COMBATE À CORRUPÇÃO |

Lei da Ficha Limpa completa 15 anos como símbolo do combate à corrupção e alvo de propostas de mudança

Aprovada em 2010 após mobilização popular, Lei da Ficha Limpa completa 15 anos enquanto propostas no Senado tentam limitar seus efeitos

Por Rodrigo Fernandes Publicado em 04/06/2025 às 2:01

Com informações da Agência Senado

Aprovada por unanimidade no Congresso Nacional e sancionada em 4 de junho de 2010, a Lei da Ficha Limpa completa 15 anos nesta quarta-feira. Considerada um marco no combate à corrupção no Brasil, a norma barra a candidatura de políticos condenados por decisão de órgão colegiado por crimes como corrupção, abuso de poder e compra de votos.

A lei é resultado de uma iniciativa popular que reuniu mais de 1,5 milhão de assinaturas em todos os estados e no Distrito Federal. A campanha foi liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e teve intensa mobilização nas redes sociais. O texto foi entregue à Câmara dos Deputados em 2009 e aprovado no ano seguinte, sendo sancionado pelo então presidente Lula.

“Não veio de cima pra baixo, nasceu da força da participação popular, com mais de um milhão de assinaturas e o engajamento direto de toda a sociedade, que exigiu mudanças concretas na política”, afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS). “Votei favoravelmente com convicção, por entender que o mandato jamais pode servir de abrigo à impunidade.”

Rodolfo Stuckert/Agência Senado
Movimento conseguiu atender as exigências para lei de iniciativa popular ao reunir mais de 1,5 milhão de assinaturas - Rodolfo Stuckert/Agência Senado

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a constitucionalidade da norma. Desde então, a lei tem sido aplicada nas eleições e estabeleceu 14 hipóteses de inelegibilidade, inclusive em casos de condenação por enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público.

A duração da inelegibilidade pode variar conforme o cargo, chegando a até 16 anos, no caso de senadores. Até então, as leis existentes previam hipóteses para o condenado ficar fora da vida pública, mas por um período menor, de até três anos.

Segundo o texto, políticos condenados não podem concorrer novamente durante todo o período restante do mandato e nos oito anos seguintes ao término. De acordo com a lei, as regras valem para o caso de decisões transitadas em julgado (sem possibilidade de recurso) ou proferidas por órgão judicial colegiado.

Para o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), a lei representa um avanço fundamental. “A Lei da Ficha Limpa é a mais importante das leis de iniciativa popular que o Brasil já conseguiu aprovar e trouxe como grande inovação esse filtro de qualidade ética, de honestidade para quem está na vida pública".

Os impactos da lei nos 15 anos

O cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco Arthur Leandro aponta que a lei gerou impactos relevantes no sistema político brasileiro. "Ela conseguiu afastar milhares de candidaturas de políticos condenados, alterando o comportamento de partidos e candidatos", analisou.

Na visão do especialista, a Lei da Ficha Limpa alterou o discurso político e contribuiu para fortalecer a demanda por integridade, uma vez que muitos candidatos passaram a exibir sua "ficha limpa" como trunfo eleitoral, e parte do eleitorado incorporou essa exigência como critério de julgamento.

Contudo, essa mudança na percepção pública foi filtrada por outro fenômeno da política atual, o viés ideológico. "Na prática, eleitores tendem a considerar primeiro o campo político ao qual um candidato pertence, se aliado ou adversário de suas preferências, e apenas depois consideram seu histórico jurídico ou ético", analisou Arthur Leandro.

"Isso relativiza o impacto da lei, pois um mesmo fato, como a condenação por abuso de pode, pode ser visto como 'perseguição política' ou 'prova de corrupção', dependendo da identidade do acusado. Nesse sentido, a Lei da Ficha Limpa tensiona o sistema, mas seus efeitos práticos são condicionados por afetos partidários, polarização e racionalizações seletivas, por parte do eleitorado", acrescentou.

Ele pondera que a efetividade estrutural da legislação enfrenta limitações, uma vez que os grupos políticos se adaptaram rapidamente à lei, criando substitutas e explorando brechas legais, além de pressionar por mudanças no próprio texto.

"O sistema político brasileiro tem uma forte capacidade de absorver mudanças sem alterar seus fundamentos, especialmente quando elites organizadas, às vezes, ideologicamente opostas, atuam de forma coordenada, em defesa de seus próprios interesses. Ainda assim, a lei representa uma conquista institucional relevante, em grande medida impulsionada pela sociedade civil; mais do que os números de inelegibilidades, seu maior legado está na elevação das expectativas sociais sobre a integridade dos representantes", completou. 

Tentativas de alteração geram críticas

Apesar do reconhecimento da importância da lei, propostas em tramitação no Senado têm gerado debate. O projeto do novo Código Eleitoral (PLP 112/2021) e o PLP 192/2023 propõem a unificação dos prazos de inelegibilidade, limitando-os a oito anos. Atualmente, a contagem do prazo pode variar, começando após o cumprimento da pena ou o fim do mandato.

As propostas têm provocado reações. “O presente de aniversário nos 15 anos é outra investida contra a lei. A sociedade precisa acordar enquanto é tempo porque vem para praticamente aniquilar a lei da Ficha Limpa, afrouxando ali, afrouxando acolá. A sociedade precisa acordar enquanto é tempo porque vem para praticamente aniquilar a Lei da Ficha Limpa", afirmou o senador Eduardo Girão (Novo-CE).

Por outro lado, o relator do novo Código Eleitoral, senador Marcelo Castro (MDB-PI), nega que haja tentativa de desfiguração. Segundo ele, o objetivo é uniformizar os prazos e corrigir inconsistências. “Nenhuma inelegibilidade será superior a oito anos. Eu entendo que não estamos desfigurando a Lei da Ficha Limpa, mas aperfeiçoando-a.”

Paulo Paim defende a preservação da lei: “Desfigurar a Ficha Limpa é ignorar o esforço coletivo que a tornou realidade. Temos que aprimorar, nunca retroceder.”

O cientista político Arthur Leandro acredita que o desenho jurídico da lei precisa ser ajustado às mudanças recentes do cenário político. Ele diz que há margem para aperfeiçoamento dos critérios técnicos, como a uniformização do início do prazo de inelegibilidade, por exemplo, mas faz ponderações sobre as possíveis mudanças.

"O risco é transformar a lei em peça simbólica, desidratada em sua aplicação prática. Num ambiente político onde as regras são constantemente testadas por atores que buscam maximizar ganhos próprios, a estabilidade institucional exige vigilância social contínua e aperfeiçoamentos que ampliem, e não fragilizem, os mecanismos de responsabilização", finalizou o cientista político.


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