Jones Manoel: Comunista combate bolsonaristas na arena digital e fura bolha
Comunista pernambucano se destaca nas redes, desafia bolsonaristas em debates e cobra políticas concretas da esquerda tradicional no Brasil

Clique aqui e escute a matéria
Enquanto a direita nacional parece reinar absoluta como detentora da comunicação nas redes sociais, um militante comunista pernambucano de 35 anos vem conseguindo furar a bolha na "arena digital". Com 1,4 milhão de seguidores e um "gigantesco time de duas pessoas", o recifense Jones Manoel se tornou figura de relevância e destaque no debate político do país.
Em entrevista ao quadro "Sem Arrudeio", do JC Play, que foi ao ar na última sexta-feira (5), Jones não descarta concorrer à Presidência da República em um futuro próximo e se apresenta como alternativa "anti-sistema".
Acompanhe a entrevista completa abaixo:
Um levantamento feito pela Folha de São Paulo aponta Jones como a figura política que mais cresceu nos últimos 90 dias no Brasil, à frente de nomes como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) e o presidente Lula (PT).
De acordo com Jones, seu crescimento nas redes sociais se explica pela dificuldade da "esquerda liberal" de falar dos "problemas reais", além de um entendimento do funcionamento das redes sociais, com estratégia de cortes e "viralização".
"Eu não tenho um compromisso com essa esquerda que tá aí. A gente vem numa perspectiva de renovar a esquerda brasileira num debate marxista e numa proposta radical. Por outro lado, eu acho que eu entendi o básico de funcionamento das redes sociais, de como surfar em cima do algoritmo e conseguir viralizar, como falam os jovens", disse.
"Então, a dinâmica de cortes, de uso de redes, participação em debate, é uma estratégia de divulgação de conteúdo, multiplataformas e por aí vai, e tudo isso com a equipe bem pequena, né? Na prática, na prática, a gestão das minhas redes sociais é feita por mim e por Maxwell. O gigantesco time de duas pessoas", complementou.
Jones também aponta que uma parte da sua estratégia nas redes sociais é de se colocar como um "comunista de verdade", destacando que o comunismo foi colocado no debate pela extrema-direita nos últimos anos, atribuindo o fato a influenciadores de direita.
"Nos últimos 10 anos, a extrema-direita colocou na ordem do dia o debate sobre o que é comunismo. Então, inclusive esses influencers de extrema-direita, Olavo de Carvalho, pessoal do MBL e por aí vai, todo mundo eles chamavam de comunista. E aí acho que tem uma curiosidade das pessoas conhecerem um comunista de verdade", disse.
"Muita gente quer conhecer um comunista de verdade, saber o que defendemos para saúde, educação, mobilidade, economia. Recebo muito retorno de pessoas dizendo: 'não sou comunista, sou até de direita, mas concordo com o que você falou'. Quanto mais conhecem o debate comunista, mais percebem proximidade com nossas propostas", complementou.
Descrença na política e "demanda global por radicalização"
Jones aponta que é possível levar pautas do comunismo ao debate nacional, mesmo em meio ao cenário de descrença na política, que persiste no país.
De acordo com o militante, muitos jovens se aproximaram da extrema-direita por uma "aparência de radicalidade", mas que não representa uma adesão a pautas conservadoras.
"A extrema direita assumiu uma feição antissistêmica, contestadora, de rebeldia. Muitos jovens se aproximaram dela por essa aparência de radicalidade, não por adesão ao conservadorismo em si. Há também o desespero: não há garantias de futuro melhor, emprego ou estabilidade. Diploma de universidade não assegura mais uma vida digna", disse.
De acordo com Jones, existe "demanda global por radicalização", em especial na juventude, citando, como exemplos à direita, a vitória eleitoral de Javier Milei, na Argentina, com votação ampla entre jovens, mas destacou outros exemplos à esquerda, com as vitórias de Gabriel Boric, no Chile, e de Gustavo Petro, na Colômbia.
