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Pressão econômica nos EUA impulsiona reaproximação entre Lula e Trump, diz cientista político

Queda na popularidade, impacto das tarifas e influência de Marco Rubio são apontados como fatores que moldam a nova postura de Trump

Por Isabella Moura Publicado em 07/10/2025 às 14:51

Durante o programa Passando a Limpo desta terça-feira (25), o professor Antônio Lucena, doutor em Ciência Política, analisou os desafios na reaproximação diplomática entre Lula e Donald Trump. A conversa aconteceu em meio às especulações sobre um possível realinhamento entre os dois líderes, impulsionado por uma ligação telefônica recente e mudanças no cenário político-econômico internacional.

Recentemente surgiram informações de uma ligação telefônica entre o presidente Lula e o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que marcou uma possível reaproximação entre os dois líderes, após anos de distanciamento diplomático. De acordo com o cientista político, havia uma “animosidade” evidente entre os dois presidentes, e o Itamaraty enfrentava dificuldades em estabelecer canais efetivos com a Casa Branca.

“No púlpito da Assembleia Geral da ONU, Trump chegou a elogiar Lula”, relembra Lucena. “Depois disso, houve um encontro direto e, mais recentemente, a conversa por telefone, que parece indicar uma mudança de humor significativa por parte do americano.”

Um dos fatores que podem ter contribuído para essa mudança de postura, segundo Lucena, é o impacto negativo das tarifas impostas por Trump à economia americana.

“A política tarifária errática está prejudicando pequenos comerciantes e setores do agronegócio”, afirma.
A China, em resposta às tarifas, reduziu drasticamente a compra de soja dos Estados Unidos, beneficiando produtores brasileiros.

O professor destaca que as exportações brasileiras caíram em determinados setores, como o café, mas conseguiram se manter no geral, com crescimento de 1,9%. Isso se deu graças à diversificação dos mercados compradores. “O Brasil está conseguindo escoar sua produção para outros países, o que enfraquece os efeitos das sanções americanas.”

Outro fator citado foi a mobilização do setor empresarial brasileiro e americano. “Empresários como Joel Ezebatista buscaram diálogo com os EUA, enquanto o empresariado americano começou a pressionar a Casa Branca por perdas em contratos com o Brasil.”

Lucena reforça que a longa relação comercial entre os dois países não pode ser ignorada. “São mais de 100 anos de vínculos comerciais, que não se desconstroem facilmente.”

Marco Rubio: obstáculo político à aproximação

Para Antônio Lucena, um dos maiores entraves à retomada plena das relações é o senador Marco Rubio, atual secretário de Estado americano. “Rubio é uma figura extremamente crítica em relação à América Latina e ao Brasil. Ele representa a ala mais dura da política externa dos EUA.”

Embora alguns tenham interpretado a nomeação de Rubio como um sinal de endurecimento, Lucena sugere outra leitura: “Talvez o presidente Trump tenha o designado para resolver um problema que ele mesmo ajudou a criar. Isso pode ser mais uma manobra estratégica do que uma escalada nas tensões.”

Segundo Lucena, há divergências dentro da própria administração americana quanto ao caminho a seguir. “O Departamento do Tesouro, mais técnico e menos ideológico, se opôs às sanções contra o Brasil, alegando que seriam contraproducentes. Alertaram, inclusive, que isso poderia empurrar o Brasil para mais perto da China e da Rússia.”

Popularidade de Trump e reconfiguração interna nos EUA

A queda de popularidade de Trump também influencia esse novo contexto diplomático. “Pesquisas recentes indicam que ele está mal avaliado e que os republicanos podem perder o controle de uma ou das duas casas legislativas nas próximas eleições”, alerta o cientista político.

A instabilidade econômica também pesa. “A tentativa de reindustrialização por meio de tarifas fracassou. A inflação está alta, há escassez de insumos — especialmente após a China suspender a exportação de ímãs essenciais para carros elétricos — e setores como o agro enfrentam dificuldades.”

Lucena aponta ainda o papel estratégico do Brasil na geopolítica global: “Temos a segunda maior reserva de terras raras do mundo, atrás apenas da China. Isso nos torna um ator importante, especialmente diante da disputa por supremacia tecnológica.”

Sanções políticas e a Lei Magnitsky

Sobre as sanções impostas a autoridades brasileiras sob a chamada Lei Magnitsky, Lucena considera que houve um mau uso do instrumento. “Essa lei é voltada para punir violadores graves de direitos humanos, como genocidas. Aplicá-la a um juiz brasileiro, cujas decisões seguem a legalidade, é um exagero.”

Internamente, há divergências entre o Departamento de Estado — sob influência de Rubio — e o Departamento do Tesouro, que é contra sanções mais duras. “As sanções políticas talvez demorem mais a recuar, ao contrário das tarifas econômicas, que podem ser flexibilizadas após um eventual encontro presencial entre Lula e Trump.”

“Trump só pensa nele mesmo”

Lucena encerra com uma observação sobre o perfil de Trump: “Ele só pensa nele mesmo. Se fala em ‘química’ com Lula, é porque enxerga nisso uma oportunidade de ganho político. Se for conveniente para ele, pode apresentar a aproximação com o Brasil como uma vitória pessoal.”

Para o especialista, um encontro presencial entre Lula e Trump, possivelmente na Malásia ou com uma visita bilateral, poderá ser decisivo. “A realidade política e econômica dos Estados Unidos está forçando Trump a recalcular rotas. E o Brasil pode se beneficiar disso, se souber jogar com inteligência.”

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