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25 anos do Porto Digital: a ideia que reinventou o Bairro do Recife

Em entrevista ao JC, o CEO Pierre Lucena revisita a trajetória do parque que uniu tecnologia, cidade e impacto social no Recife

Por Eduardo Scofi Publicado em 11/12/2025 às 12:40 | Atualizado em 11/12/2025 às 18:18

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Como nasce uma ideia? Antes que a palavra ideia ganhasse tantos significados, Descartes condensou a inquietação humana sobre o ato de pensar em uma frase que atravessa os séculos: "Penso, logo existo".

Mas o que fazer quando um pensamento não apenas existe, mas insiste? E quando uma ideia não se limita ao indivíduo e transforma uma cidade?

No ano 2000, durante o governo Jarbas Vasconcelos (MDB), o cientista e professor Silvio Meira, junto a empresários, membros da academia e representantes do setor público, deram novo significado à pergunta. O grupo imaginou que entre as paredes descascadas do Recife Antigo, poderia existir um território capaz de unir tecnologia, conhecimento e reconstrução urbana.

Ali, onde o Oceano Atlântico encontra o Capibaribe, nascia o Porto Digital.

Divulgação/ Porto Digital
A história do Porto Digital começa com os idealizadores no ano de 2000 - Divulgação/ Porto Digital

Passadas duas décadas e meia, longe daquele cenário de declínio econômico e empresas de T.I. fechando suas portas, o parque tecnológico é reconhecido como o maior do país. Mas, ainda assim, sua essência permanece: tudo nasce de um traçado em um quadro branco; tudo nasce de uma pergunta sobre possibilidade.

Não por acaso, Pierre Lucena, um dos responsáveis pela fase mais recente do crescimento e CEO do parque, guarda na memória a cena que repetiria a lógica fundadora do Porto Digital.

“Eu desenhei no quadro o que seria o Embarque Digital todo [programa de bolsas de estudos do Porto Digital em parceria com a Prefeitura]”, recorda. “João Campos me deu a caneta errada. Era permanente. A gente foi apagar e não apagou.”

O traço que não apagou virou metáfora da história do Porto Digital. Um projeto que começou quase íntimo, sustentado por uma mistura improvável de sonho e método, e que se firmou como política pública transformadora.

Divulgação/ Porto Digital
Porto Digital completa 25 anos como motor de inovação, educação e transformação urbana no Recife - Divulgação/ Porto Digital

A inovação que transforma

Quem acompanha de perto a trajetória do Porto Digital entende que, em 25 anos de história, um dos pilares do parque é a transformação social.

Para Lucena, “o Brasil precisa de ações afirmativas”. A frase aponta para uma realidade que o ecossistema já aprendeu na prática: não há futuro tecnológico possível quando o presente continua desigual.

“Um jovem que mora em uma família estruturada vai ter muito mais chances do que um jovem de periferia. As jornadas são diferentes”, ressalta.

Foi dessa consciência que surgiram projetos como o Embarque Digital, programa que virou a engrenagem central da democratização do setor. Criado para ampliar o acesso às graduações em tecnologia, o Embarque mudou o perfil do ecossistema.

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O Embarque Digital forma novas gerações de profissionais e transforma a trajetória de milhares de famílias recifenses - Divulgação/ Porto Digital

Hoje, 68% dos estudantes das universidades parceiras vêm do programa, um terço são mulheres — mais que o dobro da média nacional, de acordo com Lucena.

A evasão é baixa; a empregabilidade, alta. Em apenas dois anos, Recife saltou de 600 para 1.400 formados por ano, tornando-se a cidade com maior proporção per capita de estudantes de tecnologia do país. Ao todo, mais de 2.500 famílias já foram impactadas diretamente pelo programa.

Mas a transformação iniciada pelo Embarque também inspirou o parque a criar novos programas. O Porto+, programa voltado à inclusão produtiva de grupos minoritários, é um desses desdobramentos. A iniciativa foca na formação de pessoas autistas e idosos, além de colocar pessoas transexuais no mercado de trabalho através da educação.