"A juventude anseia por mudanças radicais. [...] O que queremos é oferecer uma verdadeira esquerda antissistêmica, que questione a fundo o estado de coisas e apresente perspectiva de futuro", explicou.
Para Jones, a descrença na política nacional é plausível, apontando que o sistema político atual está "apodrecido".
"Essas pessoas estão certas em rejeitar o sistema político, que está apodrecido. Juízes, deputados, senadores, militares vivem de privilégios e aumentam salários enquanto faltam soluções para o povo. Vivi 20 anos na favela da Borborema e, em todo inverno, minha rua alagava. Vários prefeitos e governadores passaram e nada mudou", enfatizou.
O militante complementou, apontando que sua missão é de "organizar a classe trabalhadora" e exemplificou, caso fosse governador de Pernambuco, que uma solução para o transporte público seria "abrir a caixa-preta" e caminhar para uma estatização com a adoção de passe livre.
"Eu digo: não confie em político. Eu não sou político de carreira, sou militante. Quero organizar a classe trabalhadora para mudanças radicais. Se fosse governador, por exemplo, abriria a caixa-preta do transporte e caminharia para estatização e passe livre", acrescentou.
"Nosso papel nas eleições é apresentar o debate crítico que não aparece no cotidiano"
Apesar de defender uma posição "anti-sistema", Jones disputou a eleição de 2022, onde foi candidato ao Governo de Pernambuco, pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). À época, terminou com 33.931 votos.
Questionado por um eventual contrassenso por disputar eleições sendo anti-sistema, Jones destacou que "só existe direito ao voto graças aos comunistas" e detalhou o papel dos comunistas nas eleições.
"Nosso papel nas eleições é apresentar o debate crítico que não aparece no cotidiano. A extrema direita se diz antissistêmica, mas não apresenta soluções reais. [...] Nosso debate é com substância, com propostas concretas, como mostramos em debates sobre o agronegócio e a fome.", afirmou.
Críticas ao governo Lula, Raquel Lyra e João Campos
Jones não poupou críticas ao governo Lula e nem às gestões da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD), e do prefeito do Recife João Campos (PSB).
De acordo com o militante, a gestão petista "governa como a direita" e não está cumprindo promessas de campanha, citando as privatizações do metrô do Recife e a participação na concessão da Compesa.
"Em Pernambuco, o governo Raquel Lyra (PSD) pagou R$ 17 milhões ao BNDES para estudar a privatização da Compesa. E há projeto de privatização do metrô, com investimento público de R$ 3 bilhões em empresa privada. Isso não é esquerda. [...] A promessa era não privatizar a água e o metrô, mas isso não está sendo cumprido. É preciso diferenciar nossa proposta dessa esquerda que governa como direita", disse.
Ainda segundo Jones, o governo Lula cometeu erro ao não realizar uma política de memória às vítimas da pandemia da Covid-19 e fez críticas a ministros do governo federal, como o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), a quem acusou de ser o responsável pelo "sucateamento" do Metrô do Recife.
“O metrô está sendo privatizado agora. O metrô é federal, é da CBTU, e o Rui Costa está sucateando de propósito o metrô. Pode me processar. Essa quebra agora da linha Sul não é coincidência, estão deixando propositalmente o metrô quebrar para tentar justificar a privatização", afirmou.
Sobre o prefeito João Campos, Jones afirmou que o pessebista "não é de esquerda" e não vê na gestão municipal uma transformação "concreta" na vida das pessoas.
"João Campos privatiza unidades de saúde e creches. Isso não é ser de esquerda. Quero que alguém me aponte três políticas de esquerda do prefeito. Não existem. Hoje, ser de esquerda parece se resumir a dizer: tome vacina, não seja fascista, negro é gente, LGBT é gente. Mas isso é o mínimo. Política de esquerda de verdade é transformar a vida concreta do povo, e não vejo isso na gestão do Recife", criticou.
Já em relação ao governo Raquel Lyra, além das críticas à concessão da Compesa, apontou que a governadora não dialoga com as universidades de Pernambuco e não escuta pesquisadores locais.
