Senado aprova mudanças na Lei da Ficha Limpa e ex-juiz Marlon Reis classifica decisão como "anistia camuflada"
Projeto aprovado por 50 senadores altera prazo de inelegibilidade e pode beneficiar políticos já condenados. Relator da Lei promete reação

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O Senado Federal aprovou, nesta terça feira (02), por 50 votos a 24, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, que altera pontos centrais da Lei da Ficha Limpa.
A proposta, relatada pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), modifica os critérios de inelegibilidade para políticos condenados, renunciantes ou cassados, e agora segue para sanção presidencial.
Se sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o projeto poderá beneficiar inclusive políticos já condenados, com aplicação imediata das novas regras.
Principais mudanças no projeto
A proposta traz mudanças significativas na legislação:
- Unificação do prazo de inelegibilidade: Todos os casos passam a ter limite máximo de oito anos.
- Início da contagem antecipado: O prazo começa a contar a partir da condenação, da renúncia, ou da eleição com abuso, e não mais ao fim do mandato.
- Limite para múltiplas condenações: O teto passa a ser de 12 anos, mesmo que haja várias decisões judiciais.
- Vedação a múltiplas penas por um mesmo fato: Impede que diferentes ações sobre o mesmo caso resultem em punições acumuladas.
- Exceção para crimes graves: Em casos como corrupção, homicídio, estupro, tráfico, racismo ou tortura, o prazo de inelegibilidade começa apenas após o cumprimento da pena.
“Retrocesso imenso”
O ex-juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, considera que o projeto representa um enfraquecimento grave da legislação eleitoral brasileira.
Em entrevista à Rádio Jornal nesta terça-feira (3), ele definiu as mudanças como “um retrocesso imenso” e afirmou que o Legislativo promoveu “uma anistia camuflada, entre aspas, da prevenção.
Segundo ele, o novo modelo permite que políticos condenados possam retornar à disputa eleitoral de forma precoce, mesmo após penas severas.
Marlon dá como exemplo um réu condenado a oito anos de prisão.
“Quando terminar o cumprimento da pena, já está elegível automaticamente. É óbvio que isso não condiz com o espírito da lei.”
Aprovação na “calada da noite”
O ex-magistrado também criticou a forma como o projeto foi aprovado.
De acordo com ele, a matéria foi pautada discretamente, em um momento de atenção nacional voltada ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Foi praticamente na calada da noite. Eles retiraram da pauta sem aviso e colocaram para votação quando o Brasil inteiro estava olhando para outro lado", constatou.
Marlon afirma que essa tática evitou mobilizações sociais contrárias à proposta, como ocorreu em votações anteriores, quando o projeto chegou a ser retirado após pressão popular.
Reação ao projeto
Caso o presidente Lula sancione a nova lei, Marlon Reis pretende acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), com apoio da OAB e de partidos políticos, para discutir a constitucionalidade das alterações.
“Nós já temos os estudos jurídicos prontos. Vamos buscar apoio institucional para impedir que essa mudança passe em branco", assinalou.
Ele também incentiva a sociedade a usar as redes sociais para denunciar os senadores que votaram a favor da proposta.
“As pessoas devem lembrar desses nomes no ano que vem. Eles estavam lá para defraudar a vontade popular.”
Exemplos internacionais
Marlon reforçou que a inelegibilidade é uma prática comum nas democracias.
“Nos Estados Unidos, dependendo do estado, há banimento vitalício de políticos condenados. Na Espanha, até um inquérito por terrorismo já impede a candidatura", explicou.
Ele considera que a Lei da Ficha Limpa é uma conquista democrática que não pode ser desmontada.
“Foi aprovada por unanimidade no Congresso, validada pelo STF e nasceu da iniciativa popular com milhares de assinaturas. Não podemos permitir esse retrocesso", disse.
Quem votou a favor e contra o projeto
A FAVOR (50 senadores)
Partidos: PL, União Brasil, PP, PSD, MDB, PSDB, PDT, Republicanos, PSB, PT, Podemos
Destaques: Weverton Rocha (relator), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Sergio Moro (União-PR), Renan Calheiros (MDB-AL), Tereza Cristina (PP-MS), Romário (PL-RJ), Rodrigo Pacheco (PSD-MG)
CONTRA (24 senadores)
Partidos: PT, MDB, PSDB, PDT, PSB, Republicanos, Novo
Destaques: Marcelo Castro (MDB-PI), Eduardo Girão (Novo-CE), Leila Barros (PDT-DF), Alessandro Vieira (MDB-SE), Humberto Costa (PT-PE), Damares Alves (Republicanos-DF)
Próximos passos
- Sanção ou veto presidencial: Cabe ao presidente Lula decidir se sanciona ou veta a proposta.
- Possível judicialização: Caso sancionada, a nova lei pode ser questionada no STF.
- Aplicação imediata: As regras podem passar a valer já nas próximas eleições, inclusive para políticos atualmente inelegíveis.