filho contra a covid-19, diferentemente do que é sugerido em vídeos que circulam no TikTok e no Twitter.
O conteúdo investigado traz uma cena em que uma mulher relata estar sendo pressionada por um agente de saúde e uma assistente social a vacinar o filho de oito meses contra a covid-19. Eles teriam batido à sua porta e afirmado que, caso ela não realizasse a imunização, seria multada.
Embora o vídeo tenha sido publicado originalmente por um perfil no TikTok com o nome de Sâmela Miranda, a mulher no vídeo se identifica aos supostos agentes municipais com outro nome: Gislaine Rosane.
Há evidências de que é tudo uma encenação. A mais importante delas é o fato de que, na conta de Sâmela, é possível ver vários vídeos de encenação, nas quais as mesmas pessoas assumem diferentes papéis — em outro vídeo, por exemplo, ela se identifica como Ana.
Em nenhum momento, no entanto, as postagens deixam claro que as situações mostradas são fictícias. Muitos comentários indicam que parte do público acredita que as cenas representam casos reais.
Além disso, a Prefeitura de Piraquara, onde Sâmela reside, nega fazer esse tipo de abordagem.
Contatada pelo Comprova, a prefeitura informou que as visitas realizadas no município não têm caráter coercitivo e têm como foco a orientação em saúde.
A gestão municipal afirma ainda que “as visitas domiciliares são realizadas exclusivamente por Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), devidamente identificados com crachá e colete vermelho” – o que não aparece no post.
Na cena gravada, uma das pessoas está com um jaleco branco, normalmente usado em ambientes hospitalares. Além disso, seus rostos não são exibidos.
O que diz a lei brasileira?
A vacinação de crianças em casos recomendados pelas autoridades sanitárias é obrigatória de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990.
Como mostrou o Comprova em abril, ainda assim, alguns pais e mães podem se recusar a imunizar seus filhos.
Quando isso ocorre, as unidades de saúde devem encaminhar a questão ao Conselho Tutelar e, se a recusa continuar, o caso pode seguir ao Ministério Público, que solicitaria à Justiça a aplicação de multa.
Conteúdo está em conta de pessoa identificada como atriz
Os vídeos foram publicados originalmente na conta de uma pessoa identificada como Sâmela Miranda no TikTok. Na cena investigada, no entanto, ela atende pelo nome de Gislaine Rosane.
Seu perfil tem 87,3 mil seguidores e publica vídeos com encenações que já lhe renderam mais de 780 mil curtidas. Somente um dos vídeos verificados pelo Comprova foi visualizado 364 mil vezes.
O perfil de Facebook da Sâmela informa que ela é atriz e que reside na cidade de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba.
Essa informação é consistente com outras publicações em seu perfil, como em um vídeo em que ela aparece no estacionamento do Supermercado Jacomar.
O Comprova identificou o local ao comparar elementos visuais do vídeo com imagens do supermercado disponíveis no Google Street View.
O perfil de Sâmela indica que ela é casada com Kauê de Aguiar, que publica os mesmos vídeos com encenações no TikTok e no Instagram.
Ele aparece em vários dos conteúdos, desempenhando diferentes papeis. No vídeo da vacina, é possível identificar pela voz que ele interpreta o agente de saúde.
Kauê, no entanto, é dono de uma barbearia em Piraquara, cujo endereço ele divulga nas redes sociais.
O Comprova tentou contato com Sâmela e Kauê, por diferentes meios, para confirmar as informações e esclarecer detalhes da situação relatada em vídeo, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.
Imagens circulam nas redes sem contexto
A linguagem audiovisual usa imagens e sons para criar narrativas que podem estimular fortes reações emocionais, sobretudo quando parecem autênticas.
O vídeo investigado pelo Comprova apresenta uma cena de ameaça a um bebê gravada por uma mãe com seu próprio celular, o que provoca indignação especialmente em pessoas críticas à vacinação.
No entanto, o perfil omite diversas informações. E são esses vazios que, juntamente com as reações emocionais provocadas, se aproveitam da nossa atenção precária nas redes sociais para nos fazer crer na veracidade de algo simulado.
Em primeiro lugar, o vídeo esconde os rostos das pessoas que a criadora do vídeo apresenta como profissionais de saúde.
O suposto agente também omite o nome da cidade ao se apresentar como sendo “do posto de saúde da sua cidade”.
Quem assiste somente ao vídeo investigado não percebe que em outras publicações do perfil no TikTok algumas pessoas reaparecem interpretando diferentes papeis.
A própria responsável pelo perfil se apresenta com um nome diferente na cena gravada.
Em uma página do Facebook, cujo link é fornecido na descrição de seu perfil, ela usa ainda um terceiro nome e diz que é atriz, informação que omite no TikTok.
Fontes que consultamos
Prefeitura de Piraquara, os canais da autora do post e leis vigentes sobre a obrigatoriedade das vacinas para crianças no Brasil.
Por que o Comprova investigou essa publicação
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.
Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
Uma checagem anterior da coalizão esclarece que a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 é prevista em lei, mas não implica imunização forçada.
Na seção Comprova Explica, o projeto mostrou como a desinformação sobre vacinas distorce dados e compromete a confiança pública.
A checagem foi publicada em 21 de maio de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.
A investigação foi conduzida pelo Jornal do Commercio e Correio Braziliense, e o conteúdo também passou por verificação de O Popular, Folha de S. Paulo e Estadão.
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