"Raquel Lyra pagou R$ 17 milhões ao BNDES para estudar a privatização da Compesa, enquanto o povo sofre com falta de água. Inaceitável. Ela não dialoga com a universidade local, não escuta pesquisadores daqui. Prefere pagar consultorias externas, enquanto as soluções poderiam vir da nossa própria realidade", enfatizou.
"Bolsonaro deveria ter sido preso pela gestão durante a pandemia"
O militante comunista foi enfático ao apontar que o ex-presidente Jair Bolsonaro, hoje réu por tentativa de golpe de Estado, deveria estar preso pela gestão durante a pandemia, no que considerou um "genocídio contra o povo pobre". De acordo com Jones, esse foi "o maior crime" de Bolsonaro na presidência.
“Quero que Bolsonaro seja preso, mas não só por tentativa de golpe. O maior crime dele foi na pandemia: negou vacinas, estimulou aglomerações e contribuiu para a morte de 700 mil brasileiros. Isso foi um genocídio contra o povo pobre", disse.
O militante criticou ainda a forma como o Supremo Tribunal Federal (STF) e parte da esquerda lidaram com o ex-presidente.
“O STF e parte da esquerda tratam Bolsonaro como um problema só político-institucional, mas o que ele fez foi um crime contra a vida. É preciso julgar isso. O Brasil precisa de memória e justiça para as vítimas da pandemia", enfatizou.
"Vou caçar Nikolas Ferreira", diz Jones Manoel
Jones apontou que já convocou o deputado federal Nikolas Ferreira para debates, mas nunca obteve resposta, indicando que o parlamentar "tem medo".
"Nikolas tem medo de mim como o diabo tem medo da cruz. Ele foge", ironizou.
"Ele sabe que não tem capacidade para sustentar um debate de conteúdo. Prefere fazer discurso vazio para as redes sociais, mas quando é para discutir saúde, transporte ou economia, não aparece", complementou.
O comunista ressaltou que a postura do deputado mineiro ilustra a fragilidade da direita em debates de fundo.
“A direita brasileira não tem densidade de projeto. Quando é para gritar contra vacina ou fazer piada preconceituosa, eles aparecem. Mas quando é para discutir orçamento da saúde, estatização do transporte ou combate à fome, eles se escondem. Nikolas é o exemplo mais claro disso", criticou.
Jones adiantou que estará em Brasília ainda neste mês de setembro para participar de uma audiência pública e pretende aproveitar a oportunidade para "caçar" Nikolas no Congresso Nacional.
"Inclusive, não sei ainda a data, mas tá pra ser marcada uma audiência pública no Congresso Nacional, que eu vou participar. E aí, quando eu for participar, já adiantando aqui, eu vou sair com a câmera e vou caçar o Nikolas Ferreira no Congresso Nacional, ele vai ser obrigado a debater comigo a contragosto", enfatizou.
Quem é Jones Manoel?
Nascido na Favela da Borborema, na zona Sul do Recife, Jones é historiador, professor, comunicador popular, youtuber e escritor, tendo nove livros lançados. Ganhou notoriedade após dar uma entrevista ao cantor Caetano Veloso, que teceu elogios ao recifense, à época.
Nos últimos anos, tem se destacado no meio digital, pela presença em debates com políticos e influenciadores da direita, como, por exemplo, o deputado federal Kim Kataguiri e o deputado estadual paulista Fernando Holiday, além de participar de conteúdos como o vídeo "1 comunista x 20 conservadores", que viralizou nas redes sociais.
No entanto, Jones não se furta a debater apenas com direitistas, mas também com quadros da esquerda, sem poupar críticas ao governo Lula e à esquerda atual do país. O nome de Jones vem sendo levantado por apoiadores para uma candidatura à presidência da República.
Atualmente, Jones não possui partido político oficializado. Em 2023, foi expulso do PCB, e, desde então, faz parte do coletivo "Partido Comunista Brasileiro Revolucionário", junto com outros dissidentes do PCB.