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Porto+ amplia a presença da diversidade e da inclusão produtiva - Divulgação/ Porto Digital

Mas profissionalizar é só metade do caminho. É fundamental também transformar o mercado através do letramento das empresas para que essas pessoas sejam contratadas. “Estamos tentando fechar um ciclo com inclusão produtiva por meio do diálogo contínuo com as empresas”, disse o gestor.

Rec’n’Play: o grande carnaval tecnológico

A transformação social, no entanto, não se limita às salas de aula, aos laboratórios ou às políticas de acesso. Ela também acontece nas ruas.

É no espaço público que a inovação encontra a cidade, e é caminhando entre seus prédios históricos que revela uma de suas vocações mais potentes: a capacidade de mobilizar pessoas. É nesse encontro entre tecnologia, cultura e vida urbana que surge o REC’n’Play, festival que Pierre descreve como “um grande carnaval tecnológico”.

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A capacidade de mobilizar pessoas é de grande interesse para o Porto Digital - Divulgação/ Porto Digital

Ele lembra o primeiro impacto. “A rua estava completamente lotada. A fila para entrar na palestra saía do Cais do Sertão e chegava no Marco Zero.”

O festival, que havia começado tímido, quase experimental, em poucos anos virou maré de gente. No primeiro ano, sete mil inscritos; no segundo, 13 mil; depois, 35 mil. Hoje, 90 mil pessoas atravessam a Rio Branco, que durante quatro dias parece “os quatro cantos do Carnaval.”

O REC’n’Play mistura “o jovem da Linha do Tiro com o executivo que desce do prédio, com a menina que está começando ADS [Análise e Desenvolvimento de Sistemas], com quem nunca entrou em uma empresa de tecnologia”, além de curiosos, professores e artistas. Para Pierre, o sentido do festival é “misturar todo mundo, sem nenhum tipo de privilégio”.

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REC’n’Play movimenta as ruas do Bairro do Recife e reforça a mobilização na cidade - Divulgação/ Porto Digital

Assim, o evento furou a bolha da tecnologia e virou porta de entrada para quem nunca imaginou pertencer ao setor. “É onde um jovem entende que aquilo pode ser para ele”. Ali, o Porto Digital deixa de ser só um espaço e invade de vez cada canto da cidade.

A economia que renasceu no coração do Recife

Para além do impacto social, o Porto Digital redesenhou a economia do Recife. O bairro, marcado por uma história de abandono urbano, vem se tornando um dos grandes motores financeiros da cidade.

A vitalidade do ecossistema aparece no número de empresas, no fluxo diário de trabalhadores, mas sobretudo na mudança do território. Para o CEO, “o bairro do Recife não seria o que é hoje se a gente não estivesse aqui. Nem de longe.”

Ele lembra do contraste com clareza. “Quando eu cheguei, eram 9.500 colaboradores. Hoje são mais de 21.500. Só no raio de 400 metros [do prédio do Porto Digital] existem mais de 100 cafés e restaurantes. É a economia girando.”

Essa transformação não é acidental, mas fruto da consolidação de um setor que, segundo Pierre, se tornou estratégico para o futuro da cidade. O ecossistema se mistura à paisagem, sustenta a ocupação urbana, movimenta bares, restaurantes, livrarias, serviços e atrai um fluxo constante de capital e inovação. No coração de um dos bairros mais antigos da cidade, o futuro virou rotina.

Divulgação/ Porto Digital
A vitalidade econômica aparece no entorno direto do Porto Digital - Divulgação/ Porto Digital

O Porto Digital não nasceu apenas para atrair empresas. Nasceu para revitalizar um centro histórico, reconstruir uma economia e responder a um período em que Pernambuco precisava encontrar seu lugar nas mudanças que aconteciam no País. Além disso, surgiu também para provar que inovação também é urbanismo, cultura e inclusão.

Vinte e cinco anos depois, a pergunta permanece. Não apenas como reflexão filosófica, mas como pacto coletivo. Como nasce uma ideia. E, sobretudo, a cidade que ela é capaz de transformar.

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